|CAPA| (continuação)
Plinio Corrêa de Oliveira
Transcrito da “Folha de S. Paulo”, 7 de maio de 1969
Informa a revista madrilena Ecclesia que, para os doutrinadores e historiadores do movimento “profético”, desde o século IV até nossos dias a Igreja Católica esteve transviada. A esses 16 séculos de desvios chamam de “era constantiniana”, por ter sido inaugurada quando o imperador Constantino tirou a Igreja das catacumbas, reconheceu-lhe existência legal, elevou-a à condição de Igreja oficial do Império e a dotou de palácios e tesouros destinados ao culto e à caridade.
Assim favorecida pelo primeiro imperador cristão, a Igreja se teria tornado dominadora e insolente: instituiu-se como mestra infalível da Fé e da moral, ergueu catedrais imponentíssimas para celebrar sua glória, plasmou a seu talante uma cultura e uma civilização, e cobriu o orbe de universidades, colégios e obras de caridade incumbidos de incutir sua doutrina em todo o gênero humano. A imensa influência que a Igreja assim adquiriu nos pôs em mãos de uma Hierarquia dominadora, do alto da qual os Romanos Pontífices têm governado espiritualmente, a seu bel-prazer, ao longo de 16 séculos, os mais ilustres povos. É o que os “grupos proféticos” chamam de igreja “triunfalista”, “paternalista” (em sentido pejorativo, isto é, autoritária) e alienante.
Lutero e Calvino, como se sabe, lançavam contra a Igreja calúnias deste gênero. Mas, como veremos, o programa demolidor dos dois “reformistas” não foi tão ousado como o dos “grupos proféticos”.
O mais virulento da crítica dos “grupos proféticos” à Igreja, que eles chamam “constantiniana”, está contido no termo “alienante”. Não insinua ele a ideia de alienação mental, trata-se de vocábulo emprestado do marxismo. Alienante é quem domina outrem, alienado é quem se deixa dominar. Alienação é uma relação em que há um explorador e um explorado. Explorador é quem manda, explorado é quem obedece.
Como se vê, segundo esta concepção, toda autoridade importa em uma alienação, em uma exploração. O mesmo se aplica a toda superioridade, pois onde há superior e inferior nasce a influência ou a autoridade do superior sobre o inferior. Acabar com todas as explorações alienantes é derrubar todas as autoridades e estabelecer entre os homens a mais rigorosa igualdade. Quando os “grupos proféticos” falam em alienação e desalienação, é claro que assim entendem essas palavras. E isso se vê pelas modificações que querem introduzir na Igreja “constantiniana”, com o fito de que desta surja uma igreja-nova, modelada de todo em todo ao que pretendem ser o espírito igualitário de nossa época:
1 — Nosso conceito de um Deus pessoal, transcendente e infinitamente superior às criaturas, aliena os homens. É preciso substituí-lo pela ideia de um Deus impessoal, imanente, isto é, como que esparso e diluído em todos os seres. Um Deus que não é extrínseco nem superior às criaturas, e por isto não é alienante.
2 — Todas as narrações sacras que nos falam de um Deus “à constantiniana” precisam ser rejeitadas. São velhos mitos que o homem de hoje não aceita mais. A igreja-nova será sem mitos — isto é, desmitizada — pois estes mitos alienavam o homem a um Deus transcendente e superior.
3 — Também era alienante a concepção “constantiniana” de uma esfera religiosa sobrenatural e sacral, superior à esfera natural, temporal e terrena. A igreja-nova, integrada na esfera terrena, procura remediar a situação do homem pela ciência, pela técnica e pelo progresso. A igreja-nova está engajada por inteiro no principal interesse terreno da humanidade, que é a eliminação das explorações entre os homens, pela abolição das desigualdades econômicas e sociais, todas elas alienantes.
4 — A igreja-nova não se reputa mais mestra. Esta atitude é oposta à dignidade do povo evoluído de hoje, em que cada homem pensa por sua cabeça. Assim, cada homem pode ter uma fé e uma moral modeladas essencialmente por sua consciência. E a igreja-nova, superecumênica, o que pede de seus fiéis é só que lutem para desalienar os explorados e oprimidos.
5 — A igreja-nova não quer, pois, mais clérigos que sejam “sacrais”, isto é, que vivam só para a Religião; e por seus hábitos, atitudes e trajes peculiares se distingam do comum dos homens. Isto seria alienante. A igreja-nova, dessacralizada, quer padres que sejam, vivam e se tratem como qualquer leigo.
6 — A igreja-nova não aceita mais a organização alienante pela qual o poder espiritual está todo nas mãos do Papa, dos Bispos e do clero. É necessário constituir uma câmara de leigos eletiva, que faça sentir à Hierarquia a vontade do povo, e por sua influência leve a Hierarquia a governar como o povo quer. A igreja-nova é democrática, na qual bispos e párocos sejam elegíveis pelos fiéis.
7 — A igreja-nova não quer universidades, nem colégios, nem obras sociais; a não ser sob a condição de que estas não tenham fins de apostolado, pois fazer apostolado é ensinar, e ensinar é tratar o próximo como discípulo, isto é, aliená-lo.
Como é fácil ver, o que o movimento “profético” quer é uma igreja panteísta ou ateia. Algo que seja o oposto da Igreja Católica autêntica, e que se pareça muito com o comunismo.
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