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Chartres, a catedral renascida das cinzas: lição para Paris?

Luis Dufaur

Qual seria o desígnio da Providência Divina, permitindo que um fogo infernal devorasse parte de Notre-Dame? Não se trata de um plano superior aos cálculos humanos?

Deus costuma escrever certo por linhas tortas — é o que a sabedoria popular ensina aos nossos atribulados dias. E na História, mestra da vida, os exemplos são incontáveis: muitas enfermidades levaram pecadores a abandonar seus pecados; insensatos recuperaram o juízo, ante os desastres que provocaram; catástrofes foram anunciadas por Nossa Senhora em Fátima, no final das quais os homens abandonariam os maus costumes; mais próximo de nós, o incêndio que devorou o telhado da catedral de Notre Dame de Paris já inspira reações benéficas em não poucos. Em que sentido?

Lendo o historiador da arte Émile Mâle (1862-1954) — membro da elite suprema da intelectualidade universal, que é a Académie Française — uma pergunta me ficou na cabeça, e seguramente se apresenta na de muitos católicos: por que a Providência teria permitido que um fogo com furor infernal devorasse o teto de um símbolo tão sublime da Igreja Católica?

Incêndio que desperta católicos tíbios

Aquele ditado da sabedoria popular tem uma confirmação nos escritos, visões e ensinamentos de uma das maiores místicas da França, Marie des Vallées (1590-1656), que foram anotados por São João Eudes e adotados por São Luís Maria Grignion de Montfort, o grande mestre da devoção a Nossa Senhora. Ela ardia de zelo pela causa de Deus, e clamava para que fossem expulsos da Terra os demônios e seus sequazes mais próximos (sem meios termos, ela os denominava bruxos). Renovando fervorosamente esse pedido à Santíssima Trindade e a Nossa Senhora, a resposta negativa de Deus Pai foi simplesmente: "NÃO!". Isto me deixou pasmo, pois os raciocínios humanos são pobres, sobretudo quando desamparados pela perspectiva histórica com que Deus conduz os eventos humanos. O próprio São João Eudes não conteve a sua admiração, e concluiu: "Pelo seu poder admirável, e por uma bondade incomparável, Deus forçará os nossos inimigos a contribuir para a nossa salvação".

Os inimigos a que se referia São João Eudes são os demônios e seus asseclas, e ele pensava no abalo universal que Deus anunciava para salvar os bons, desanimados e desconhecedores do satânico processo revolucionário que naquela época já corroía ativamente até os melhores, mas ainda de maneira secreta. Olhando as imagens do incêndio de Notre-Dame, notadamente a queda de sua simbólica agulha, podia-se imaginar demônios soprando

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Incêndio da catedral de Chartres no século XII – François Alexandre Pernot (1793-1865). Musée des Beaux-Arts de Chartres.

15 de abril de 2019: chamas vorazes incendeiam Notre-Dame de Paris.