Padre David Francisquini
Resposta — Várias pessoas me manifestaram a mesma perplexidade pelo conteúdo da declaração transcrita pelo consulente. Respondendo a esta pergunta, poderei esclarecer outros leitores de Catolicismo que tenham ficado igualmente confundidos. Entendida em seu sentido literal e natural, é absolutamente inaceitável por um católico essa passagem da declaração firmada pelo Papa Francisco, em comum com o líder maometano de Al-Azhar. Ela contradiz não somente a verdade revelada da unicidade e universalidade salvífica de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Igreja Católica, mas também a simples razão natural.
Com efeito, as dezenas de milhares de religiões existentes no mundo são todas contraditórias umas com as outras. Muitas dessas, cuja origem é comum, resultaram precisamente de divergências entre os seus seguidores. Quanto à própria Pessoa de Deus, as oposições entre as várias religiões são abissais: algumas dizem que Deus é um Ser pessoal e transcendente, outras afirmam que Ele seria apenas uma energia imanente; sustentam umas que existe um só Deus, e para outras haveria uma pluralidade de deuses; afirmam muitas que em Deus há unidade de substância e trindade de Pessoas, outras consideram isso politeísmo e idolatria.
Dessa diversidade de crenças a respeito do próprio Deus nascem numerosas práticas e proibições, também contraditórias umas com as outras: para alguns, venerar imagens é piedoso e salutar, enquanto para outros isso é idolatria; para alguns o vinho é bom e até santo (pois é consagrado na missa), para outros é pecado tomar álcool; para alguns o matrimônio pode ser estabelecido apenas entre um só homem e uma só mulher, para outros é lícita a poligamia; para alguns o casamento é indissolúvel, para outros o divórcio é lícito. As páginas desta revista seriam insuficientes para enumerar todas as divergências que se encontram nas principais religiões. Sendo absolutamente contraditórias entre si, elas não podem ser todas verdadeiras. Ora, se Deus é infinitamente sábio — o que se deduz facilmente, vendo a perfeição e harmonia de toda a Criação — é contrário à razão imaginar que Ele tenha criado ou favorecido essas contradições entre as religiões. Se o fizesse, Deus seria ilógico ou esquizofrênico, no entanto Ele é a Verdade eterna; ou seria completamente relativista, não se tomando a sério a Si mesmo, mas isto é absolutamente oposto à sua santidade.
Do ponto de vista da Revelação, é igualmente inaceitável a ideia de uma pluralidade de religiões, supostamente desejada por Deus. Para prová-lo, basta reproduzir as seguintes palavras do Papa Pio XI, ao condenar o indiferentismo religioso, contrário à verdadeira promoção da unidade de religião:
“Só uma religião pode ser verdadeira — a que foi revelada por Deus. Fomos criados por Deus, Criador de todas as coisas, para este fim: conhecê-Lo e servi-Lo. O nosso Criador possui, portanto, pleno direito de ser servido. [...] No decurso dos tempos, desde os primórdios do gênero humano até a vinda e a pregação de Jesus Cristo, Ele próprio ensinou ao homem, naturalmente dotado de razão, os deveres que dele seriam exigidos para com o Criador: ‘Em muitos lugares e de muitos modos, antigamente, falou Deus aos nossos pais pelos profetas; ultimamente, nestes dias, falou-nos por seu Filho’ (Heb 1, 1).
“Está claro, portanto, que a religião verdadeira não pode ser outra senão a que se funda na palavra revelada de Deus; começando a ser feita desde o princípio, essa revelação prosseguiu sob a Lei Antiga, e o próprio Cristo completou-a sob a Nova Lei.
“Portanto, se Deus falou — e pela fé histórica comprova-se ter Ele realmente falado — não há quem não veja ser dever do homem acreditar, de modo absoluto, em Deus que se revela, e obedecer integralmente a Deus que impera. Mas, para a glória de Deus e para a nossa salvação, em relação a uma coisa e outra o Filho Unigênito de Deus instituiu na Terra a sua Igreja” (Encíclica Mortalium animos, n° 7).
Foi em nome dessas verdades de fé que o Papa Pio XI, nesse mesmo documento, proibiu a participação de católicos em reuniões onde fossem admitidos “promiscuamente, todos: pagãos de todas as espécies, fiéis de Cristo, os que infelizmente se afastaram de Cristo e os que, obstinada e pertinazmente, contradizem a sua natureza divina e a sua missão”. O mencionado Papa diz que tais assembleias são reprováveis, pois “se fundamentam na falsa opinião dos que julgam que todas as religiões são, mais ou menos, boas e louváveis, pois manifestam e significam, embora de maneira diferente, aquele sentido inato e natural pelo qual somos levados para Deus e reconhecemos obsequiosamente o seu império” (idem, n° 3). Precisamente essa é a falsa opinião subscrita pelo Papa Francisco no documento de Abu Dhabi, subentendida na frase “o pluralismo e as diversidades de religião, de cor, de sexo, de raça e de língua fazem parte daquele sábio desígnio
Entendida em seu sentido literal e natural, é absolutamente inaceitável por um católico uma passagem da declaração firmada pelo Papa Francisco, em comum com o líder maometano de Al-Azhar.
São Paulo pergunta na Segunda Epístola aos Coríntios: “Que compatibilidade pode haver entre Cristo e Belial?”