| ENTREVISTA | (continuação)
Nambikwara e Manoki – Coopihanama, que eles merecem o mesmo apoio que o governo vem dando aos demais produtores rurais brasileiros. Identificou nesses fatos um momento de renascimento, pois espera que o exemplo do povo Pareci possa contribuir para "mudar a miséria e a manipulação que existe hoje em torno dos povos indígenas do Brasil".
Na região do Campo Novo, no noroeste de Mato Grosso, a 400 quilômetros de Cuiabá, os índios das etnias Pareci, Nambiquara e Manoki vêm se destacando pela produção agrícola mecanizada de soja, milho e feijão. Trata-se de produção autorizada pelo Ministério Público Federal, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Na atual safra, segundo informações dos próprios indígenas, eles plantaram cerca de 19 mil hectares com grãos.
Para a ministra Tereza Cristina, cuja família é mato-grossense, a FUNAI deve trabalhar com um novo olhar, cuidando dos direitos indígenas, mas sem considerá-los como "coitadinhos", dando-lhes todas as condições para que consigam a autonomia de produzir, bem como possam desfrutar de boa qualidade de vida.
Já familiarizados com o tema, nossos dois colaboradores chegaram a Campo Novo do Parecis no último dia de maio, ao cair de uma tarde fresca para os seus habitantes, pois uma frente fria proveniente do Sul atingira aquelas paragens. Acompanhou-os de Cuiabá até lá a filha do cacique, a advogada e assessora parlamentar Sonia Pareci. Com rapidez e eficiência, apesar da inconveniência do horário, ela não tardou muito para conseguir que fôssemos cortesmente atendidos na muito boa sede da Cooperativa Agropecuária dos Povos Indígenas Haliti-Parecis, Nambikwana e Manoki – Coopihanama, localizada bem no centro da cidade. Na sala de reuniões, em torno de uma grande mesa de madeira maciça, Paulo Henrique e Nelson Barretto ouviram o depoimento de algumas lideranças indígenas, inclusive dois diretores da cooperativa.
O Diretor Financeiro da Cooperativa, Adilson Muduywane Paresi, 32 anos, fez um resumo da exploração agrícola que os Parecis vêm fazendo nas terras que lhes foram reservadas pela União. Segundo ele, "a etnia possui nove terras reconhecidas como Reserva Pareci, somando 1.500.000 hectares, que abrangem cinco municípios circunvizinhos". Deve-se levar em conta que o Estado de Mato Grosso é enorme (903.357 km2) e pouco povoado (3.400.000 habitantes), a densidade demográfica não chega a quatro habitantes por quilômetro quadrado. Para efeito de comparação, São Paulo tem cerca de 44.000.000 de habitantes em 248.209 km2.
Para Adilson, "há nessas terras 63 aldeias, totalizando mais de 2.000 indígenas". Outra informação para o leitor, sobretudo se não for brasileiro, é que essa área indígena corresponde à metade da Bélgica, hoje com mais de 11 milhões de habitantes. "No Mato Grosso nós temos 43 povos indígenas em diferentes estágios de desenvolvimento, vivendo realidades diferentes. Os Parecis criaram uma política de auto-sustentação dentro do seu território".
* * *
Catolicismo — Quais são os principais projetos dos Parecis para fazer da Reserva um local desenvolvido, e ao mesmo tempo sustentável?
Adilson — Temos projetos agrícolas, pecuários, turísticos, de piscicultura e de apicultura, entre outros. Todos vêm sendo desenvolvidos dentro da área indígena, ao lado de uma rodovia que corta a Reserva, e nós cobramos um pedágio. O projeto agrícola é o carro-chefe dos demais. Hoje temos 19 mil hectares plantados com grãos, mas isso representa em torno de uns 0,7% das terras da Reserva. De acordo com as leis que pautam a exploração da agropecuária na nossa região, penso que poderíamos cultivar até uns 250 mil hectares. Fizemos um plano de gestão, levando em conta o aumento da população para os próximos 50 anos, e até lá poderemos estar cultivando até 50 mil hectares. Não estamos fazendo isso para ficar ricos, mas para manter a tranquilidade do nosso povo, pois é preciso que ele esteja bem, tenha moradia e saúde, condições para educar os seus filhos e atender a todas as suas necessidades.
Catolicismo — Qual a população atual de sua etnia, e como se acham distribuídos na Reserva?
Adilson — Há 20 anos éramos apenas uns 400 indígenas na área, distribuídos em 13 aldeias. Hoje somos cerca de 2.500, porque muitos tinham saído para trabalhar nas fazendas vizinhas e acabaram voltando para a Reserva. Então imaginamos que com essa projeção de desenvolvimento manteremos o povo dentro da Reserva.
Catolicismo — Para tocar as lavouras, vocês já conseguem financiamento em bancos?
Adilson — Até agora não temos acesso a bancos, mas é um desejo nosso. Esperamos que daqui a 30 anos esse projeto agrícola possa ser auto-suficiente, junto com a piscicultura e a apicultura. Nosso projeto maior é trabalhar as terras. Do que adianta termos um milhão e meio de hectares, se as terras não são trabalhadas? O povo morre de fome. Daí a razão de necessitarmos dos bancos.
Índios Parecis plantam soja em Campo Novo do Parecis.
Segundo creem, sua etnia teria surgido ali mesmo na região. Em geral, uma aldeia se compõe de várias ocas. Já existem casas de alvenaria, mas sempre se distingue uma oca onde vive o cacique, cuja autoridade é acatada por todos da aldeia. Em outra vive o pajé, ou sábio. E há também uma pequena oca onde se guardam as flautas sagradas, tocadas durante as suas festas.
Conforme nos informou a Dra. Sônia Paresi, em cada casa mora uma família composta de três gerações. Até aí vai o parentesco. Há ocas de vários tamanhos, sempre construídas com a mesma forma elíptica. Internamente há um só espaço, com duas pequenas aberturas ou portinholas, sendo a principal voltada para o nascente, e a dos fundos voltada para o poente.
A estrutura das ocas é de madeira. São construídas sempre obedecendo a uma mesma arquitetura, cobertas do teto ao piso com folhas de palmeira da região. Pela explicação do pajé, a porta principal é baixa para a pessoa, ao entrar na oca, reverenciar o espírito que lá habita.
Nas 4 ou 5 aldeias visitadas, notamos dentro das ocas um só ambiente, com redes e camas junto às paredes, que se prolongam da cobertura que chega até o piso. Os objetos são todos pendurados onde é possível, mas não existem móveis para se guardar nada.
Tempos novos, muito novos! Chamou-nos a atenção nessas ocas o fato de todas elas possuírem luz elétrica, geladeira, freezer, televisão, sinal de internet, ventiladores, e até motocicletas estacionadas. Todas as crianças de certa idade já possuem o seu celular na palma da mão. Das várias ocas visitadas, apenas a do cacique — nova, cujo custo foi de 25 mil reais, segundo ele — apresentava certa divisão de ambientes, feita de toalhas plásticas ou tecidos.