P.24-25

| AUTODEMOLIÇÃO DA IGREJA | (continuação)

onde um forte componente muçulmano rejeita integrar-se, a tal ponto que o presidente Macron teve de lançar uma iniciativa contra o “separatismo islâmico” nas periferias urbanas, onde nem mesmo a polícia pode entrar...

Para Francisco, ao contrário, é necessário destacar o risco dos “narcisismos bairristas”, que “escondem um espírito fechado que, devido a uma certa insegurança e medo do outro, prefere criar muralhas defensivas para sua salvaguarda” e “encerra-se obsessivamente numas poucas ideias, costumes e seguranças” (nº 146). A vida local “torna-se estática e adoece” (idem), pois “os outros são, constitutivamente, necessários para a construção duma vida plena” (nº 150).

Portanto, as migrações não são apenas boas em si mesmas, mas “constituirão uma pedra angular do futuro do mundo” (nº 40). A crise de saúde da covid-19 é a grande oportunidade de sair da “autoproteção egoísta”: “oxalá já não existam ‘os outros’, mas apenas um ‘nós’”, para que “a humanidade renasça com todos os rostos, todas as mãos e todas as vozes, livre das fronteiras que criamos” (nº 35), pois “a verdadeira qualidade dos diferentes países do mundo mede-se por esta capacidade de pensar não só como país, mas também como família humana” (nº 141).

Mas “para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social” (nº 154), é necessário “fazer crescer não só uma espiritualidade da fraternidade, mas também e ao mesmo tempo uma organização mundial mais eficiente” (nº 165). Neste contexto, torna-se indispensável “a maturação de instituições internacionais mais fortes e eficazmente organizadas, com autoridades designadas de maneira imparcial por meio de acordos entre governos nacionais e dotadas de poder de sancionar”. Não uma “autoridade mundial” pessoal, mas instituições “dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial” (nº 172). Visto que o parágrafo seguinte é dedicado à necessidade de uma reforma da ONU, deve-se entender que, no espírito de Francisco, seja esta organização a responsável para exercer esse papel. Daí ser necessário “evitar que esta Organização seja deslegitimada” (nº 173).

Resultado da resposta histérica da OMS e dos governos aos desafios da covid-19, surge o espectro de uma ditadura mundial, primeiro sanitária e depois política.

Numa situação em que crises econômicas e sociais gravíssimas emergem no horizonte, resultado da resposta histérica da OMS e dos governos aos desafios da covid-19, surge o espectro de uma ditadura mundial, primeiro sanitária e depois política. Esta não é uma perspectiva imaginária, produto de uma mente “conspiratória”, mas a realização do sonho iluminista de uma República Universal, incubada nas lojas maçônicas já antes da Revolução Francesa, indiretamente evocada na encíclica por meio da reprodução da trilogia “liberdade, igualdade, fraternidade” em um de seus subtítulos (nº 103).

Não é sem propósito evocar a maçonaria no final desta visão sintética da encíclica Fratelli Tutti. A edição de janeiro da revista New Hiram, órgão trimestral do Grande Oriente da Itália, publicou um artigo de Pierluigi Cascioli com um comentário elogioso do documento Fraternidade humana para a paz mundial e convivência comum, assinado em Abu Dhabi pelo Papa Francisco e pelo Imam Ahmed el-Tayeb. Esse documento foi, aliás, a principal fonte de inspiração para a elaboração da nova encíclica (nº 5), que incorporou várias passagens dessa declaração conjunta.

Segundo Cascioli, os valores da fraternidade universal contidos no documento “podem ser perfeitamente compartilhados por outros, sobre a base de um ‘mínimo denominador comum’ constituído pela razão”, já que “cada ser humano tem uma infinita dignidade”. E insiste no fato de que “os maçons, que têm o centro de gravidade na fraternidade, não poderão eximir-se de lidar com este documento”.

A Grande Loja da Espanha não se eximiu desse desafio em relação à encíclica Fratelli Tutti, e publicou a seguinte declaração, que não pode deixar de surpreender os fiéis:

“Há 300 anos se deu o nascimento da Maçonaria moderna. O grande princípio desta escola iniciática não mudou em três séculos: a construção de uma fraternidade universal onde os seres humanos se chamem irmãos uns dos outros, para além de seus credos concretos, de suas ideologias, de sua cor de pele, sua classe social, língua, cultura ou nacionalidade. Este sonho fraterno se chocou com o integrismo religioso que, no caso da Igreja Católica, propiciou duríssimos textos de condenação à [doutrina da] tolerância da Maçonaria no século XIX. A última encíclica do Papa Francisco demonstra quão distante está a atual Igreja Católica de suas antigas posições. Em ‘Fratelli tutti’, o Papa abraça a Fraternidade Universal, o grande princípio da Maçonaria moderna.

Dom Gilberto Pastana, bispo de Crato; Dom Roberto Ferreira, bispo diocesano de Campos; Dom Canísio Klaus, bispo de Sinop; ou Dom Denis Lara, bispo emérito de Itabira e assessor jurídico da CNBB, podem ser novamente convidados por alguma loja maçônica para palestrarem numa Magna Branca (é como os maçons denominam suas sessões abertas para não iniciados). Neste caso, poderão limitar-se a uma leitura extensa da Fratelli Tutti, e terão garantida uma ovação unânime.

Nosso Senhor, junto com a entrega das chaves da Igreja a São Pedro, também prometeu a preservação d’Ela até o fim dos tempos.

Na igreja, no entanto, os fiéis verterão lágrimas diante do Crucificado, pensando quão verdadeiras foram as palavras de Paulo VI quando disse que a fumaça de Satanás penetrou na Igreja.

Penetrou no templo sagrado, mas não o destruirá, pois temos a certeza da promessa divina: “as portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16, 18). A vitória final será da Santa Igreja Católica Apostólica Romana e da verdadeira fraternidade cristã fundada no amor de Deus e de Jesus Cristo, sob o olhar maternal de Maria Santíssima.  Página seguinte