Luís Dufaur
Enquanto no mundo ocidental os fogos do reveillon iluminavam a passagem de 2003 para 2004, sobre os céus de Nova York e Washington jatos de guerra rasgavam a noite à espreita do pior. Nos aeroportos, o rigor dos controles era um termômetro da tensão mundial. Porém, nem tudo era mau presságio. Saddam Hussein fora capturado no dia 13 de dezembro, trazendo esperanças de um arrefecimento do terrorismo. No mesmo dia, frustrara-se a aprovação de um projeto anticristão de Constituição Europeia.
2004 iniciou-se influenciado por tendências veementemente contraditórias. Elas se acentuaram ao longo de todo o ano. Exemplo característico dessas tendências contraditórias foi a recente eleição presidencial norte-americana. De um lado, os EUA conservadores; de outro, a parte esquerdista e permissivista da população do país, a qual foi derrotada.
Em 2004, a grande mídia exibiu sem cessar convulsionadas ondas de um caos devorador. Mas correntes subterrâneas, no imenso mar da opinião pública mundial, corriam num sentido diverso. Isso de um modo silencioso e desapercebido, sem dúvida. Mas, quando as circunstâncias permitiram, de muitos e grandes setores da humanidade emergiu um consistente “não” ao enlouquecido rolar rumo à anarquia.
Avanço avassalador do caos revolucionário e recusas multitudinárias desse mesmo caos foram duas tendências contrapostas que perpassaram a fundo 2004. Elas muitas vezes misturaram-se nos fatos concretos, como se os primeiros raios do amanhecer, delicados anunciadores de um dia novo, se entremeassem com as trevas poluídas de um anoitecer sujo e feio.
As esquerdas ousaram tresloucadas aventuras. E até festejaram precipitadamente “vitórias” que resultaram em frustrações. A opinião pública lhes enviou, mais de uma vez, um recado que ressoou como aquele “mane, thecel, fares” (“teus dias estão contados” –– Dan 5, 25 ss), que mão desconhecida escreveu numa parede em pleno festim de Balthasar, rei de Babilônia, que escravizava Israel.
Nada melhor que a rememoração dos acontecimentos do ano para confirmar, ou infirmar, essa consideração.
Em 31 de dezembro de 2003, o presidente da CNBB, D. Geraldo Majella Agnelo,
deu o tom do que viria para o meio rural: pediu pressa na Reforma Agrária.(2) Na véspera do “abril vermelho”, o purpurado acrescentou que o Brasil estava como uma “panela de pressão” prestes a explodir.(3)
João Pedro Stédile, líder máximo do MST, anunciou o plano do comuno-progressismo: “Essa é a disputa que há na sociedade: 23 milhões contra 27 mil [proprietários] [...] o que está faltando para nós? Está faltando juntar os mil para cada mil pegar um”.(4) E José Rainha Jr., líder dos invasores no Pontal do Paranapanema, completou: a Reforma Agrária virá “com facão”.(5)
O resultado? No primeiro ano do governo Lula as invasões tinham crescido 115% em relação ao último ano da gestão anterior.(6) De janeiro a novembro de 2004 (316 invasões), novo aumento de 51% em relação ao mesmo período em 2003 (209 invasões). Ou seja, houve uma variação de 226% entre 2002 e 2004.(7) Foi assim que 2004 transbordou de invasões de fazendas, proprietários e colonos tomados como reféns e vítimas de violências, depredação das benfeitorias, extermínio do gado, destruição de plantações; houve produtores rurais e grupos econômicos que abando-
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