Depoimentos no Pará

Santarém, conhecida como a Pérola do Tapajós, está situada na confluência do rio Tapajós com o Amazonas. Posição privilegiada para o crescimento, devido a seu porto de escoamento de grãos vindos de Mato Grosso, e também por suas terras excelentes para agropecuária. Porém, todo esse potencial se encontra engessado pela ação de ONGs, ambientalistas e indigenistas, que fazem ressuscitar falsos índios e quilombolas.

Não longe dali está a famosa cidade de Alter do Chão. Mais além, outra de nome Belterra. Nomes sonoros, que evocam nosso passado português. No município encontra-se a reserva da Floresta Nacional do Tapajós, e dentro dela a aldeia indígena de Bragança, por nós visitada. Nesta reserva indígena há uma divisão, e a discórdia grassa entre duas alas: a dos que querem se desenvolver, sair daquele estado primitivo de inação secular; e um grupo minoritário mantido por ONGs, que preferem permanecer no status quo. A divisão vem sendo fomentada até pelo Ministério Público Federal.

Segundo nos foi dito pelo Cacique Miguel (um dos oito irmãos da família em cujo seio está implantada a desavença, com a autoproclamação de seu irmão Domingos ao cacicado), o procurador Dr. Luís Camões Lima Boaventura teria afirmado que "o índio tem que ser pobre e viver só da subsistência". Tal discórdia, fermentada entre irmãos e parentes pelo comando da aldeia, acabou indo parar no judiciário.

Sem conhecermos a gravidade dessa disputafamiliar, fomos até a aldeia de Bragança a convite de parentes do cacique Miguel, que nos acompanharam. Logo após chegarmos, fomos avisados de que haveria uma reunião no caramanchão, para recebermos ordens do "cacique" Domingos. Ele não tardou a aparecer, descamisado mas usando cocar. Com palavras escassas e duras, nos avisou que havíamos cometido falta grave, por termos entrado na aldeia sem autorização da FUNAI. E acrescentou que ali não poderíamos fazer entrevistas, nem mesmo fotografar nada.

Limitamo-nos a dizer que não tínhamos ido ali para causar e alimentar conflito, e lamentamos ao mesmo tempo aquela situação, pois eles poderiam estar todos unidos, produzindo, progredindo sem perder a cultura deles.

Não tardou a se instalar uma pequena celeuma entre os índios, cena que apenas observamos sem nos envolver nela. Em minoria, pois acaba sendo o único dos sete irmãos a tomar aquela posição, o "cacique" Domingos foi interpelado por sobrinhos e irmãos a respeito de sua conduta contraditória.

Após mais de uma hora de debate, no mais das vezes acalorado, resolvemos sair dali e tomar café na casa de um dos sete irmãos, o Edmilson, antes de abandonar o local. Tendo um de nós ficado para trás, ouviu dois tiros de uma arma de fogo, e viu a pequena distância o alvo deles. Os demais, já na casa do Edmilson, apenas ouviram os disparos, e comentaram tratar-se de tiros de espingarda calibre 16. Dir-se-ia que foram tiros de advertência, sem dúvida para nos intimidar.

Deixamos o local e nos dirigimos para a cidade de Alter do Chão, onde alguns deles moram, estudam e trabalham. Aproveitamos para entrevistar muitos indígenas daquela aldeia, que se encontravam na casa de um dos oito irmãos residentes na cidade. O cacique Miguel não pôde estar presente. Somente no dia seguinte pudemos entrevistá-lo em Santarém, juntamente com o seu advogado.

Segundo um dos membros da família, esse conflito é reflexo da interferência de alguns órgãos do governo e de ONGs dentro da terra indígena. Umas poucas famílias estão sendo favorecidas por essas ONGs, enquanto são excluídas as demais, que não concordam com o Domingos.

Todos eles afirmaram que o cacique legítimo é o Miguel, eleito pelas três aldeias Taquara, Marituba e Bragança, e que conta com o apoio da maioria dos índios. Ele é o cacique vitalício, segundo documento da Funai no qual pode-se ler: "A demarcação foi feita em 2016. Mas em 2008, Miguel dos Santos Corrêa foi designado o primeiro cacique". E citam como prova da legitimidade do direito do Miguel o fato de ter sido ele quem os representou na Bahia no ano 2000, na comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil.

Domingos e os seus partidários alegam que Miguel não seria mais o cacique, porque está morando fora para estudar, e todos os que não vivem lá perdem o direito à tribo. Mas o cerne do conflito é a ideia de manter os índios em seu estado primitivo, não permitindo que eles se desenvolvam e adquiram tecnologia ou costumes dos brasileiros civilizados, posição defendida principalmente pelas ONGs que lá atuam.

Entrevista com membros da Aldeia Bragança

Alter do Chão, 22 de junho de 2019

Ademar Cardoso

Ademar Cardoso, 34 anos, é presidente da Cooperativa Cooindia, nasceu na Aldeia Bragança e vive em união estável, com três filhos.

"Nós formalizamos a cooperativa Cooindia, que é a primeira cooperativa indígena do estado do Pará. Houve a necessidade de se criar uma cooperativa para melhorar a qualidade de vida do indígena e dar conforto melhor para as nossas famílias. Trabalhamos com várias coisas, há um leque de oportunidades: turismo sustentável, piscicultura, agricultura familiar, e vamos trabalhar com a madeira, que é uma fonte de renda muito boa. Nosso objetivo, enquanto cooperativa, é melhorar a qualidade de vida de toda a comunidade, independente de distinções de famílias. É para todos".

• Quantos são os membros da aldeia Bragança?

Em 2002, houve um grande aumento. Mas agora precisamos fazer um novo levantamento para passar o número exato.

• Os organismos oficiais têm apoiado essa cooperativa?

♦ O MPF não apoia a cooperativa, porque entende que o indígena só serve para produzir em pequena escala. Mas nossa visão hoje, enquanto cooperativa, é expandir a nossa produção, fazê-la chegar em todo o Brasil e até no exterior. Queremos isso, e no ano passado pedimos ao ICMbio autorização para trabalharmos. Até hoje não tivemos resposta. A FUNAI ainda não se manifestou.

• Após a mudança de governo, houve mudança nesses órgãos?

♦ Não. No dia 19 último, estava marcada uma reunião com o Dr. Camões, do Ministério Público. Esperamos na aldeia das 7,00h da manhã até as 13 horas, e eles não compareceram. Consideramos isso uma falta de respeito. O MP está no topo da cadeia, e deveria nos atender, e pelo menos esclarecer por que não compareceram.

• Sabemos que no programa Saúde e Alegria alguns receberam água, banheiros, mas outros não. O que aconteceu?

♦ O Projeto Saúde e Alegria (PSA) é uma ONG que recebe verba da Alemanha, da Noruega. Têm vários parceiros, é uma instituição bem grande, que recebe recursos de várias fontes. Eles executaram o projeto de um microssistema dentro da aldeia, mas nem todas as famílias receberam o benefício, inclusive o meu pai Ademar. Meu tio Edmilson e o Dário, também não. Não receberam água nas torneiras, como foi planejado, nem foi feito o projeto com os banheiros para eles. Eu penso que, quando o projeto é destinado a uma comunidade, tem de ser para todos, independente do número, de ter 10 ou 20 famílias. Mas quem não recebeu esse benefício são os mesmos que não concordam com a situação do Domingos, aquele que se faz passar por cacique. Nós entendemos que ele está fazendo tudo errado, mas quem não concorda com as atitudes dele não é beneficiado pelos projetos.

Edmilson Santos Corrêa

Edmilson tem 61 anos, é viúvo e pai de 7 filhos.

• Por que o senhor quer participar da cooperativa?

♦ Falta muita coisa na nossa região. O povo está ficando muito mais pobre, enquanto isso ficamos discutindo

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