| MATÉRIA DE CAPA |(continuação)

imensidade de nuances que seria gravemente injusto não explicitar cuidadosamente. Mas, de qualquer forma através deste exemplo, temos sempre os dois princípios de qualquer colaboração com os adversários da Igreja:

a) em tese, é possível;

b) nunca deve ser feita sem cautelas e reservas muito importantes, à falta das quais a cooperação pode ser quase tão onerosa como a própria derrota.

No caso presente, a cooperação não é apenas possível, mas necessária. Quando nos falam na eventualidade de grupos se constituírem como uma terceira força na hipótese de uma luta soviético-americana, temos vontade de sorrir. Com efeito, dir-se-ia que não estamos vitalmente interessados no êxito da luta. Se os soviéticos vencerem, as potências do grupo neutro serão conquistadas num abrir e fechar de olhos. Lutando para esmagar a URSS, os norte-americanos lutarão pelo destino de todas as nações livres do mundo. Seria, pois, inconcebível que estas presenciassem a luta de braços cruzados.

Entretanto, não se segue daí que a cooperação com os americanos deva ser aceita pelo mundo católico sem cautelas, nem condições, nem apreensões. Lembremos, antes de tudo, que o anticomunismo americano é muito heterogêneo em sua composição. Há anticomunistas que o são por um sincero horror ao bolchevismo. Mas há os que o são num espírito pagão, de mera preservação de situações pessoais vantajosas.

Há ainda os que são anticomunistas pelo desejo de acrescer a prosperidade das grandes empresas americanas. Como há também os que veem na URSS não tanto uma potência ideologicamente hostil, mas um agressor que põe em risco a estabilidade da pátria. Entre os anticomunistas americanos, há sindicalistas ferrenhos, que desejam para sua pátria uma organização econômica e social. Há políticos que não têm o menor desejo de extirpar o comunismo de qualquer canto da Europa desde que daí não se irradie para a América. E há até os que veem de muito bom grado os comunistas como aliados, desde que sejam anti-stalinistas.

Bem se vê que os católicos, aceitando lealmente a cooperação americana, e sobretudo prestando aos americanos apoio decidido face ao adversário comum, não podem viver esta cooperação com chefes e soldados americanos como os cruzados — irmanados na mesma Fé e combatendo todos por um mesmo ideal — podiam colaborar entre si sob a direção de um católico da envergadura de Godofredo de Bouillon. Muito pelo contrário!

Não basta ganhar a guerra, é preciso ganhar a vitória

E concluamos estas considerações lembrando que o espírito com que se combate é o espírito com que se vence; o espírito com que se vence é o espírito com que se organiza a vitória.

Se, na refrega iminente, as nações católicas e latinas não conservarem a consciência muito viva de sua missão providencial, do imenso futuro histórico que representam, das tradições de civilização e cultura inestimáveis que possuem; se as nações católicas e especialmente as nações latinas não se lembrarem de que, pobres ou ricas, armadas ou desarmadas, têm direito a ocupar pelo próprio fato destas tradições e desta missão um lugar de primeiríssimo realce na direção do mundo, de sorte que toda a ordem internacional que se construa sem elas seja considerada fundamentalmente injusta e inaceitável; se, pois, estas nações não se munirem das melhores garantias de que tal será sua situação depois da vitória, terão transgredido, por ingenuidade, por moleza, por imprevidência, o mais sagrado de seus deveres.

Imaginemos por um instante o que seria uma vitória americana conquistada sem a participação de nós católicos, ou sem a garantia de que na mesa da paz nossa participação nos traria um justo lugar de honra e de poder. O que viria a ser esta paz? Algo de imensamente melhor do que a vitória de Moscou, isto é certo.

Assim, pois, a verdadeira fórmula da colaboração deve ser esta: fervorosa, porém não ingênua ou incondicional.

Isto mais claro se tornará se considerarmos outra característica do conflito que se aproxima. A guerra será mundial, dizíamos, e será sobretudo a vitória de uma nação, URSS ou EUA. Equivale isto a dizer que, se vencerem os EUA, praticamente serão eles os únicos vencedores, e seu poder será imensamente maior do que o de César ou de Carlos V. Não haverá outros grupos que possam atender esta soberania mundial, se antes e durante a colaboração com o adversário comum não forem tomadas as necessárias precauções.

Este, pois, é o momento em que as nações latinas — o grande bloco ibero-americano sobretudo — jogarão as cartas para saber se podem, ou não, ganhar a vitória. Porque, começado o conflito, a hora da diplomacia terá passado, e será preciso lutar ou morrer.


Diante das graves ameaças que rondam o Ocidente, envolvendo não só as nações numa eventual guerra mundial, mas também com sérias consequências para a Igreja, estamos diante de uma situação única na História, e que clama por novos “Godofredos de Bouillon”. A esperada intervenção da Providência anunciada em Fátima, em que direção se manifestará?


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