Plinio Vidigal Xavier da Silveira
Recentemente a imprensa comemorou os 40 anos do Estatuto da Terra (ET). Comemorou!? As matérias publicadas mais pareciam referir-se a um velório do que a um aniversário. O choro abundante deveu-se à conjugação de dois fatores que, pelo fato de se apresentarem sincronizados, produziram um ranger de dentes na esquerda em geral.
Primeiramente consistiu na consideração de que o ET foi uma lei de Reforma Agrária magnífica, espetacular, maravilhosa, fora de série, e o que quiserem mais. Nos arraiais da esquerda não se poupam elogios ao texto. Mas a isso se soma o segundo fator melancólico: o ET não foi aplicado!
Como foi possível –– perguntam-se os agro-reformistas –– ter sido engavetado um texto que realizava tão a fundo os desejos da esquerda em matéria de socialismo agrário, descido do céu pelas mãos de um regime de força, e que tinha tudo para ser imposto truculentamente à Nação, numa época em que os militares gozavam do auge do prestígio popular?
O fato parece realmente perplexitante. Mas só para quem não conheceu aquele período de nossa história, ou então agora, quatro décadas decorridas, não estuda os acontecimentos de 1964 com a devida isenção de ânimo.
“A melhor lei agrária chega aos 40 anos”, foi o título de um artigo publicado em um matutino paulista.(1) E o subtítulo não é menos bombástico: “O Estatuto da Terra é a legislação brasileira mais estudada no exterior”. Trata-se, diz o corpo do artigo, da “mais importante lei agrária brasileira e uma das mais completas do País”.
E o mesmo jornal reconheceu mais tarde, em editorial, que se trata de uma “lei que pouco saiu do papel”.(2) Também o agrônomo Xico Graziano deixa claro: “A lei [o ET] nunca conseguiu promover a distribuição fundiária tão aguardada”.(3)
A explicação do paradoxo entretanto é simples. Ela pede apenas, para ser bem entendida, um rápido histórico.
O período que mediou entre 1960 e 1964 foi de agitação agrária no Brasil: as Ligas Camponesas (espécie de MST da época); a estranha renúncia do populista Jânio Quadros e a subida do governo pró-comunista de João Goulart; uma intensa propaganda da Reforma Agrária socialista e confiscatória.
De outro lado, havia a grande expansão da TFP, sob a égide lúcida e firme de Plinio Corrêa de Oliveira, mostrando a incompatibilidade visceral entre o socialismo agrário e a doutrina católica.
Comunismo e anticomunismo buscavam a conquista da opinião pública, numa disputa quase diária que se traduziu em lances de todo tipo: livros, conferências, entrevistas, campanhas, panfletos. Até enfrentamentos em praça pública se deram mais de uma vez, quando comunistas inconformados atacaram rapazes da TFP que divulgavam suas publicações para uma população ávida de argumentos e pensamento. Foi preciso aos propagandistas da TFP muita galhardia e coragem para dispersar esses magotes de furiosos.
O fato concreto é que o povo brasileiro pacato, amigo das tradições, da família e da propriedade, inclinou-se decididamente pelo anticomunismo. Jango não soube avaliar a situação e usou uma tática politicamente suicida: avançar mais e mais na direção da esquerda, quando o terreno lhe era completamente adverso. Vieram as marchas que encheram as ruas e praças das principais cidades do País, dizendo não ao comunismo e em particular à Reforma Agrária socialista e confiscatória.
Para atender o clamor popular, deu-se então o golpe militar de 1964, que derrubou Jango do poder. A TFP, que não participou do golpe nem dos conchavos político-militares que o precederam, havia sido a grande força anticomunista a preparar a opinião pública, atuando sempre de modo pacífico e legal.
Instalado o regime militar em abril de 1964, em novembro do mesmo ano, para surpresa geral, era promulgado o Estatuto da Terra, uma lei agrária que atendia a todos os reclamos da esquerda janguista e até os ultrapassava. Tratava-se de um texto de Reforma Agrária que golpeava a fundo a propriedade privada no Brasil e coarctava a livre iniciativa. Se aplicado, instauraria o socialismo no campo. No dizer de Plinio Corrêa de Oliveira, o “janguismo sem Jango” instalava-se em nossa Pátria.
Agora, 40 anos depois, o caráter socialo-comunista do ET não deixa a menor dúvida em ninguém. Segundo o presidente do INCRA, Rolf Hackbart, o ET “surgiu como resposta às lutas e reivindicações dos movimentos sociais pré-64, que exigiam profundas mudanças estruturais na propriedade e no uso da terra no Brasil”.(4) O mesmo editorial acima citado mostra que “o primeiro governo militar privilegiou, no Estatuto, conceitos típicos da esquerda dos anos 60”.(5) O economista Xico Graziano relaciona a promulgação do ET com “a tomada do poder em Cuba por Fidel Castro, em 1959”.(6)
Elaborado por um grupo de agro-reformistas, entre os quais se salientava o ferrenho esquerdista José Gomes da Silva, o ET foi aprovado no Congresso a toque de caixa.
Para que a glória nacional não ficasse manchada pela inércia dos que deveriam ter protestado e não o fizeram, uma voz se levantou destemida contra o ET. Foi a de Plinio Corrêa de Oliveira. A circunstância era das mais ingratas. Empossados no Poder havia poucos meses, os militares estavam ainda no auge de seu prestígio por terem lançado a pá de cal sobre o janguismo pré-comunista no Bra-
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