Caro leitor,
A magnífica festividade do Sagrado Coração de Jesus comemora-se este ano no dia 3 de junho. A ela Catolicismo dedica sua matéria de capa, recordando a conhecida revelação de Nosso Senhor a Santa Margarida Maria Alacoque em Paray-le-Monial, no século XVII. Contudo, seu enfoque principal é ressaltar uma visão harmônica entre misericórdia e justiça, que devem coexistir numa autêntica concepção do Coração divino e na devoção a Ele.
Fala-se hoje muito de misericórdia. Inclusive o Papa Francisco, através da bula Misericordiae Vultus, declarou 2016 o “Ano Santo da Misericórdia”. Cumpre entretanto lembrar que em Deus não há contradição: se de um lado Ele concede aos homens a possibilidade da salvação, perdoa o pecador arrependido e lhe oferece misericordiosamente a felicidade celeste por toda a eternidade, de outro lado a divina misericórdia é sempre associada à justiça, pois Deus é o Ser perfeitíssimo.
Assim sendo, Ele premia a virtude e pune o pecado. Caso o homem cometa pecado grave e permaneça impenitente, o Criador não seria justo se não o castigasse proporcionadamente, inclusive, conforme o caso, com as penas eternas do Inferno.
A alma humana progride na virtude mantendo o equilíbrio entre a confiança na misericórdia e o temor da justiça divina. A Santíssima Virgem proclama em seu sublime cântico do Magnificat: “A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem”.
Há em nossos dias uma acentuada tendência em ressaltar apenas a misericórdia. Invocam-se nesse sentido passagens do Evangelho, mas segundo uma visão unilateral, e portanto adulterada, como em certos comentários sobre a mulher adúltera que seria apedrejada. Nosso Senhor impediu que ela fosse lapidada, mas em seguida lhe disse: “Vai e não peques mais”. Tal recomendação torna patente na atitude de nosso Salvador a harmonia da prática da misericórdia com uma condenação formal do pecado mortal de adultério.
Misericórdia e justiça são assim duas virtudes que se complementam, constituindo apanágio tanto do proceder de Deus quanto do homem virtuoso temente a Ele. Cumpre a propósito lembrar a expressiva frase de Santo Afonso de Ligório “Deus envia mais gente ao inferno por abusar de sua misericórdia, do que por obra de sua justiça”.
Todas essas considerações são de molde a esclarecer nossos caros leitores a respeito de um tema básico para nossa vida espiritual, numa época em que visões obliteradas podem causar graves danos às almas.
Em Jesus e Maria
Paulo Corrêa de Brito Filho
Diretor
Na votação ocorrida na Câmara dos Deputados em 17 de abril último, da qual resultou a aprovação naquela Casa Legislativa do parecer favorável ao impeachment da presidente Dilma, grande número dos parlamentares justificou sua escolha pelo “sim” com base em Deus, na família, nos filhos, netos etc.
Essa escolha religiosa-social chamou a atenção do Brasil inteiro. A maior parte de nossos patrícios ficou agradavelmente surpresa com essas justificativas apresentadas pelos deputados. Aliás, é de notar que, em boa medida, eles assim justificaram seu voto para agradar suas bases eleitorais, uma vez que o Brasil autêntico quer ouvir falar em Deus e nos valores familiares, diferentemente desse Brasil de superfície retratado pelas novelas, pelos conchavos políticos, e por tantas outras coisas que desagradam o Brasil autêntico.
Depois disso veio a votação no Senado com a consequente suspensão das funções da presidente Dilma por 180 dias, até que se consume todo o processo e se pronuncie o impeachment definitivo, o que parece provável acontecer.
O Brasil autêntico recebeu com alívio e com calma esse tão esperado afastamento da presidente. As poucas e insignificantes manifestações de desagrado, produzidas por arruaceiros dos movimentos ditos “sociais”, não impressionaram. A esquerda católica, origem do PT, estrebuchou.
O diário “El País”, de Madrid, viu no impeachment “O crepúsculo dos deuses das esquerdas latino-americanas”.
Impeachment passou a ser a palavra de desafogo do brasileiro comum.
Entretanto, não faltaram os que criticaram acerbamente os deputados pelas justificativas que apresentaram. Deles tratou o jornalista Luiz Felipe Pondé em artigo para a “Folha de S. Paulo” (2-5-16), intitulado “Nojinho de Deus e da família”. Afirma Pondé que, para tais críticos, “o nojinho aqui vai além do blábláblá sobre a ‘qualidade de nossos políticos’. O nojinho é, na verdade, nojinho de Deus, da religião e da família mesmo. Seria fácil identificar em muitos ateus rancorosos (mesmo que digam que não) um ódio de Deus que os faz pensar mais Nele do que os crentes o fazem. [...]
“Claro que em épocas do politicamente correto todo mundo tem que posar de ‘doce relativista’ e esconder que suspeita que essa ‘gente simples’ que crê em pastores, padres e afins seja gente ignorante que não entende nada da realidade. [...]
“E o nojinho da família? Esse é fruto de ideias como ‘família é o lugar da opressão patriarcal’, ‘família é coisa de gente heteronormativa’. Basta alguém dizer que uma mulher é ‘recatada e do lar’ para um exército de chatos e ofendidos protestarem contra a opressão exercida pelas mulheres ‘recatadas e do lar’ sobre todas as outras que não querem ter recato ou um lar”.
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Esses tais que contribuem para que o País oficial (da política, da TV etc.) discrimine e mesmo massacre o País real (dos que creem em Deus, amam a família, defendem a propriedade), provocam as lágrimas de Nossa Senhora.
De que pranto se trata? Nesta proximidade do centenário das aparições da Virgem Santíssima em Fátima, convém lembrar que “o misterioso pranto nos mostra a Virgem de Fátima a chorar sobre o mundo contemporâneo, como outrora Nosso Senhor chorou sobre Jerusalém. Lágrimas de afeto terníssimo, lágrimas de dor profunda, na previsão do castigo que virá” (Plinio Corrêa de Oliveira, “Lágrimas, milagroso aviso”, in Catolicismo, julho/1997).