| EDITORIAL |

A epopeia de São Domingos de Gusmão

A Santa Sé declarou “Ano Jubilar” o período compreendido entre a Epifania (6 de janeiro) de 2021 e a de 2022, em comemoração dos 800 anos da morte de São Domingos de Gusmão, o grande santo fundador da Ordem Dominicana, sustentáculo da fé católica e flagelo dos hereges.

A Santa Mãe de Deus lhe ensinou a recitação do rosário e o constituiu apóstolo da difusão dessa magnífica devoção na França e no mundo inteiro. Empunhando o santo rosário e a espada da palavra, ele foi um verdadeiro inquisidor e cruzado contra os albigenses, heresia gnóstica e maniqueísta que infestava a França no século XIII.

O nome desses hereges deriva de Albi, cidade do sudoeste francês, também conhecidos como cátaros, por se vangloriarem de ser “perfeitos”. Enquanto macaqueavam as virtudes da Igreja Católica, negavam seus dogmas e, à maneira dos progressistas de nossos dias, procuravam ocultar os próprios erros. São Domingos os refutou e converteu muitos deles, mas uma parte permaneceu irredutível.

Como continuavam a provocar grandes danos — inclusive materiais, como o incêndio de igrejas católicas — e a perverter inúmeras almas, o santo contou com o apoio do Papa Honório III na organização de uma cruzada para lhes quebrar o ímpeto e exterminá-los.

O que ele obteve vitoriosamente com o auxílio de senhores feudais, sobretudo com o forte apoio militar do Conde Simão de Montfort.

Em rápidas pinceladas, a empolgante epopeia de São Domingos é o tema da matéria principal da presente edição de Catolicismo.

Que do mais alto da glória celeste este destemido e santo varão nos inspire e interceda por nós, nesta cruzada espiritual contra uma heresia ainda muito mais ardilosa e extensa que a do tempo dele.


| AUTODEMOLIÇÃO |

Os fiéis têm pleno direito de se defenderem de uma agressão litúrgica – mesmo quando esta provém do Papa

José Antonio Ureta

Com um golpe de caneta, no dia 16 de julho (festa de Nossa Senhora do Carmo), o Papa Francisco tomou medidas concretas para abolir na prática o rito latino da Santa Missa, que vigorou substancialmente desde São Dâmaso, no fim do século IV — com acréscimos de São Gregório Magno no fim do século VI —, até o missal de 1962, promulgado por João XXIII.

A intenção de restringir gradualmente, até a sua extinção, o uso desse rito imemorial, patenteia-se na carta que acompanha o ‘motu próprio’ Traditionis Custodes, na qual o pontífice reinante insta os bispos do mundo inteiro a “atuar para que se regresse a uma forma celebrativa unitária” com os missais de Paulo VI e João Paulo II, que passam a ser “a única expressão da lex orandi do Rito Romano”. Sua consequência prática é que os sacerdotes de rito latino não têm mais o direito de celebrar a missa tradicional, só podendo fazê-lo com permissão do bispo — e da Santa Sé, para os que doravante forem ordenados!

A pergunta óbvia que surge diante dessa drástica medida é a seguinte: um tem um Papa poder para derrogar um rito que vigorou na Igreja por 1400 anos e cujos elementos essenciais provêm dos tempos apostólicos? Porque, se de um lado o Vigário de Cristo tem a plena et suprema potestas nas matérias atinentes “à disciplina e ao governo da Igreja difundida pelo orbe”1, conforme ensina o Concilio Vaticano I , de outro lado ele deve respeitar os costumes universais da Igreja em matéria litúrgica.

A resposta é dada de maneira peremptória no parágrafo n° 1125 do Catecismo da Igreja Católica promulgado por João Paulo II: “Nenhum rito sacramental pode ser modificado ou manipulado ao arbítrio do ministro ou da comunidade. Nem mesmo a autoridade suprema da Igreja pode mudar a liturgia a seu bel-prazer, mas somente na obediência da fé e no respeito religioso do mistério da liturgia”.

Comentando esse texto, o então Cardeal Joseph Ratzinger escreveu: “Parece-me muito importante que o Catecismo, ao mencionar os limites do poder da suprema autoridade da Igreja com relação à reforma, chame a atenção para aquela que é a essência do primado, tal como é sublinhado pelos Concílios Vaticanos I e II: o papa não é um monarca absoluto cuja vontade é lei, mas o guardião da autêntica Tradição e, por isso, o primeiro a garantir a obediência. Ele não pode fazer o que quiser, e justamente por isso pode se opor àqueles que pretendem fazer tudo o que querem. A lei a que deve se ater não é a ação ad libitum, mas a obediência à fé. Por isso, diante da liturgia, tem a função de um jardineiro e não a de um técnico que constrói máquinas novas e joga as velhas fora. O ‘rito’, ou seja, a forma de celebração e de oração que amadurece na fé e na vida da Igreja, é forma condensada da Tradição viva, na qual a esfera do rito expressa o conjunto de sua fé e de sua oração, tornando assim experimentáveis, ao mesmo tempo, a comunhão entre as gerações e a comunhão com aqueles que rezam antes de nós e depois de nós. Assim, o rito é como um

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