Juan Antonio Montes Varas
O relógio marcava 12 horas, naquela manhã do dia 11 de setembro de 1973, quando aviões Hawker Hunter da Força Aérea do Chile começaram a bombardear o Palácio de La Moneda. Nele estava entrincheirado o então presidente socialista Salvador Allende. Após uma resistência rápida e inútil, seus derradeiros adeptos deixaram a sala onde se encontravam. O último deles, Arturo Jirón, médico pessoal de Allende, ao ouvir o disparo de uma metralhadora, voltou ao local e constatou que o presidente se suicidara com sua própria arma.
Assim, há exatos 45 anos, terminou uma trágica história, iniciada mil dias antes com a posse do primeiro presidente marxista eleito democraticamente. O que aconteceu naqueles mil dias fatídicos, para terminar assim? Como pôde um presidente ateu, maçom e marxista ser eleito em um país de maioria católica?
Atribui-se ao filósofo grego Epicteto a máxima segundo a qual nada de grande se faz subitamente. É necessário, portanto, voltarmos no tempo, para entender esse episódio e conhecer as causas que provocaram essa triste consequência.
Allende foi eleito no dia 4 de setembro de 1970, e assumiu o cargo dois meses depois. Sua eleição resultou do abandono pelas principais autoridades eclesiásticas — em consonância com o Partido Democrata Cristão, inspirado por elas — do seu dever de guias dos fiéis católicos. De fato, em um país com 80,9% de católicos, como era então o Chile, teria sido impossível a eleição de um candidato marxista e maçom sem o consentimento e o concurso das autoridades eclesiásticas.
Bem entendido, a ação dessas autoridades não poderia ser abertamente política, pois ficariam desacreditadas diante dos fiéis. Seu modus operandi se deu através do Partido Democrata Cristão — formado "sob as asas da Igreja", segundo a expressão do cardeal Silva Henríquez —, que se lançou na promoção de reformas de estrutura socialistas, as quais, por sua vez, abriram o caminho para a subsequente ascensão do candidato marxista.
Até mais ou menos o fim da década de 50, a Hierarquia católica chilena apoiava o Partido Conservador, o único confessionalmente católico, que condenava o socialismo e o comunismo de acordo com os ensinamentos universais do Magistério Pontifício. A partir da década de 60, como resultado direto das mudanças introduzidas pelo Concílio Vaticano II e de sua recusa em condenar o comunismo, a orientação do Episcopado chileno mudou diametralmente. Primeiro abandonou os conservadores — que em matéria legislativa geralmente propugnavam leis conformes à doutrina social da Igreja — e em seguida apoiou um pequeno grupo de católicos de esquerda, reunidos sob o nome de Falange Nacional sob a direção do jovem advogado Eduardo Frei Montalva. Apoio tão decisivo e eficaz, que o pequeno grupo da Falange, convertido pouco depois no Partido Democrata Cristão (DC), conseguiu galgar o Poder supremo em 1964, na pessoa de seu líder Eduardo Frei. Este não teve dúvida em atribuir sua vitória às mudanças ocorridas no interior da Igreja Católica.
Além de facilitar a ascensão dos democratas-cristãos, o Episcopado — sob a liderança do Arcebispo de Santiago, cardeal Raúl Silva Henríquez, e do bispo de Talca e presidente do CELAM, Dom Manuel Larraín — encorajou a implantação de uma reforma agrária socialista profundamente confiscatória. Antes mesmo de essa reforma ser transformada em lei pela DC, o que ocorreu em julho de 1967, os bispos acima mencionados entregaram ao governo, para que fossem passadas aos trabalhadores, propriedades agrícolas recebidas de fiéis ao longo das décadas. O gesto continha uma mensagem clara: os católicos proprietários de terras deveriam seguir o exemplo de seus pastores e entregar pacificamente suas propriedades aos trabalhadores.
Tal mensagem constituía uma pressão indevida sobre as consciências de inúmeros agricultores, dado o enorme prestígio moral de que gozavam então as autoridades eclesiásticas. Os católicos que se recusassem a isso, por suspeitarem da equanimidade de seus pastores, seriam ipso facto considerados rebeldes à autoridade da Igreja. Por esta razão, a atitude dos bispos era o melhor apoio de que dispunha o governo da Democracia Cristã para apresentar e aprovar seu projeto de reforma agrária, como sendo inspirado na doutrina social da Igreja.
A situação parecia sem saída, pois os proprietários não tinham suficiente formação católica para entrar em polêmica sobre a legitimidade dessas exigências episcopais e sobre a fundamentação legal dos seus próprios direitos. Tanto as alegações de seus representantes, quanto as da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) e de outras associações rurais, se limitavam a argumentos técnicos sobre o rendimento das suas terras e sobre a necessidade de incrementar políticas de crédito para melhor desempenho dos seus trabalhos.
LEGENDAS:
- Fidel Castro e seu "camarada" Salvador Allende na sacada do Palácio de La Moneda, em Santiago do Chile.
- Momento do início do bombardeio contra o palácio de governo, no dia da derrocada de Allende pelas Forças Armadas do Chile.