EDITORIAL

Não conheceu a doçura de viver, quem não viveu antes de 1789 — portanto, antes da Revolução Francesa. A afirmação é do célebre diplomata francês Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754-1838). A douceur de vivre (doçura de viver) à qual Talleyrand se refere, e que procurou descrever nas suas Memórias, não era apenas a felicidade terrena de que a população francesa desfrutava no Ancien Régime, mas também uma alegria de viver e bênção espiritual, remanescentes da Cristandade medieval, sacral e hierárquica, toda voltada para Deus e para tudo o que havia de mais elevado.

A Revolução Francesa destruiu essa alegria de viver que impregnava todas as classes sociais. Ela, desde o início, espalhou promessas de Liberté, Egalité, Fraternité (liberdade anárquica, igualitarismo injusto, fraternidade hipócrita). Enquanto isso guilhotinava cabeças, sobretudo da nobreza e aristocracia, massacrava o clero e o povo que reagiam contra a Revolução (como ocorreu na região da Vendeia), atacava virulentamente a Igreja Católica, e assim conturbou completamente a ordem social, sem conceder nunca as benesses que prometia. E como seria possível consegui-lo, sem respeitar as desigualdades sacrais estabelecidas por Deus na sociedade, sem as bênçãos que só se obtêm pela fidelidade à Fé católica?

Neste ano, os atuais agentes da Revolução festejam os 230 anos desse sinistro acontecimento, cujo marco foi a queda da Bastilha em 14 de julho de 1789. Mas nada temos a comemorar, os que conhecemos em detalhes os distúrbios e deturpações impostos à França e ao mundo inteiro a partir dessa Revolução. Igualmente não nos satisfazem as interpretações "politicamente corretas" que nos impõem, sobre aquele que foi um dos mais sanguinários e injustos acontecimentos da História.

No artigo de capa desta edição, fica ainda mais desmascarada a Revolução Francesa, enquanto parte de um processo revolucionário para destruir o que subsistia de uma civilização autenticamente católica. Renato William Murta de Vasconcelos, com seu estudo lastreado em historiadores sérios — entre os quais não se contam esses manuaizinhos de história difundidos em colégios de norte a sul do País —, ajuda-nos a entender e a combater mais eficazmente esse processo revolucionário, como também as suas consequências em nossos dias.


PÁGINA MARIANA

Nossa Senhora da Pureza

Nelson Ribeiro Fragelli

A Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor foi fundada em 1835 por Santa Maria Eufrásia Pelletier, e sua vocação é levar ao arrependimento e à correção moral mulheres de má vida, chamadas "Madalenas" pelas dedicadas religiosas dessa instituição.

O número de mulheres assim degradadas havia proliferado em número alarmante nos anos trinta do século XIX, coincidindo com o impulso dado à Revolução Industrial. A necessidade de mão de obra nas fábricas deslocava para os grandes aglomerados industriais moças inexperientes do interior, criadas em família, em torno das paróquias. Mas nesses novos centros não havia a assistência espiritual dos seus lugares de origem, moralmente mais preservados, e muitas caíam em má vida. Daí o caráter providencial da importante obra de Santa Eufrásia.

Nascida em plena Revolução Francesa, ela conservou intactas sua fé e têmpera de espírito, decidindo fundar seu Instituto para regenerar mulheres transviadas e amparar as que se encontravam em perigo de decair. As primeiras casas da Congregação foram fundadas na França. Contavam com 50 noviças, muitas delas de grandes famílias da nobreza de origem belga, irlandesa, alemã. Algumas eram judias convertidas ao catolicismo. Em 1868, quando morreu em Angers (França), deixava 2.067 religiosas professas, 384 noviças, 309 religiosas conversas, 972 "Madalenas", 6.372 moças e mulheres penitentes arrependidas morando nos "refúgios" (casas de recuperação moral mantidas pela Congregação), 8.483 crianças (em sua maioria meninas) educadas pelas religiosas.

Comentando a fisionomia de Santa Maria Eufrásia Pelletier, escreveu Plinio Corrêa de Oliveira:

"Nada do que significa formosura lhe faltou na mocidade: a correção dos traços, a beleza dos olhos e da cútis, a distinção da fisionomia, a nobreza do porte, o viço e a graça da juventude. Mais: o esplendor de uma alma clara, lógica, vigorosa, pura, se exprimia fortemente em sua face. É o tipo magnífico da donzela cristã.

"Em sua ancianidade, resta do encanto dos antigos dias apenas um vago perfume. Mas outra formosura mais alta brilha em seu semblante admirável. […] O olhar ganhou em profundeza, uma serenidade nobre e imperturbável parece prenunciar nele algo da nobreza transcendente e definitiva dos bem-aventurados na glória celeste! [...] O corpo decaiu, mas a alma cresceu tanto, que já está toda em Deus".(Catolicismo, nº 23, Novembro/1952).

No Canadá, onde se passaram os fatos extraordinários que aqui narraremos, a Congregação é atualmente constituída por religiosas de vida ativa e comunidades de irmãs de caridade levando vida contemplativa. As instituições mais conhecidas em Quebec são: Asilo Santa Daria, Pensionato São Luiz Gonzaga, Instituto Santa Maria Eufrásia, as escolas Santa Domitila e Nossa Senhora de Laval e a Escola Santa Helena.

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A fisionomia de Santa Maria Eufrásia Pelletier, na juventude e na ancianidade.