P.32-33
Tragada foi...

(continuação)

do que os costumes imponham um prazo determinado e determinada forma de luto para os viúvos, pais, filhos e demais parentes? Não seria muito mais expressivo deixar a duração do luto confiada ao sentimento de cada um? O consenso geral julgou de outro modo, nos séculos de civilização cristã, e com razão. Pois, se vivemos em sociedade, devemos satisfação de nossos atos ao próximo, e é justo manifestarmos a todos o pesar que legitimamente sentimos pela sua morte. Se não manifestamos este pesar, deixamos transparecer uma indiferença que redunda em desdouro para nós ou para o morto.

Por um tácito e geral consenso, é bom que se fixe para o luto um prazo mínimo. Terá sempre algo de arbitrário, mas deve ser de tal modo que, decorrido este prazo, ninguém tenha o receio de o deixar sem faltar com a decência. Claro está que os costumes impunham um prazo mínimo, mas não censuravam quem quisesse levar o luto além desse prazo. De qualquer forma, a compostura que o cristão deve guardar em todo o seu procedimento estava ressalvada.

Segundo nossos costumes tradicionais, os funerais não se revestiam apenas de sinais de dor, mas também de pompa. O mais pobre dos enterros tinha sempre algo de grandioso, até em sua própria singeleza. Nada mais razoável, pois muito vale um homem, por menos que ele seja na escala social. Criatura de Deus — mais ainda, filho de Deus pelo Batismo — ele foi criado para a glória imortal. Justo é que esta fundamental dignidade do homem, encoberta tantas vezes pelas vicissitudes da vida, seja ressaltada no momento da morte, isto é, no momento em que todos, grandes e pequenos, perdem tudo quanto possuem, e ficam reduzidos à mera condição essencial e inalienável de homens e de filhos da Igreja.

Sendo a morte um castigo de Deus, participa de algum modo da majestade do próprio Deus, está posta nos umbrais da eternidade. Esses umbrais são tão imensos, que à vista deles fica reduzido a pó tudo quanto é grandeza humana. Há algo de mais majestoso do que a morte? E algo de mais digno de ser assinalado com pompa?

Manifestar dor, mas com resignação e esperança

No século XIX, todo impregnado de romantismo, parecia haver algum comprazimento na dor. Por isto, sem grande dificuldade mantinham-se os costumes cristãos referentes à morte e aos funerais. Em muitos sentidos, até se exagerava. Na literatura, na música, na arte, no modo de viver do século XIX, a dor se exprimiu muitas vezes com uma nota de tragédia lancinante, desespero, revolta, que destoa do ensinamento da Igreja. A Igreja aprovou sempre que se chorasse a morte, mas como separação temporária que terminaria por um feliz reencontro na bem-aventurança eterna. Era uma dor sentida, sim, mas cheia de esperança, consolação, resignação, pois uma coisa é uma separação temporária, outra uma separação definitiva. No século XIX, um século sem Fé, viam-se as sombras da morte, mas não se queria ver para além dessas sombras os clarões da ressurreição e do Céu. Daí a nota de tragédia e desespero em matéria funerária, tão frequente então.

Ninguém consegue fitar detidamente a morte, quando não tem Fé. Foi o que sucedeu aos homens. Perdida no século XIX a Fé, no século XX

Página seguinte

Cortejo fúnebre no interior da Inglaterra, no início do século XX.

Monumento funerário em cemitério dos Estados Unidos.