sil. O regime de força se exercia então sem contraste. Enfrentá-lo parecia temeridade.
Fiel aos princípios católicos que o nortearam desde muito jovem, o Prof. Plinio não hesitou diante do risco nem diante das consequências. A glória de Deus e o bem da Civilização Cristã no Brasil exigiam, se necessário, até uma imolação. Ele disse: “Estou pronto”. Dois documentos memoráveis foram então elaborados por ele.
O primeiro, uma análise do ET denunciando seu caráter comuno-janguista, foi distribuído em 4 de novembro de 1964 aos deputados e senadores que debatiam o projeto. Intitulado O direito de propriedade e a livre iniciativa no projeto de emenda constitucional nº. 5/64 e no projeto de Estatuto da Terra, o texto era assinado, além do autor, por dois Bispos e um economista, co-autores do famoso best-seller Reforma Agrária – Questão de Consciência. Não é possível aqui citar mais extensamente esse documento de 35 laudas datilografadas, obra-prima de concisão e objetividade. Mas ele fica à disposição dos leitores que houverem por bem pedi-lo à redação de Catolicismo.
O documento causou grande impacto, por sua precisão de conceitos, sua lucidez na análise, sua denúncia firme e irretorquível. Porém, as cartas estavam marcadas. O ET foi aprovado pelos congressistas e promulgado em 30 de novembro pelo presidente Castelo Branco.
Assinado então pelo Conselho Nacional da TFP, veio a lume em numerosos jornais brasileiros o Manifesto ao povo brasileiro sobre a Reforma Agrária, redigido por Plinio Corrêa de Oliveira. Diz o texto: “Em trinta dias o Congresso teve que examinar, emendar e votar um projeto de 133 artigos e mais de 500 parágrafos, incisos e alíneas. Consumou-se assim às carreiras um dos mais importantes fatos da vida nacional desde a Independência”.
Observa o documento que “os órgãos de cúpula da imensa rede de associações representativas da classe rural”, aos quais competia alertar seus associados e o Brasil, “ou não atuaram, ou mobilizaram meios de ação nitidamente desproporcionados às necessidades do momento”.
O manifesto não é porém um dobre de finados. Pelo contrário: “Tudo ainda poderá ser salvo, à medida que a opinião nacional, devidamente esclarecida e despertada desse como que letargo hipnótico em que esteve imersa, se vá afirmando. [...] Se as correntes de opinião esclarecidas e previdentes souberem fazer sentir sua influência junto aos Poderes Públicos, criarão entraves salutares à expansão do agro-reformismo em nosso País”.
Tal aspiração acabou por se revelar profética, pois foi o que ocorreu. O brado de alerta de Plinio Corrêa de Oliveira encontrou eco junto à opinião pública nacional. O governo do Marechal Castelo Branco parece ter-se dado conta de que uma aplicação precipitada do ET seria altamente contraproducente para o governo e para o País. E teve o bom senso de engavetá-lo.
Só bem mais tarde, em 1985, já na chamada Nova República, o governo Sarney tentou uma aplicação truculenta do ET. Sob a orientação do então Ministro da Agricultura, Nelson Ribeiro, indicado pela CNBB para fazer a Reforma Agrária, e do presidente do INCRA, o mesmo José Gomes da Silva, elaborou-se o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA).
No livro que escreveu então, em colaboração com o economista Carlos Patrício del Campo, Plinio Corrêa de Oliveira lembrava que, em 1964, “foi a voz da TFP a única que teve a coragem de conclamar o País a uma posição de previdência e alerta contra o ´janguismo sem Jango`, que [devido à aprovação do ET] acabava de penetrar assim na vida do campo”.
Tal livro constitui uma análise minuciosa do PNRA e deixa claro que “o ET é a árvore daninha da qual o PNRA é apenas um fruto nocivo”. Pede ainda um plebiscito nacional sobre a Reforma Agrária, pois “sempre que a Reforma Agrária tenta implantar-se, usa de artifícios que fogem à consulta popular. Viu-se isto no passado. E com mais clareza ainda no presente”.
Fique pois aqui consignado, ad perpetuam rei memoriam (para a perpétua memória do fato), o papel único que teve Plinio Corrêa de Oliveira para impedir que a Reforma Agrária socialista e confiscatória se abatesse sobre o Brasil de modo inexorável, num dos lances mais delicados da história pátria.
No momento presente, em que tanto se falou do ET e das circunstâncias que cercaram sua aprovação há 40 anos, não faz mérito a ninguém omitir o nome daquele que unicamente teve a coragem de opor-se ao governo forte para denunciar os males da legislação agrária. E levanta inevitavelmente uma pergunta: estará em vigor algum tipo de censura na imprensa? Uma autocensura?
Notas:
Perseguição ao agronegócio — O que está no fundo das intenções do INCRA? Esse segredo de polichinelo foi revelado pelo presidente da entidade, Rolf Hackbart, falando a uma platéia de sem-terra. Ele não achou nada melhor do que associar ao agronegócio o assassinato de alguns sem-terra. Exprimindo-se em termos da envelhecida luta de classes marxista, Hackbart colocou-se contra “o outro lado” — o do agronegócio: “Temos que saber em que ponto vamos nos unificar porque o outro lado é muito organizado, sob a etiqueta do chamado agrobusiness. Sob essa etiqueta está Adriano Chafik, que matou os trabalhadores em Minas Gerais. Ele se diz do agrobusiness. Sob essa etiqueta está o proprietário que baleou os acampados lá em Mato Grosso do Sul”, disse ele. Tais declarações desagradaram profundamente a opinião pública nacional, a ponto de a mídia ter feito constar que o presidente Lula pensara em demitir Hackbart. Na realidade, ele permaneceu intocável em seu posto.
Antes... — No início do governo Lula, um Frei Betto exultante sonhava com a exaltação da esquerda católica. Em 23-1-03 escrevia ele um artigo para o “Correio Braziliense”, que aqui resumimos: “Da Praça dos Três Poderes, onde trabalho, contemplo a Esplanada dos Ministérios. Meu olhar volta ao passado e retorna ao presente, agora como se a realidade fosse sonho. Ali está a ministra Marina Silva, militante das CEBs. Ao lado, Benedita da Silva, líder comunitária do morro Chapéu Mangueira, atrás do nosso convento dominicano. José Fritsch, integrante das CEBs de Chapecó, é discípulo de dom José Gomes. No monolito preto do Banco Central, reencontro Henrique Meirelles, militante da JEC (Juventude Estudantil Católica) de Anápolis. Dilma Roussef, companheira de cárcere no Presídio Tiradentes, em S. Paulo, nos anos 70. José Graziano, também foi meu companheiro de JEC. Olívio Dutra, militante da Pastoral Operária. Dentro do Palácio do Planalto, José Dirceu, líder estudantil que se escondeu em nosso convento de S. Paulo, nos anos 60. Tentei avisá-lo do cerco policial ao congresso da UNE, em Ibiúna. Mais tarde, quando emergiu da
clandestinidade, apresentei-o a Lula. O gabinete pessoal do presidente da República é comandado por meu parceiro de Pastoral Operária, Gilberto Carvalho. À frente da Secretaria de Imprensa está Ricardo Kotscho, com quem fundei Grupos de Oração, ativos há 23 anos. Ao lado de minha sala, está o gabinete presidencial. Lula soube capitalizar os nossos sonhos de juventude, dar-lhes consistência política e, graças ao seu carisma, transformá-los em realidade: agora, na Esplanada do Ministério, somos uma comunidade responsável pelo governo do Brasil. Fizemos, sim, uma revolução: da conquista progressiva de espaço na política, tendo como mentor Paulo Freire; e, agora, promovendo a refundação do Brasil”.
Depois... — Dois anos se passaram. Benedita da Silva foi expelida do governo. O mesmo ocorreu com José Graziano. Marina Silva está muito desprestigiada. José Fritsch continua um desconhecido do público, como também Gilberto Carvalho. Dilma Roussef foi vaiada até pela esquerda. Henrique Meirelles tornou-se alvo constante de manifestações contrárias. Fala-se insistentemente na defenestração de Olívio Dutra. José Dirceu, todo respingado da lama em que caiu Waldomiro Diniz, está frustrado em seus anelos fidelcastristas. Também Ricardo Kotscho está fora do governo. E o próprio Frei Betto — quem diria! — demitiu-se da assessoria presidencial e de seus sonhos de “refundação do Brasil”. Certamente debitando a causas secundárias um tão grande fracasso em tão pouco tempo. E não querendo ver, como sói acontecer com a esquerda católica, que o socialismo é antinatural, a teologia da libertação uma traição aos princípios cristãos, e por isso, afastada das bênçãos de Deus, só pode dar em frustração.