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Entrevista...

A FUNAI, por meio de sua Procuradoria que pertence à AGU, tem entrado no polo ativo contra os indígenas. Ela deixa assim de os defender, ao contrário do que é sua obrigação.

(continuação)

sexo, raça, cor. Porém, mais adiante afirma que isso não pode ocorrer em terras indígenas para a exploração de recursos minerais, nos quais os brasileiros deverão ser incentivados pelo Estado, e nesse processo as cooperativas terão prioridade. A incongruência é que isso vale para todos, exceto para os índios! Mas os índios são tão brasileiros como os demais, e conheço alguns que já estão formados em cooperativas de extração mineral.

Catolicismo — Por que está acontecendo isso?

Dr. Ubiratan — Porque os índios querem explorar seus recursos minerais a fim de conseguir divisas; para eles e também para o País, por meio de impostos. A Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) goza do status de norma constitucional dentro de nosso ordenamento jurídico. Um dos seus artigos trata da exploração de recursos minerais, e define que se eles pertencem ao Estado, este deve sempre dar prioridade ao desejo dos índios. Este arcabouço jurídico fundamenta que os índios não apenas podem, mas devem explorar os seus recursos minerais. Contudo, o artigo 231 da nossa Constituição diz no seu parágrafo 7º que “não”, enquanto em outros afirmam que “sim”. Como resolveremos isso?

Catolicismo — O STF já enfrentou este assunto?

Dr. Ubiratan Até agora o STF não entrou especificamente nisso, mas terá de chegar lá um dia. Outra saída seria o Executivo regulamentar este ponto de forma objetiva. Com efeito, o artigo 231 da Constituição está em via de ser regulamentado na Casa Civil, mas uma pessoa da FUNAI lá dentro se opõe. Como contornar ou enfrentar isso? É de interesse dos índios, e eles já estão organizados no sentido de explorar seus recursos minerais. Esta é uma iniciativa muito boa, desejável para todo o País. A grande dificuldade é nossa Constituição esquizofrênica em relação a este ponto, mas há maneiras de resolver essa esquizofrenia constitucional.

Catolicismo — Existe algum projeto de lei nesse sentido, ou alguma regulamentação do Executivo?

Dr. Ubiratan Há projetos de lei no Legislativo, e também regulamentações em curso no Executivo, que podem ser encontradas na Casa Civil.

Catolicismo — Depois da iniciativa pioneira e bem-sucedida dos índios de Chapecó e Ipuaçu, em Santa Catarina, a FUNAI lhes impôs um processo judicial. Como se encontra esse processo?

Dr. Ubiratan O Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública, em seguida a FUNAI entrou contra os indígenas, porque eles estavam produzindo. Para advogar contra nós nesse processo, a FUNAI se utiliza de sua Procuradoria federal especializada, vinculada à Advocacia Geral da União. Em primeira instância nós fomos condenados parcialmente. O MPF e a AGU não se conformaram com a condenação parcial, e apelaram. Nós também apelamos ao TRF da 4ª Região, pois consideramos a condenação injusta, ainda que parcial. Os desembargadores julgaram e mantiveram a condenação de primeira instância. Entramos com os embargos contra essa decisão do colegiado do TRF, e sobre eles também foi mantida a decisão de primeira instância. Recorremos ao Superior Tribunal de Justiça, com base na existência de violação de lei federal — como a 6.001, ao Código Civil, à Convenção 169 — pois o STJ, segundo a nossa Constituição, julga igualmente violação de tratados. Com base em todo este arcabouço que fundamentou os nossos recursos, uma desembargadora entendeu procedente o nosso pedido, afastando os argumentos do MPF e da AGU. A questão está sub judice, pois há nela elementos de consistência, admitindo recurso especial. Haverá um embate entre os índios e o Estado brasileiro, pois os indígenas querem produzir em suas terras.

Catolicismo — Já foi indicado um relator?

Dr. UbiratanO TRF ainda não procedeu à remessa ao STJ, portanto ainda não há relator. Está sub judice, mas estamos diante de um imbróglio judicial muito interessante, pois deverá ser definida esta questão de uma vez por todas. O Estado brasileiro irá ou não permitir o desenvolvimento dos índios brasileiros?

Catolicismo — Como funciona a propriedade dentro das comunidades indígenas?

Dr. Ubiratan — Este é um assunto muito interessante. Vou ilustrar com um exemplo. Um indígena toca uma lavoura de 30 hectares, outro toca 80 hectares. Suponhamos que a esposa deste último adoeça gravemente, precisa ser submetida a uma cirurgia que custará R$100.000,00. O indígena que possui a lavoura menor, tendo dinheiro, se dispõe a comprar a terra do outro. Caso a proposta seja aceita, o negócio é fechado. E a comunidade não só reconhece esta operação, como existem também entre os indígenas recibos com todos os valores discriminados, e esses recibos são assinados. Esse sistema já é adotado especialmente entre os caingangues, em Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Catolicismo — E a FUNAI reconhece isso?

Dr. Ubiratan — Não, a FUNAI não reconhece. Quando a FUNAI fica sabendo, muitas vezes tenta impedir, mas entre os indígenas isso já existe.

Catolicismo — Uma pessoa de fora pode comprar?

Dr. Ubiratan Ainda não, mas isso já é um bom início. Afinal, a propriedade privada obedece à ordem natural das coisas.

Catolicismo — Ou os índios terão de voltar para a idade da pedra?

Dr. Ubiratan Isso é o que de fato está sub judice. Pode ser que o STJ reconheça aos índios e ao Brasil o nosso direito de nos desenvolvermos. Mas se a decisão for contrária, eu e o meu pessoal entraremos com um recurso extraordinário no STF. Perdemos nas duas primeiras instâncias, mas fomos vitoriosos quando o recurso subiu até Brasília. Vamos colocar nas mãos de Nossa Senhora Aparecida, Rainha do Brasil, para que Ela ilumine as mentes dos juízes.

Catolicismo — O senhor gostaria de fazer uma consideração final?

Dr. Ubiratan Digo que os índios podem e querem mais. Queremos ser capitalistas, queremos ter ações nas bolsas de valores, temos potencial para isso. Queira Deus que o próximo presidente olhe para essa questão com carinho. Propriedade coletiva não funciona em nenhum lugar do mundo. Ela pode conseguir alguma coisa durante poucos anos, mas como seres humanos somos portadores de necessidades e interesses muito variados, e o que é coletivo não nos satisfaz.

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