| MEMÓRIA |(continuação)

“A Cruz permanece de pé enquanto o orbe gira”

Nenhuma outra autoridade tem palavra tão privilegiada como a de um Pontífice romano para evocar o senso histórico. Nenhuma outra instituição ocupa lugar tão central nos acontecimentos humanos como a Roma papal.

A História se passa ao pé da cruz, segundo o lema da Grande Cartuxa: Stat Crux dum volvitur orbis (a Cruz permanece de pé enquanto o orbe gira). É, portanto, no conhecimento dessa História que encontramos a única chave verdadeiramente interpretativa dos acontecimentos de qualquer época. A História da Igreja faz as vezes para todo cristão de um tratado de vida espiritual no qual se encontram traços de heroísmo, feitos de inteligência e de criação civilizadora como em nenhuma outra narração. Esse documento pontifício entregava ao mundo uma análise clara e sucinta das raízes profundas da crise contemporânea.

O “Legionário” tantas vezes assinalou em suas páginas a imensa preocupação com as mudanças sociais velozes, por vezes tresloucadas, no mundo do após Segunda Guerra Mundial. Em 1902, o documento de Leão XIII aparecia como feixe de luz da Verdade emitido pelo Magistério Romano. Meio século depois de sua publicação, Plinio Corrêa de Oliveira mostra ao mundo que aquela luz é perene e torna clara a misteriosa fonte dos erros contidos naquelas mudanças.

Três marcos destrutivos dos valores da civilização cristã

Quem pusesse dois quadros numa só moldura, de um lado uma cena dos “tempos em que a filosofia do Evangelho governava os Estados nos quais dominava a influência da sabedoria cristã”, isto é, a Idade Média, e de outro uma cena característica da sociedade atual, perguntaria como foi possível tamanha transformação. Em outras palavras, perguntaria como foi possível tamanha decadência representada pela negação dos princípios do Evangelho.

O documento “Chegados ao vigésimo quinto ano”, apresenta as linhas gerais dessa negação. Trata-se na realidade de uma só negação em três etapas. A primeira etapa foi a negação de Lutero — também ela uma tríplice negação, do papado, do papel central de Nossa Senhora na história da salvação e da Sagrada Eucaristia.

A Revolução Francesa é a segunda grande etapa histórica. Ela se serviu inteiramente dos princípios da revolta luterana, aplicando-os ao campo social. Os revolucionários de 1789 insurgiram-se contra o Rei assim como Lutero revoltou-se contra o Papa, e proclamaram a soberania popular assim como o governo de seitas protestantes é feito pelos adeptos de base.

A doutrina comunista assenta-se sobre os mesmos princípios destas duas grandes negações anteriores, aplicando-os de modo turbulento e sanguinário no campo econômico da sociedade. Esta terceira etapa, pode-se hoje observar, ainda assola o mundo contemporâneo incinerando igrejas e monumentos glorificadores do passado cristão, vertendo sangue em alguns países, como na China vermelha.

Assinala Leão XIII ser esta a guerra implacável movida contra a Santa Igreja e a civilização cristã. Por que destruir a Cristandade medieval “que deu frutos superiores a toda a expectativa?”. O Papa ainda pergunta, estabelecendo um paralelo entre a História da Igreja e a vida de seu divino Fundador: “Que mal fez ou em que desmereceu o Divino Redentor? Descendo até os homens pelo impulso de uma caridade infinita, ensinou uma doutrina imaculada, confortadora, eficacíssima para irmanar os homens na paz e no amor; não desejou grandezas terrenas nem honrarias, não usurpou o direito de ninguém; foi, ao contrário, infinitamente compassivo para os fracos, os doentes, os pobres, os pecadores e oprimidos, tendo passado a sua vida a difundir, entre os homens, prodigamente, os benefícios divinos.” Contudo, foi crucificado. Não admira, portanto, que a Igreja Católica, continuadora de sua missão divina e depositária incorruptível de sua verdade, tenha encontrado a mesma sorte de seu Mestre.

Incompreensível silêncio sobre tão oportuno documento Pontifício

A Carta Apostólica do Papa, contendo princípios vitais para o mundo católico, ficou ignorada nos meios eclesiásticos. Dela pouco se falou. Não foram constituídos, nas numerosas associações católicas do início do século XX, círculos de estudo, debates, análise dos fatos sociopolíticos de então à luz de seu ensinamento.

Os comentários não passaram de murmúrios e elogios pro forma, fazendo-se sobre ela incompreensível silêncio, quando eram necessários não só estudos dos princípios nela expostos, mas também o aprendizado de sua aplicação à realidade. Por que o desprezo da interpretação dos fatos históricos dispensada pelo Papa?

Seria uma remota preparação dos espíritos a fim de que, 60 anos mais tarde, a Teologia da Libertação viesse propor a sua interpretação histórica dos mesmos fatos, mas segundo a doutrina marxista? Quem pusesse dois quadros numa só moldura, de um lado os princípios da Teologia da História apresentada por Leão XIII e de outro o amálgama desonesto e confuso de princípios tomistas e marxistas da Teologia da Libertação, poderia se perguntar: – Diante desse quadro dantesco, como foi possível tamanha mutação no interior sagrado da Igreja?

Igualitarismo, substrato comum das três Revoluções

Mil tendências doutrinárias, literárias, artísticas espúrias se infiltraram na Igreja, particularmente depois do Concílio Vaticano II, eivadas de erros prenunciativos dos enganos atuais. Estas mil tendências são analisadas por Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro Revolução e Contra-Revolução.

Nessa obra o autor retoma o ensinamento da Carta Apostólica “Chegados ao vigésimo-quinto ano”, denomina como “Revolução” as negações feitas nas três etapas do processo histórico assinalado por Leão XIII, mostrando ser o igualitarismo — ao lado da sensualidade — o substrato profundo comum ao Protestantismo, à Revolução Francesa e ao Comunismo. Igualdade eclesiástica no Protestantismo, igualdade social na Revolução Francesa e igualdade econômica no regime comunista.

A igualdade constitui o princípio demolidor da civilização cristã. Hoje ela proclama o nivelamento absoluto entre pessoas, entre sexos e raças, igualdade nos modos de trajar, igualdade mesmo entre a Religião Católica e cultos pagãos primitivos. Como Deus criou os homens desiguais, a imposição da igualdade da sociedade atual assume caráter obrigatório.

Pessoas e grupos humanos são levados a perder a noção de seu papel, de sua dignidade e de sua honra, pois em todos os aspectos da vida uns tendem a se igualar aos outros, deixando sua autenticidade. Esse nivelamento se faz forçosamente rebaixando os mais altos, a fim de igualá-los aos elementos inferiores. E assim, negando a diferença natural dos melhores, o caos se difunde largamente por todos os aspectos da sociedade e prepara uma explosão causada pela revanche da natureza violentada.

Tivessem os católicos se mobilizado em torno do ensinamento do Papa Leão XIII, o caos contemporâneo e a violência que se lhe segue poderiam ter sido evitados. A obra Revolução e Contra-Revolução, fazendo eco às palavras do Pontífice, obtém larga difusão ao detalhar essa visão da Teologia da História.

* https://www.pliniocorreadeoliveira.info/Leao13_Parvenu.htm – https://www.pliniocorreadeoliveira.info/LEG_451125_PARTIDOSCANDIDATOSELEICOES.htm – https://www.pliniocorreadeoliveira.info/LEG_410720_enciclicas_Leao13.htm – https://www.pliniocorreadeoliveira.info/LEG_450513_AEXPERIENCIADE10ANOSDELUTA.htm
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