Segundo este príncipe da Igreja, o homem moderno, privado do sentido e do horizonte último da vida, condenado pela cultura moderna a uma vida exclusivamente material, mostrou todo o seu sofrimento com o desenvolvimento da neurose. De fato, como aponta o psiquiatra holandês Jan Hendrick van den Berg (1914-2012), “é quase certo que os distúrbios neuróticos não eram encontrados na Europa antes do século XVIII. Antes de 1733, não há livro médico que fale de neurose”.
O psicólogo católico Rudolf Allers (1883-1963) escreveu: “A partir do momento em que essa atitude do non serviam se enraizou na mais profunda intimidade da natureza humana, a própria neurose nada mais é do que um exagero das características da personalidade humana comuns a todos nós. Só o santo está livre da neurose e para além dela, porque só ele aceitou, por uma ação de ‘assentimento real’, sua condição de ser finito, de um simples nada diante do infinito. Uma análise completa da mentalidade neurótica descobrirá que em todos os casos de neurose, sem exceção, o problema real é metafísico”. Até o psiquiatra judeu Viktor Frankl (1905-1997), aluno de Allers, identificou a origem da neurose na falta de sentido para a vida. Chegou mesmo a denominar sua psicoterapia com o neologismo “logoterapia”.
Com o colapso da Idade Média cristã, passou-se do predomínio do interesse pelas coisas religiosas ao interesse pela esfera política; a uma época em que a sociologia se impôs até os nossos dias, em que tudo é relatado para a psicologia. O senhor vê isso como um processo de decadência do homem?
Talvez mais do que um processo de decadência do homem — que é e continua sendo feito “à Sua imagem” — seja um processo de decadência da cultura, da filosofia e da psicologia. Não é por acaso que, do ponto de vista artístico, tudo o que as pessoas querem ver, seja na pintura, na arquitetura, na escultura, remonta a antes da modernidade; ou, nos países católicos, ao século XVIII como limite último. A modernidade, ao que parece, só foi capaz de destruir, não de construir. Isso faz sentido, se pensarmos que a modernidade se caracteriza como uma rejeição do Logos – do sentido, da ordem e da harmonia da criação. Obviamente, isso também se aplica ao que é especificamente humano, ou seja, à cultura.
A fase do processo revolucionário em que nos encontramos — denominada genericamente de ‘Quarta Revolução’, por Plinio Corrêa de Oliveira — tem como motor a liberação dos instintos, principalmente o sexual. Nesse contexto, a psicologia a partir de Freud parece ter-se tornado a arma mais importante das forças revolucionárias, a alavanca com a qual tentam desequilibrar o que resta da civilização cristã. O senhor poderia fazer uma apreciação sobre esse ponto, e também sobre o papel da Escola de Frankfurt neste processo?
Vamos retomar o que afirmamos na resposta à segunda pergunta. A rejeição do Logos — das leis morais e religiosas, da metafísica e da razão humana — levou a uma reversão da antropologia. O homem clássico teve, no auge, a razão, ou seja, a faculdade humana mais elevada e aquela que o aproxima de Deus (de passagem, ‘razão’ é outra das traduções possíveis para a palavra grega Logos).
As paixões estão a serviço da razão. Também chamadas emoções, elas devem guiar o homem para o bem e para longe do mal, identificado pela razão. Essa antropologia se resume perfeitamente no mito platônico da biga alada. A modernidade destrona a razão e coloca as paixões no posto de comando. É uma antropologia invertida.
A paixão humana mais fácil de despertar, e a mais poderosa, é sem dúvida o impulso sexual. É por isso que, com a psicanálise freudiana, mas ainda mais explicitamente com Reich (1897-1957) e com a chamada “Escola de Frankfurt”, há uma entronização real da sexualidade como rainha da pessoa humana, podendo até mesmo conduzir a sociedade por meio da conhecida “revolução sexual”.
Segundo o cardeal Godfried Danneels, o homem moderno, privado do sentido e do horizonte último da vida, condenado pela cultura moderna a uma vida exclusivamente material, mostrou todo o seu sofrimento com o desenvolvimento da neurose.
Não obstante todo o quadro que o senhor mencionou, gostaríamos de terminar com um tom de esperança. Que possibilidades o senhor vê no horizonte, de se retomar uma orientação psicológica lastreada na natureza e na fé cristã? Acha que este seria um remédio para a crise moderna?
Pessoalmente, venho trabalhando há décadas em torno do renascimento de uma psicologia afinada e voltada para o Logos. Os resultados não são empolgantes, mas um grupo cada vez maior de colegas está se aproximando desse esforço. Graças a eles, iniciativas nesse sentido também se multiplicam. Estou cada vez mais convencido, especialmente do ponto de vista clínico, de que esta é uma psicologia capaz de responder às múltiplas necessidades do homem contemporâneo. Na verdade, os resultados da psicologia e da psicoterapia modernas não são alentadores.
Com Freud e a chamada “Escola de Frankfurt”, há uma entronização da sexualidade como rainha da pessoa humana, podendo até mesmo conduzir a sociedade por meio da conhecida “revolução sexual”.