Renard Matthews, assassinado em Nova Orleans com a idade de 18 anos. No seu funeral, a família decidiu sentá-lo numa cadeira, fazendo o que mais gostava: tendo nas mãos um controle de videogame e “assistindo” na TV um jogo de seu time favorito de basquete.
(continuação)
começaram a desviar a face da morte. Daí uma tendência a restringir a solenidade, afastando-a de tudo quanto diga respeito à morte.
Outrora os cadáveres eram velados em casa por 24 horas; hoje por vezes não se completam doze. Outrora revestia-se de panos negros toda a sala em que o cadáver ficava exposto; hoje este costume tende a desaparecer, e muitas famílias preferem até não fazer em casa a exposição do corpo. Outrora a dor tinha toda a liberdade de se manifestar na câmara ardente, dentro dos limites da dignidade e da compostura; hoje é de bom gosto sufocar em público, tanto quanto possível, a manifestação dos sentimentos, e tranca-se no quarto os que desejam chorar. Outrora enviavam-se flores, costume que chegou até certo exagero; hoje tende-se a abolir este modo de testemunhar saudades. Outrora ia-se ao enterro em traje de solenidade, que para os homens era o fraque; hoje serve qualquer traje comum. Outrora os carros funerários eram puxados a cavalo, costume que se conservou por muitos anos depois da introdução da automóvel na vida civil; mais tarde o uso do automóvel tornou-se exclusivo, e a forma deste foi evoluindo até tomar o aspecto de um caminhão de entrega de mercadoria. Outrora o luto era longo e muito visível; hoje é rápido e reduzido.
O ponto extremo desta transformação foi atingido num país em que — pelo menos em algumas regiões — os cadáveres são pintados como se estivessem vivos, enfeitados como para uma festa, e sentados em atitude normal no living da casa. Reúnem-se os amigos, alguém executa algumas músicas suaves, depois vão todos a um lindo jardim que serve de cemitério. O morto, envolto num pano de cor verde, alacremente verde, baixa à cova... quando não é cremado. E está terminado o funeral. De luto, nem se fale.
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Por que fizemos esta longa digressão sobre a morte? Porque, em certo sentido, o que há de mais importante na vida é a morte. Enquanto os homens não tiverem uma atitude reta, equilibrada e cristã perante a morte, não serão capazes de ter uma atitude reta, cristã e equilibrada perante a vida.
Plinio Corrêa de Oliveira
(Catolicismo nº 11, novembro/1951)
Estas fotos ilustram bem as considerações sobre os funerais e o luto. Uma, obra de Jean Fouquet, representa os funerais de Étienne Chevalier no século XV. A outra é uma fotografia de um carro para transporte funerário.
Na cena medieval, o transporte fúnebre é feito à mão, por personagens que caminham com fisionomia compungida e passo cadenciado. O aspecto de conjunto do cortejo é grave e solene, exprimindo adequadamente a terrível majestade da morte.
Costumes sociais assim concebidos manifestam bem que o homem tomava, perante a morte, uma atitude de cristão. Não fugia dela espavorido, nem procurava disfarçar sob aparências anódinas o que ela tem de terrível, pois o filho da Igreja crê na Redenção e na Ressurreição.
Os funerais hodiernos são bem diversos. Cada vez mais, tendem a dar à morte o caráter de acidente sem importância, além de apagar da existência cotidiana tudo quanto lembre o que na morte há de terrível. Por singular (ou proposital) coincidência, as atuais condições técnicas da vida favorecem este pendor. Em geral, nos artistas e técnicos não se notam esforços para, na medida do possível, evitar o grave inconveniente de não sermos lembrados desses aspectos terríveis. Os sepultamentos se tornam algo muito parecido com “entregar uma mercadoria”. E seria difícil imaginar algo mais parecido com um carro de entregar mercadoria do que este auto funerário. Seria só apagar a cruz, tirar a cortina, e estaria tudo feito.