| Depoimentos no Pará | (continuação)
foi paga pelo CIMI, ligado à CNBB. As emissoras de televisão, como a Rede Globo, não mostram nada disso que não seja de interesse do sistema.
Quem quiser salvar a Amazônia e o Brasil tem de nos ajudar. Não queremos dinheiro, carro, avião, temos necessidade é de apoio real, ajuda para informar quem precisa saber. O mundo não distingue entre desmatar e fazer manejo florestal. São coisas muito diferentes, mas as pessoas pensam que queremos desmatar, ou seja, retirar todas as árvores. Não é isso que queremos fazer. Quando se fala de projeto de manejo, a cada 1.000 árvores existentes na Amazônia seriam tiradas 30 árvores a cada 25 anos. E o que está havendo é a retirada ilegal de madeira em larga escala, por não indígenas. A culpa disso é do MPF e dos órgãos submissos a esse comando tresloucado.
Depois dessa exposição tão viva e tão didática do Dr. William Martins Lopes, fizemos-lhe algumas perguntas adicionais:
• Consta-nos que pessoas famosas estiveram em Santarém, algumas ligadas a ONGs. O Sr. pode nos dizer algo a respeito?
♦ Ouvi falar que o Luciano Huck já passou, e o Cacique Miguel afirma que aqui esteve também o Príncipe Charles, da Inglaterra.
• Gostaríamos de saber algo sobre as cooperativas indígenas.
♦ A cooperativaCooflona foi legalizada e existe. Mas na verdade ela é uma fachada para as duas grandes empresas madeireiras na cidade. Se quiserem, podem gravar isso e publicar. Trata-se de uma cooperativa mista, formada por índios e não-índios. Não sei quem são os membros. Fizemos consultas por escrito, mas a cooperativa se recusa a fornecer os nomes. Recusou-se até a fazer uma prestação de contas pedida pela Assembléia da Cooperíndia. A Cooflona diz ter autorização da FUNAI para atuar lá dentro. Mas eu apertei, afirmando que ela é mista, e pedi a documentação. Ouvi esta desculpa: Ah, não podemos, é um documento interno...
• O Sr. está informado sobre o que pretende fazer o Sínodo da Amazônia?
♦ Quando vi a notícia sobre o Sínodo da Amazônia, a minha primeira reação foi ir lá para contar o que sei. Se tivesse dinheiro, já teria comprado as passagens. Pretendo fazer um pedido direto ao Vaticano, para que financie as passagens. Os índios daqui querem ir lá conhecer o Papa. Se os senhores conseguirem meios de financiar esta expedição, estou disposto a levar os índios lá. Eles querem falar a verdade sobre a Amazônia, vão falar sobre assunto que conhecem. Precisa ser pensado e planejado, mas daria para arrebentar muita coisa lá dentro.
O Acre localiza-se na extremidade ocidental do Brasil, com diferença de fuso horário de duas horas em relação a Brasília. Faz divisa com o estado do Amazonas ao norte, e Rondônia a leste; fronteira com Bolívia a sudeste, Peru ao sul e oeste. Sua área de 164.123.040 km² é pouco menor que o estado do Paraná. Com 770.000 habitantes, é um dos estados com menor densidade demográfica do Brasil e de mais recente povoação. Depois de pertencer à Bolívia, só em 1877 teve início no Acre a chegada de migrantes oriundos do Nordeste, especialmente do Ceará, que colonizaram a região em busca da borracha, o "ouro negro" naquele tempo.
Existem hoje no Acre 34 reservas indígenas ocupadas por mais de 19.000 índios, que representam 2% da população total do Estado, ocupando cerca de 5% do território acreano. Esse contingente populacional pertence a 14 diferentes etnias, de línguas Pano, Aruak e Arawá: Yaminawa, Manchineri, Kaxinawa, Ashaninka, Shanenawa, Katukina, Arara, Nukini, Poyanawa, Nawa, Jaminawa-Arara e Isolados.
Logo que chegamos a Rio Branco, entrevistamos duas grandes lideranças indígenas que se encontravam de passagem pela capital: Maná Rua.Bake Kaxinawa, do povo Hunikuin, conhecido também como Kaxinawa, etnia com maior representação no Estado. Dos cerca de 19 mil indígenas, esta etnia conta com mais de 14 mil índios, cuja língua é de origem Pano. O outro entrevistado foi Carlos Brandão, cacique geral do povo Shanenawá, no município de Feijó. Voltaremos a estas entrevistas adiante.
Conversamos em Rio Branco com Maná, do povo Hunikuin (registrado como Manoel Gomes da Silva), 58 anos, casado, com filhos, netos e bisnetos.Mora na Aldeia Pinuxai, no município de Tarauacá, Acre. É considerado uma das maiores lideranças indígenas da Amazônia, participa de várias confederações nacionais e internacionais. Embora tenha trabalhado com várias correntes indigenistas e da Igreja, tem hoje uma visão mais ampla e favorável à integração com a sociedade. Foi de fundamental importância o seu voto pela construção da rodovia 364, que ligará o Brasil ao Peru, passando por reservas indígenas. Contou-nos serem eles o maior povo indígena do Acre, com cerca de 14 mil pessoas. Em cinco regiões do Estado encontram-se 108 aldeias com seus respectivos caciques, 18 associações, duas organizações e uma federação.
• As terras dos Hunikuin já estão demarcadas?
♦ No Acre já temos várias terras demarcadas, mas do povo Hunikuin falta só uma, a terra Jaminawa.
• Qual é a atividade principal de vocês?
♦ Manter nossas realidades tradicionais, culturais, mas desenvolvendo aquilo que é necessário para o ser humano, pois temos direitos iguais perante Deus e perante o Estado, como todos os brasileiros. Cada povo, cada instituição, faz aquilo que acredita ser melhor. Nós, indígenas, devemos focar nos nossos direitos para vivermos como somos, com o nosso espírito, mas também desenvolvendo e melhorando.
• Os senhores têm escola, posto de saúde nas aldeias, ou precisam vir para a cidade quando necessitam desses serviços?
♦ A maioria das terras indígenas tem escolas, mas não são reconhecidas pelo Estado. Há uma dificuldade muito grande para conseguir o reconhecimento delas, o certificado. Estamos trabalhando para isso se efetivar o quanto antes, pois somos indígenas, mas não deixamos de ser brasileiros. Todo ser humano precisa se desenvolver, mas isso não significa tornar-se empresário, porque nossa riqueza maior não é isso, e sim viver bem a nossa vida. Não há ouro melhor que a nossa vida. Queremos a proteção da vida, da cultura, mas fazendo tudo que é importante para o nosso povo. Adquirir conhecimentos também fora de nossa cultura, pois hoje estamos ligados ao mundo inteiro, como os outros brasileiros. Além dos nossos 'parentes' da região e do País, estamos ligados a povos de outros países, não ficamos só na aldeia.
• O que o senhor pensa dos que desejam o índio confinado na reserva, vivendo de forma primitiva, impedido de aproveitar o avanço da tecnologia e assimilar a cultura brasileira?
♦ Este é o pensamento de muitos, mas não o nosso. Já temos indígenas na Europa, levando nossos conhecimentos, nossos direitos. Temos causas jurídicas com estatuto de nossa organização, temos nossos planos de gestão ambiental, territorial, que envolvem a educação cultural e também a formação e o conhecimento formal.
• Que orientação os membros da Igreja Católica dão para os indígenas aqui?
♦ Nos anos 70/80 foi importante, porque antes da Constituição eles orientavam como nos portar, não tínhamos informação alguma. Mas atualmente cabe a nós dizer o que queremos, ninguém pode falar por nós. Quem tem de dizer o que está bom ou não, somos nós mesmos. Temos nossas lideranças, nossos representantes, caciques, professores, e nossas artesãs. Temos uma máquina humana dentro de cada povo, para fazer as coisas funcionarem. Ninguém pode falar por nós dentro da nossa cultura. Assim também deve ser cada povo dentro de seus limites.
• Existe alguma mineração na região? Que atividade econômica vocês têm lá?
♦ Mineração não existe. Atividades econômicas, temos várias: artesanato, agricultura, turismo. Só neste ano ocorrerão 48 festivais nas terras indígenas, recebendo muitos europeus, que hoje estão nos reconhecendo como irmãos e pagam para assistir às festas.
• Existe alguém que agencia essas visitas?
♦ A agência de turismo está sendo criada no atual governo. Por enquanto fazemos a nossa representação diretamente com pessoas que gostam da cultura indígena. Eles vêm para visitar, dançam, tomam o daime, valorizam a nossa cultura. Há muita gente que não