Marcos Machado
Joana ainda não completara 18 anos e já havia acumulado — sem auxílio de rádio, TV e menos ainda de smartphone — um acervo de histórias e contos com os quais sabia entreter meus irmãos e primos. Ela era um atrativo de nossas férias escolares, quando andávamos nos primeiros anos da adolescência.
Terminado o serviço da casa, que incluía a limpeza do fogão à lenha, Joana sempre deixava aquela mistura de brasas e cinzas onde colocava o milho-pipoca. Era uma boa experiência para meus primos citadinos ver o milho saltar após uma pequena explosão que espalhava um pouco de cinza. Não nos perturbava saborear o milho-pipoca — agora em forma de estrela — meio envolto em cinzas. Cada um disputava à medida que iam estourando.
Joana era analfabeta e talvez também o fossem seus pais e avós. Entretanto ela sabia contar histórias que aprendera em sua casa e nos encantava — é preciso dizer — mais do que minhas irmãs que frequentavam colégios, mas não tinham a verve e o encanto que se encontram na raça negra. Deus deu a cada raça o seu encanto próprio.
Chegado o tempo da Quaresma, ela tirava do seu imaginário as histórias que nos impressionavam, pois naquele tempo ninguém dançava nesse período. E quem se aventurasse a fazê-lo, segundo as histórias dela, sempre tinha a surpresa de, aproximando a meia-noite, aparecer um jovem muito elegante e fascinante.
Prestando mais atenção, via-se que ele tinha umas luzes nos pés, e se alguma moça aceitasse seu convite para dançar, exatamente à meia-noite esse jovem se transfigurava e, numa explosão, deixava exalar o mau cheiro do enxofre. Era o castigo de Deus para punir as jovens que promoviam bailes durante o período da Quaresma.
Lembro-me do fascinante caso de uma debutante que completaria 15 anos na quarta-feira da Paixão. Insistiu tanto, que conseguiu dos pais um baile no dia anterior. Mas a condição era de que o baile se encerrasse antes da meia-noite, para não ferir a quarta-feira santificada.
Aproximando-se da hora-limite para o encerramento do baile, surge no salão um jovem desconhecido daquela região. Pelo seu porte, seu encanto, sua conversação, encantou a jovem debutante, convidando-a para dançar. Mas o relógio marcava implacavelmente o tempo, e à meia-noite deu-se aquela explosão, com um fortíssimo cheiro de enxofre.
A debutante, segundo a simpática narradora de causos, acabava de dançar com o próprio o demônio. Lições, contos, histórias que a raça negra sabe narrar com o charme que não é dado a outros.