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| O momento sublime da Anunciação... | (continuação)

dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim. Maria perguntou ao anjo: Como se fará isso, pois não conheço varão? Respondeu-lhe o anjo: O Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. E por isso o santo que há de nascer de ti será chamado Filho de Deus. Também Isabel, tua parenta, até ela concebeu um filho na sua velhice; e já está no sexto mês aquela que é tida por estéril, porque a Deus nenhuma coisa é impossível. Então disse Maria: Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra. E o anjo afastou-se d´Ela”. (Lc 1, 31-38).

Pode-se imaginar a majestade dessa proclamação. Primeiro quando o anjo pronuncia o nome de Jesus, depois quando disse que Ele “será grande e será chamado filho do Altíssimo”. Tudo isso é de tal grandeza, que é superior a qualquer cogitação. “E o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi”.

Quer dizer, era a dinastia deposta, decaída, São José carpinteiro, entretanto pertencia à casa do Rei Davi. E o filho de Maria Santíssima vai ter o trono de Davi. Ela sabia bem que esse trono era um símbolo da realeza espiritual de Nosso Senhor. “E reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim”. Tudo isso era dito por um anjo, e a grande conhecedora dos anjos ia apreciando a mensagem.

“Maria perguntou ao anjo: Como se fará isso, pois não conheço varão?”. Não é uma objeção, é uma pergunta: como será isto, se eu tenho voto de virgindade?

A Santíssima Virgem disse: “Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Nesse momento Ela concebeu por obra do Espírito Santo, e o Verbo de Deus se fez carne. O homem-Deus começou a viver n’Ela, lúcido inteiramente desde o primeiro instante do ser, e Ela começou a adorá-lo.

A Virgem Santíssima enquanto “arquiteta” do Menino Jesus

O sentido desses comentários é fazer-nos tomar o gosto pela beleza da cena e compreendermos melhor aquele momento sublime. Assim, melhor adoraremos a Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, e melhor praticaremos o culto de hiperdulia venerando Nossa Senhora. Compreendendo melhor a excelsa cena, percebendo o contato alma-a-alma de Nossa Senhora com o anjo da Anunciação, compreendemos de modo mais perfeito o contato alma-a-alma d’Ela com Nosso Senhor no claustro materno. Nisso, “Hic taceat omnis lingua” (toda língua aqui emudeça), procedemos como o Arcanjo São Gabriel, afastamo-nos também diante do mistério.

Nossa Senhora, concebida sem pecado original, conhecia tudo o que se passava nela. Num fenômeno misteriosíssimo e muito complexo da geração, cada vez que o corpo dela fornecia elementos para o corpo sacratíssimo de Nosso Senhor Jesus Cristo se constituir, Ela assim o desejava.

Na concessão de cada elemento para a formação do corpo d’Ele havia um aspecto simbólico, além do aspecto fisiológico. Concedendo o contributo materno para se formarem os divinos olhos do filho, por exemplo, a Santa Mãe de Deus previa tudo que o divino olhar do filho faria de bem até o fim dos tempos: o olhar que depois converteu São Pedro; o olhar de censura a Judas; o olhar que dirigiu a Ela pela última vez do alto da cruz. Diante desse olhar, todos os olhares são pobres.

O convívio de alma d’Ela com a alma humana do filho, hipostaticamente unido à Santíssima Trindade, é algo tão sublime que é inimaginável. 

Ecce Ancilla – Cornelis van Cleve, séc. XVI. Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa / Foto: Paulo Campos.

A Santa Mãe de Deus previa tudo que o divino olhar do filho faria de bem até o fim dos tempos.


DISCERNINDO

Perigosas seduções do tribalismo moderno

Paulo Henrique Américo de Araújo

Em junho de 2018, a revista “Isto É” publicou reportagem com o sugestivo título “A Busca da Utopia”.1 Revela o crescimento de certas comunidades que vivem no velho estilo hippie, mas com notas atualizadas: “sintonia” com a natureza, agricultura sustentável e — não poderia faltar — “espiritualidade” entendida no sentido de meditação transcendental, yoga e budismo.

Esse tipo de movimento passou por altos e baixos ao longo das últimas décadas. Plinio Corrêa de Oliveira, em sua obra magna Revolução e Contra-Revolução, já havia vislumbrado seus passos, mais de 40 anos atrás. Vejamos o que há de novo, e também de velho, nas suas versões atuais.

A reportagem descreve, como primeiro exemplo, a vida na comunidade Olhos d’Água, em Mogi das Cruzes (SP), onde se promove “um projeto experimental de permacultura, sistema de ocupação humana sustentável que une práticas tradicionais e conhecimentos avançados em agricultura [...]. O clima é de paz e amor, no melhor estilo hippie, com crianças brincando livremente e aprendendo ao ar livre”.

Os organizadores dessa comunidade não estão sozinhos. Existem hoje no País cerca de 300 outros agrupamentos similares na Chapada dos Veadeiros (Goiás) e no sul da Bahia. Seus membros se referem a esses locais como “ecovilas”, ou “comunidades intencionais”, que têm por finalidade a ocupação do solo de maneira sustentável e a produção de alimentos orgânicos.

Não há dúvida de que a tônica nessas “vilas” encontra-se no ecologismo e na vida nos moldes tribais: “Estamos em busca de novas formas de viver e de se conectar com a sociedade”, afirma Tomáz Ahau, 50 anos, fundador e coordenador de projetos da Casa dos Hólons, que funciona na zona sul de São Paulo. E o artigo continua: “Um número crescente de jovens brasileiros está fazendo a transição das áreas urbanas para o campo, em busca de uma existência mais simples, com menos impacto ambiental, e de elevação espiritual”.

A reportagem deixa claro que essas “comunidades alternativas existem desde o século passado, com finalidades espirituais, sexuais e produtivas”. Um ideal muito próximo das correntes tribalistas estudadas na obra Revolução e Contra-Revolução; onde o autor, ao tratar da IV Revolução, se perguntava como seria a passagem da ditatura do proletariado — com a derrocada do Estado comunista hipertrofiado — para um estado de coisas cientificista e cooperativista: “É impossível não perguntar se a sociedade tribal sonhada

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