Plinio Corrêa de Oliveira
A figura de Pierre Toussaint teve em outros tempos merecida notoriedade em Nova York, onde exerceu sucessivamente as profissões de cabeleireiro de senhoras e agente de colocação para empregadas domésticas. Com o curso das gerações, foi ofuscada na memória dos nova-iorquinos, mas os exemplos de vida que ele deixou merecem ser lembrados. Dão margem a profundas reflexões morais e sociais para todos os tempos, altamente oportunas em nossos dias.
A época em que Toussaint viveu (1766-1853) foi sacudida por violentos acontecimentos internacionais. A Revolução Francesa, fundamentalmente ateia e merecidamente qualificada como precursora do comunismo, estourou em 1789 na França, no reinado do apático e indolente Luís XVI. Propagou-se de forma violenta em todo território francês, e a partir daí contagiou vários países da Europa, com danosa repercussão também na América e em todo o mundo.
Em 1794, quando cessou a terrível fase do Terror, muitos esperavam que o Velho Continente voltasse à sua tranquilidade anterior. Não foi o que aconteceu. A Revolução deixou de atuar direta e destrutivamente no plano material dos fatos, mas nem por isso deixou de existir e de se propagar no campo ideológico. Com efeito, os regimes sucessivos do Diretório (1795), do Consulado (1799) e do Império (1804-1815) foram apenas formas metamorfoseadas da mesma Revolução Francesa. Inspiraram-se nos mesmos princípios errôneos e empenhavam-se no mesmo desejo de pregar os seus erros a todo o mundo. Quando Napoleão, proclamando-se imperador dos franceses, coroou a si próprio na igreja de Notre-Dame em Paris (1804), seu regime “monárquico” desprovido de autenticidade não passava de uma metamorfose a mais na Revolução Francesa.
A ordem de coisas que Napoleão impôs à França, pacífica na aparência, foi de fato a consolidação das modificações subversivas que os revolucionários de 1789 haviam introduzido no país. Dirigindo guerras de conquista por toda a Europa, que se estenderam de Lisboa até Moscou, produzindo abalos de Estocolmo a Nápoles, o Imperador impunha por toda parte leis revolucionárias, que subvertiam a ordem antiga em nome dos princípios de liberdade, igualdade, fraternidade. Princípios esses que, entendidos à maneira dos revolucionários franceses, eram precursores do comunismo. Por essa razão, foram eles severamente condenados pelo Papa Pio VI no Consistório Secreto de 17 de junho de 1793, confirmando as palavras da Encíclica Inscrutabile Divinæ Sapientiæ, de 25 de dezembro de 1775:
“Estes perfidíssimos filósofos acometem isto ainda: dissolvem todos aqueles vínculos pelos quais os homens se unem entre si e aos seus superiores e se mantêm no cumprimento do dever. E vão clamando e proclamando até à náusea que o homem nasce livre e não está sujeito ao império de ninguém; e que, por conseguinte, a sociedade não passa de um conjunto de homens estúpidos, cuja imbecilidade se prosterna diante dos sacerdotes (pelos quais são enganados) e diante dos reis (pelos quais são oprimidos); de tal sorte que a concórdia entre o sacerdócio e o império outra coisa não é que uma monstruosa conspiração contra a inata liberdade do homem” (Encíclica Inscrutabile Divinæ Sapientiæ).
“A esta falsa e mentirosa palavra Liberdade, esses jactanciosos patrões do gênero humano atrelaram outra palavra igualmente falaz, a Igualdade. Isto é, como se entre os homens que se reuniram em sociedade civil – pelo fato de estarem sujeitos a disposições de ânimo variadas e se moverem de modo diverso e incerto, cada um segundo o impulso de seu desejo – não devesse haver alguém que, pela autoridade e pela força, prevaleça, obrigue e governe, bem como que chame aos deveres os que se conduzem de modo desregrado, a fim de que a própria sociedade, pelo ímpeto tão temerário e contraditório de incontáveis paixões, não caia na anarquia e se dissolva completamente; à semelhança do que se passa com a harmonia, que se compõe da conformidade de muitos sons; e que, se não consiste numa adequada combinação de cordas e vozes, esvai-se em ruídos desordenados e completamente dissonantes” (Pii VI Pont. Max. Acta, Typis S. Congreg. De Propaganda Fide, Roma, 1871, vol. II, pp. 26-27).
A França era então senhora das ilhas Martinica, Guadalupe e São Domingos (atual Haiti). Essas possessões
O Mercado do Linho, Ilha de São Domingos – Agostino Brunias, 1775. Coleção Carmen Thyssen-Bornemisza (Madri).