P.22-23 | ENTREVISTA | (continuação)

tões convidando para os clubes imorais da vida noturna.

Mas existe algum sinal de conversão da Rússia?

Não percebo qualquer vislumbre de ressurgimento de uma Rússia cristã, e que defenderá a família contra a avalanche de imoralidade e do liberalismo ocidental. Não faz sentido alguém dizer-se favorável à Rússia porque é contra os liberais.

Conservam-se ainda as tradições russas? O senhor se recordaria de alguma delas?

Em São Petersburgo está a Basílica de São Pedro e São Paulo, no centro da fortaleza de mesmo nome. Aí estão enterrados todos os tsares da Rússia a partir de Pedro, o Grande. Ela tem um campanário muito bonito, encimado por São Miguel, que é o padroeiro da cidade. Ao meio-dia em ponto o canhão da fortaleza troa, seguido do carrilhão do campanário, que executa o Hino Imperial da Rússia... Tudo isso para passar a ideia do império de todas as Rússias.

Como vêm funcionando a religião e as práticas religiosas na Rússia?

Trata-se de outro ponto que é preciso ter claro. Na Rússia existem três tipos de religiões. Uma é a religião do Estado, que é a Igreja Ortodoxa autocéfala do Patriarcado de Moscou, restaurada por Stalin. É por isso que Vladimir Bukovskij falava que não se deve dizer Igreja Ortodoxa, mas Igreja Staliniana. Até os anos 1990, para ser ordenado sacerdote da I.O. russa era preciso um documento da KGB. O atual patriarca de Moscou, Kyrill, foi agente da KGB com o codinome “továrisch Michailov”, como também o foi o anterior patriarca, Alexis, “továrisch Drozdov”. É tudo KGB, porque Igreja e Estado são unidos. União Soviética, comunismo, partido comunista e Igreja Ortodoxa são uma só coisa. Existe um segundo nível de religiões oficiais: hebraísmo, islamismo e budismo. Sem esquecer o xamanismo siberiano. No terceiro nível, estão as outras religiões, mal toleradas e, na realidade, perseguidas.

Qual o conceito que o russo tem de religião?

Na verdade, um conceito territorial. Certa vez cheguei a discutir lá na Rússia com um teólogo do Patriarcado de Moscou, o qual dizia que para eles o que interessa é ser russo, nascer em território canônico e sagrado que é a Rússia. O batismo para eles é quase secundário, uma espécie de selo que a Igreja manda imprimir, mas o fundamental é ser russo. As demais religiões são apenas mal toleradas. Por exemplo, as igrejas católicas não podem possuir fachadas de igrejas. A única com fachada de Igreja é a Catedral de Santa Catarina, na Nevsky Prospekt, em São Petersburgo, por decreto da então imperatriz Catarina, a “Grande”. A catedral de Moscou tem esse nome, mas na realidade é a igreja dos poloneses. Todas as outras igrejas devem estar escondidas atrás de fachadas anódinas.

Pode-se fazer apostolado católico na Rússia — por exemplo, rezar em público?

Absolutamente não, e caso o faça vai preso por fazer proselitismo... Cito um fato. No jardim em frente à catedral de Moscou, Dom Tadeusz Kondrusiewicz, ex-bispo de Moscou, construiu um parque de jogos para crianças. Imediatamente o Patriarcado de Moscou fez um protesto oficial, pelo fato de se estar fazendo proselitismo com meninos ortodoxos, uma vez que alguns deles entravam lá para brincar... Esse é o nível de “liberdade” que existe para a Igreja Católica na Rússia de hoje. Dois anos atrás, Putin fez nova lei restringindo ainda mais a liberdade das religiões não oficiais. Portanto, a situação da Igreja Católica, que já é muito limitada, pode ainda ficar pior, o que implica na questão da conversão da Rússia anunciada por Nossa Senhora em Fátima.

Nossa Senhora foi muito clara ao dizer que a Rússia espalharia seus erros pelo mundo, ou seja, seria um castigo para a humanidade.

A Rússia foi citada duas vezes por Nossa Senhora em Fátima, pouco antes de cair no comunismo.

Sempre que escrevo ou falo procuro ressaltar este ponto, talvez o mais importante de todos os que tratei até o momento nesta entrevista. Nossa Senhora foi muito clara ao dizer que a Rússia espalharia seus erros pelo mundo, ou seja, seria um castigo para a humanidade. Disse que haveria guerras e perseguições, que o Papa teria muito de sofrer, mas que, por fim, seu Imaculado Coração triunfaria, a Rússia se converteria e seria concedido ao mundo algum tempo de paz.

O senhor poderia ainda dizer uma palavra sobre a Ucrânia?

Historicamente, a Rússia nasceu da Ucrânia, e não o contrário. Quem primeiro se converteu ao catolicismo foi São Vladimir de Kiev, Príncipe de Kiev, da dinastia Rurik. Ele governava sobre a Rus’, que depois foi a Rússia. Por séculos a Rússia foi governada a partir de Kiev. Moscou surgiu mais tarde, São Petersburgo mais tarde ainda. Portanto, o que podemos chamar de Rússia católica original é o Principado de Kiev, que se chamava “Kievskaja Rus” (Rus’ de Kiev).

É difícil comparar Putin com Hitler?

No século XX se tem apresentado uma série de falsas alternativas. Por exemplo, no começo dos anos de 1920, a Itália caiu no chamado Biennio Rosso, em que os comunistas quase tomaram o poder. E qual era a alternativa? Podia-se escolher entre o Partido Popular, católico mas progressista, ou o Partido Fascista, anticomunista mas não ca-

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