VIDAS DE SANTOS
São Jerônimo Doutor máximo das Escrituras
Plinio Maria Solimeo
“Nobre, rico, de grande engenho, eloquentíssimo; sapientíssimo nas línguas e ciências humanas e divinas”,1 autor da versão da Bíblia chamada Vulgata, Padre e Doutor da Igreja.
No final do século IV e na primeira metade do século V — época muito conturbada para a Igreja — surgiram simultaneamente na Cristandade grandes luzeiros de santidade e ciência, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Neste, temos Santo Hilário, bispo de Poitiers, Santo Ambrósio, arcebispo de Milão, e a “Águia de Hipona”, o grande Santo Agostinho. Com São Jerônimo formam eles o ilustre grupo dos chamados quatro Padres da Igreja latina.
De São Jerônimo e de Santo Agostinho, seu contemporâneo, temos muitos dados sobre a vida e obra. Porque ambos escreveram muito, e em várias de suas obras nos oferecem dados biográficos. De São Jerônimo abundam principalmente as Cartas, muitas das quais com dados biográficos seus ou das pessoas a quem escreveu, com incontáveis detalhes das circunstâncias históricas e culturais da época. Por isso é muito difícil apresentar neste limitado espaço uma síntese de sua vida e obra. Limitar-nos-emos a dar algumas rápidas pinceladas sobre uma e outra.2
“Grande erudito, trabalhador infatigável”
Resumindo a vida desse grande batalhador da Igreja, diz o Pe. J. Forget, no Dictionnaire de Théologie Catholique: “Jerônimo foi ao mesmo tempo um grande erudito, um trabalhador infatigável, um escritor cheio de talento e de verve, e um santo austero em seus costumes, austero em seus princípios, muito severo e muito duro consigo mesmo antes de o ser com os outros. Mas, como outros santos, impondo-se embora à nossa admiração e recomendando-se à imitação por suas virtudes heroicas, ele guardava em seu caráter e em seu modo de agir, traços visíveis de imperfeição humana. Seu temperamento rude e vigoroso, seu ódio implacável à heterodoxia, que parecia algumas vezes estender-se até aos partidários e às vítimas do erro, e mesmo transbordar aqui e ali sobre os que iam de encontro às suas ideias; sua vivacidade nas discussões, suas palavras e zombarias satíricas, impedirão sempre de propô-lo como um modelo acabado de mansidão cristã, de assimilá-lo a um São Francisco de Sales. Mas ele não deixará de ser, pela extensão e importância de seus trabalhos, e mais ainda, pela orientação crítica que imprimiu ao estudo da Bíblia, o doutor escriturístico grande e ilustre entre todos, e o Doutor máximo das Sagradas Escrituras.3
“Nascido em Stridon, que foi arrasada pelos godos”
Jerônimo (Eusebius Sophronius Hieronymus) nasceu por volta de 340 em Stridon, nos confins da Dalmácia e da Panônia, a sudeste do Danúbio.
Não é possível localizar com precisão sua cidade natal, pois, como ele mesmo escreve, havia sido destruída pelos godos: “Eu, Jerônimo, filho de Eusébio, nascido em Stridon, nos confins da Dalmácia e da Panônia, que foi arrasada pelos godos” escreve ele em sua obra De Viris Ilustribus.4 Alguns supõem que Stridon ficasse em território da atual Croácia ou Eslovênia.
Segundo tudo indica, os pais de Jerônimo eram cristãos abastados, pois lhe proporcionaram uma boa formação acadêmica. Seu pai chamava-se Eusébio, nome que deu ao filho, pois Jerônimo era apenas um sobrenome. Eusébio teve outro filho, chamado Pauliniano, que acompanhará depois o irmão a Belém. Teve também uma filha, cujo nome nós não sabemos, que deu muito trabalho a Jerônimo.
O menino fez seus primeiros estudos em sua própria casa, sob os cuidados do mestre Orbílio, bem cotado em Stridon. Como demonstrou precoces aptidões para o estudo, o pai o enviou a Roma, então capital do mundo civilizado, para cursar os estudos liberais da época: gramática, retórica, filosofia, direito.
Estudos em Roma — Viagem às Gálias
Estudavam com Jerônimo, em Roma, o nobre romano Pamáquio e seu compatriota e irmão de leite Bonoso, de quem ele afirma que era “um jovem educado conosco nos refinados feitos do mundo, com abundância de fortuna e de um nível social não inferior ao de nenhum de seus colegas” (Carta 3, 4, a Rufino, 374).5
Na Cidade Eterna, Jerônimo foi batizado pelo Papa Libério, que governou a Santa Igreja de 352 a 366. Depois de batizado, o santo empreendeu com Bonoso uma viagem de estudos às Gálias (de 367 a 368). Cultivador apaixonado
(continua)
LEGENDA:
Jerônimo foi batizado pelo Papa Libério (acima). Detalhe de um quadro de Bartolomé Esteban Murillo, séc. XVII.