(continuação)

falta sem ter feito disso expiação, confessando o meu pecado e me arrependendo da minha culpa".3

Alegre, jovial, desprendido, gentil, afável, "o Senhor incutia em seu coração um sentimento de piedade que o tornava generoso com os pobres. Este sentimento foi crescendo em seu coração; e impregnou-o de tanta bondade, que ele decidiu, como ouvinte atento que era do Evangelho, ser generoso com quem lhe pedisse esmola, sobretudo a quem pedisse por amor de Deus",4 de modo a doar até parte de seu vestuário, se não tivesse mais dinheiro.

A popularidade granjeada até então por Francisco entre seus conterrâneos se devia mais às suas qualidades morais que às físicas, pois "era pequeno e de aspecto miserável",5 atraindo pouco a atenção daqueles que não o conheciam.

Restaurador da Igreja

Francisco levava essa vida alegre e despreocupada quando as primeiras revelações divinas começaram a chamá-lo para algo mais alto. Rezando um dia na igreja de São Damião, ouviu o Crucificado pedir-lhe que restaurasse Sua casa em ruínas. Tomando as palavras literalmente, empenhou-se na reforma não só desse templo, mas também de dois outros. O Divino Redentor então lhe disse que restaurasse não os edifícios das igrejas, mas a própria Igreja enquanto instituição.

E indicou-lhe como fazê-lo: "Se queres conhecer minha vontade, precisas desprezar todas as coisas que até aqui materialmente amaste e desejaste. Quando tiveres feito isto, ser-te-á agradável tudo quanto te é insuportável e se tornará insuportável tudo quanto desejas".6

Foi então que interveio Pedro Bernardone, pois o filho dava de esmola tudo o que possuía, passando a levar uma vida considerada insensata pelo mundo. Ocorreu nessa época o conhecido episódio em que o pai apela ao bispo para fazer cessar as "extravagâncias" do filho, que se apressa a despojar-se até da própria roupa do corpo para reparar a ganância do pai. Depois disso Francisco se entregou inteiramente ao que chamou a Dama Pobreza, seguindo ao pé da letra os conselhos do Evangelho.

Fundação dos Frades Menores

"Como outro Elias, começou Francisco a anunciar a verdade, no pleno ardor do Espírito de Cristo. Convidou outros a se associarem a ele na busca da perfeita santidade, insistindo para que levassem uma vida de penitência. Começaram alguns a praticar a penitência, e em seguida se associaram a ele, partilhando a mesma vida, usando vestes vis. O humilde Francisco decidiu que eles se chamariam Frades Menores".7

Surgiram assim os primeiros 12 discípulos que, segundo registram os Fioretti, "foram homens de tão grande santidade que, desde os Apóstolos até hoje, não viu o mundo homens tão maravilhosos e santos".8 "Aqueles que vinham abraçar esta vida distribuíam aos pobres tudo o que tinham. Contentavam-se só com uma túnica, uma corda e um par de calções, e não queriam mais", dirá mais tarde Francisco em seu Testamento.9

Os novos apóstolos se reuniram em torno da pequena igreja da Porciúncula, ou Santa Maria dos Anjos, que passou a ser o berço da Ordem.

O santo sustenta a Igreja Católica

Para obter a aprovação de sua incipiente Ordem, Francisco se dirigiu a Roma. E o Senhor estava com ele, pois, pouco antes de chegar, como a preparar-lhe o terreno, "o Pontífice Romano viu em sonho a basílica de Latrão, prestes a ruir; mas um pobrezinho, homem pequeno e de aspecto miserável, sustentava-a com seus ombros, impedindo que ruísse".10 Quando o Poverello de Assis se apresentou ao Sumo Pontífice, este o reconheceu, abraçou-o, e disse, a ele e a seus companheiros: "Irmãos, ide com Deus e pregai a penitência, segundo vos será inspirada. Quando tiverdes crescido em número e o Senhor aumentado suas graças a vosso favor, tornai a nós, que vos concederemos o que desejardes e ainda mais".11

Munidos dessa aprovação pontifícia, os novos religiosos saíram para pregar, percorrendo em duplas as cidades da região e mostrando aos seus habitantes, pela palavra e pelo exemplo, o caminho da salvação.

Espírito e força de Elias

Certa noite os frades viram entrar e dar três voltas em seu aposento um carro de fogo de maravilhoso esplendor, com um globo brilhante parecido com o sol. Eles compreenderam que por aquela figura Deus quisera lhes mostrar "que seu pai Francisco viera 'no espírito e na força de Elias'. Desde então [Francisco] penetrava os segredos de seus corações, predizia o futuro e realizava milagres. Estava patente para todos que o espírito de Elias, duas vezes mais poderoso, viera habitar nele com tal plenitude, que o mais seguro para todos era seguir sua vida e seus ensinamentos".12

Francisco manifestava seu amor a Deus através de uma alegria imensa, expressa muitas vezes em cânticos ardorosos. Aos que lhe perguntavam a razão de tal alegria, respondia que "derivava da pureza do coração e da constância na oração".

Essa divina loucura da cruz que arrebatou Francisco e lhe granjeou muitos discípulos deveria atrair também a jovem Clara, de 17 anos, filha do Conde de Sasso Rosso. Desde o momento em que o ouviu pregar, Clara compreendeu que a vida indicada pelo Santo era a que Deus queria para ela. Francisco se tornou guia e pai espiritual de sua alma.

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Legendas:

- São Francisco entrega suas roupas ao pai (Benozzo Gozzoli, séc. XIV. Capela na igreja franciscana de Montefalco, Perúgia - Itália). Quadro do conhecido episódio em que o pai de Francisco apela ao bispo para fazer cessar as "extravagâncias" do filho, que se apressa a despojar-se até da própria roupa do corpo para reparar a ganância do pai.

- Sonho do Papa Inocêncio III, no qual se vê São Francisco sustentando a Igreja (Benozzo Gozzoli, séc. XIV. Capela na igreja franciscana de Montefalco, Perúgia - Itália).