Plinio Maria Solimeo
Neste mês celebra-se o sexto centenário da morte de um dos maiores apóstolos da Igreja, também cognominado “Trombeta do Juízo Final”. Extraordinário pregador e taumaturgo, teve importante papel em toda a vida da Igreja no seu tempo, sendo o seu apostolado acompanhado de impressionantes milagres.
São Vicente Ferrer nasceu em Valência no dia 23 de janeiro de 1350, filho de Guilherme Ferrer e Constância Miguel, descendentes, segundo consta, de famílias nobilitadas por atos heroicos durante a conquista daquela cidade espanhola. Entretanto, sua maior nobreza foi uma genuína fé católica e profunda piedade, que inculcaram nos filhos junto a uma fervorosa devoção a Jesus Cristo e Maria Santíssima, bem como o amor pelos pobres.
Vicente ingressou aos 17 anos no convento dominicano de sua cidade, onde professou solenemente em 1368. Ensinou filosofia em Lérida, e retornando à cidade ducal em 1373, estudou no Studium arabicum et hebraicum. No ano seguinte foi ordenado sacerdote.
São Vicente recebeu em várias casas de sua Ordem, “em particular no Studium Generale, de Toulouse, muito boa formação filosófica e teológica, estritamente tomista, e particularmente desenvolvida para a lógica”.1 A par do estudo, exercia o ofício de pregador, dedicando-se também às obras de misericórdia em favor dos órfãos e reerguimento das mulheres perdidas. Era muito estimado pela alta sociedade do tempo, inclusive pela família real de Aragão.
Escreveu um pequeno trabalho contra as teorias do filósofo Ockham (1280-1349), “o primeiro protestante”, que negava ao Papa o direito de exercer um poder temporal e de interferir nos negócios que pertenciam ao Estado.2 “Essa obra, que não ultrapassa as dimensões de um opúsculo, deixou perplexos os historiadores da filosofia em razão da riqueza de pensamento pessoal, inclusive por sua concisão excessivamente original”.3
Pela relevância que teve na Igreja e na vida de São Vicente Ferrer, detalharemos esse assunto tão controvertido. No ano de 1376 o Papa Gregório XI deixou Avinhão, na França, a instâncias de Santa Catarina de Siena, levando o Papado de volta para Roma. Foi ele assim o último Papa de nacionalidade francesa, e morreu na Cidade Eterna em 27 de março de 1378.
Em meio aos tumultos provocados pelos romanos a fim de influenciar o conclave, visando à eleição de um papa italiano, em abril desse ano de 1378 os cardeais que se encontravam em Roma, dos quais 10 eram franceses, escolheram para a Sé vacante o arcebispo de Bari, Bartolomeu Prignano, que tomou o nome de Urbano VI, sendo reconhecido universalmente.
Infelizmente o novo Papa não correspondeu ao que dele esperavam os cardeais, mostrando-se desde o início excêntrico, desconfiado, e algumas vezes colérico, o que levou Santa Catarina de Siena, com liberdade apostólica, a chamar-lhe a atenção.
Desgostosos, 13 cardeais do Sacro Colégio, alegando o calor de Roma, fugiram para Anagni e depois para Fondi, e em 20 de setembro desse mesmo ano elegeram num conclave ilegal o Cardeal Roberto de Gênova, com o nome de Clemente VII, e este voltou a estabelecer-se em Avinhão. Começava assim o chamado Grande Cisma do Ocidente. Reconhecido por vários países da Cristandade como o legítimo sucessor de Pedro, esse antipapa morreu em 28 de setembro de 1394, sendo sucedido pelo cardeal espanhol Pedro de Luna com o nome de Bento XIII.
Na festa da Anunciação de 1409, quatro patriarcas, 22 cardeais e 80 bispos contribuíram para piorar a situação. Visando acabar com o cisma, reuniram-se de modo ilegal em um concílio em Pisa, depuseram o verdadeiro Papa (Gregório XII, sucessor de Urbano VI) e o antipapa Bento XIII, e em junho desse ano elegeram Pedro Filargi de Gandia, com o nome de Alexandre V. Falecendo esse antipapa em 1410, foi substituído pelo Cardeal Baldassare Cossa, que tomou o nome de João XXIII.
Isso agravou ainda mais a situação, pois passaram a três os pretendentes ao trono pontifício. Esse cisma dividiu a Igreja por quase 40 anos, encerrando-se com o Concílio de Constança (5 de novembro de 1414 a 22 de abril de 1418), que pediu a renúncia dos três contendores para tornar a Sé vacante, e em seguida eleger um Papa reconhecido por todos.
Gregório XII não só abdicou, mas como Papa legítimo fez um decreto de convocação desse concílio, legitimando-o. João XXIII também abdicou. Entretanto,
São Vicente Ferrer – Anônimo, séc. XVIII. Museu Santa Clara, Bogotá, Colômbia.
Santa Catarina de Siena persuade o Papa Gregório XI a voltar a Roma -- Giovanni di Paolo, 1460, Coleção Thyssen-Bornemisza.