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DESTAQUE

O dom da adoção filial

A fé cristã, única religião verdadeira e desejada por Deus

Dom Athanasius Schneider

Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Maria Santíssima em Astana (Cazaquistão).

Santo Atanásio afirma que, como seres criados, os homens podem se tornar filhos de Deus exclusivamente através da fé e do batismo, recebendo o Espírito do verdadeiro e natural Filho de Deus.

A verdade da filiação divina em Cristo, que é intrinsecamente sobrenatural, é a síntese de toda a revelação divina. A filiação divina é sempre um dom gratuito da graça, o dom mais sublime de Deus para a humanidade. No entanto esse dom é obtido somente através da fé pessoal em Cristo e da recepção do batismo, como o próprio Senhor ensinou: “Em verdade, em verdade vos digo: se alguém não nasce da água e do espírito, não pode entrar no Reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do espírito é espírito. Não vos surpreendais por eu ter dito que deveis nascer de novo” (João 3, 5-7).

Nas décadas passadas, ouviam-se muitas vezes, mesmo da boca de alguns representantes da hierarquia da Igreja, declarações sobre a teoria dos “cristãos anônimos”. Essa teoria diz o seguinte: a missão da Igreja no mundo consistiria, em última análise, em suscitar em cada homem a consciência de que deve ter a sua salvação em Cristo, e portanto em sua filiação divina, posto que, de acordo com a mesma teoria, cada ser humano já teria a filiação divina na profundidade de sua pessoa. Contudo, tal teoria contradiz diretamente a revelação divina tal como Cristo a ensinou e como seus apóstolos e a Igreja sempre a transmitiram por dois mil anos, de forma imutável e sem sombra de dúvida.

Em seu ensaio Die Kirche aus Juden und Heiden (A Igreja proveniente dos judeus e gentios), o conhecido convertido e exegeta Erik Peterson alertou em 1933 contra o perigo de tal teoria, afirmando que não se pode reduzir o ser cristão (Christsein) à ordem natural, na qual os frutos da redenção operada por Jesus Cristo seriam geralmente atribuídos a cada ser humano como uma espécie de herança, simplesmente porque compartilham a natureza humana com o Verbo Encarnado. Pelo contrário, a filiação divina não é um resultado automático, garantido pelo fato de pertencer à espécie humana.

Santo Atanásio (cf. Discurso contra os Arianos [Oratio contra Arianos], II, 59) nos deixou uma explicação simples e ao mesmo tempo precisa da diferença entre o estado natural dos homens como criaturas de Deus e a glória de serem filhos de Deus em Cristo. Desenvolve seu pensamento a partir das palavras do Evangelho de São João, que diz: “Ele deu poder para se tornarem filhos de Deus àqueles que creem em seu nome, que foram gerados não pelo sangue, nem pela vontade da carne, nem pelo desejo do homem, mas por Deus” (João 1, 12-13).

São João usa a expressão “foram gerados” para dizer que o homem se torna o filho de Deus não por natureza, mas por adoção. Este fato mostra o amor de Deus, pois quem é o Criador também se torna pai. Isso acontece, como diz o Apóstolo, quando os homens recebem em seus corações o Espírito do Filho encarnado que chora neles, “Abba, Pai!”. Santo Atanásio continua sua reflexão dizendo que, como seres criados, os homens podem se tornar filhos de Deus exclusivamente através da fé e do batismo, recebendo o Espírito do verdadeiro e natural Filho de Deus. Precisamente por essa razão, o Verbo se fez carne para tornar os homens capazes de adoção filial e participação na natureza divina. Portanto, estritamente falando, por natureza Deus não é o Pai dos seres humanos. Somente aquele que conscientemente aceita Cristo e é batizado será capaz de bradar em verdade: “Abba, Pai!” (Rom. 8, 15; Gal. 4, 6).

Desde o início da Igreja isso era afirmado, como testifica Tertuliano: “Os homens se tornam cristãos, não nascem cristãos” (Apol. 18, 5). E São Cipriano de Cartago formulou a mesma verdade, dizendo: “Não pode ter Deus como Pai quem não tem a Igreja como Mãe” (De Unit., 6).

A tarefa mais urgente da Igreja em nossos dias consiste em nos ocuparmos com a mudança do clima espiritual e do clima de migração espiritual. Do clima de não-fé em Jesus Cristo, e de rejeição à realeza de Cristo, se deve produzir uma mudança para um clima de fé explícita em Jesus Cristo e aceitação de Sua realeza. Os homens devem migrar da miséria do cativeiro espiritual da não-fé para a felicidade de serem filhos de Deus; e da vida em pecado, migrar para o estado da graça santificante. Estes são os migrantes com os quais devemos lidar urgentemente.

O cristianismo é a única religião desejada por Deus, portanto nunca pode ser colocado de maneira complementar junto com outras religiões. Violaria a verdade da Revelação Divina quem apoiasse a tese de que Deus desejaria a diversidade das religiões, ao contrário do que é inequivocamente afirmado no primeiro mandamento do Decálogo. De acordo com a vontade de Cristo, a fé n’Ele e em seu ensinamento divino deve substituir outras religiões; porém, não pela força, mas com uma persuasão amorosa, como indica o hino de Louvor (Laudes) da festa de Cristo Rei: “Non Ille regna gladibus, non vi metuque subdidit: alto levatus stipite, amore traxit omnia” (Não pela espada, pela força e pelo medo que sujeita os povos, mas que exaltado na Cruz atrai amorosamente todas as coisas para Si).

São Cipriano de Cartago disse: “Não pode ter Deus como Pai quem não tem a Igreja como Mãe”

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