| INTERNACIONAL | (continuação)

Petro: presidente com pés de barro?

Luis Guillermo Arroyave

Sorridentes, Petro faz com as mãos um coração, enquanto sua vice mostra o punho e o braço, sugerindo a força...

Estridentes manifestações de júbilo da esquerda, não só colombiana, mas latino-americana, acompanharam a vitória de Gustavo Petro nas eleições presidenciais realizadas em 19 de junho último na Colômbia. Sem dúvida, uma reviravolta profunda nesse país, oriunda do fato traumático de que, pela primeira vez na história colombiana, um presidente de esquerda, com raízes na guerrilha, assumirá o governo.

Pela primeira vez um esquerdista vence as eleições

É necessário um critério prévio e grave para interpretar o quadro atual. Embora tenha sido parlamentar por muitos anos, diplomata e prefeito de Bogotá, Gustavo Petro teve longa militância na extrema-esquerda — foi guerrilheiro do M-19, grupo desmobilizado em março de 1990, transformado depois em movimento político — e não virou as costas para o seu passado. Nunca renegou a doutrina que o levou a querer a ditadura proletária, por meio da luta armada. Declara-se, por outros caminhos, continuador dos objetivos primeiros.

Assim, não estamos diante de um convertido, mas de um astuto. Logo que empossado, posta a sua história, fará, em proporções ainda desconhecidas, mas de grande significado, frente comum em várias e importantes questões, com Cuba, Venezuela, Nicarágua, China, Rússia, México, Peru, Bolívia, Argentina. E com o Brasil, se conseguirem fazer o rejeitado Lula vencer as eleições de outubro próximo.

Debilidades disfarçadas

Gustavo Petro foi eleito presidente da Colômbia com 50,44% dos votos contra 47,31% do seu opositor Rodolfo Hernández, tachado de populista de direita. Longe de consagradora, magra se apresentou a vitória. Votaram 22.687.910 eleitores e a diferença entre os dois candidatos foi de cerca de 700 mil votos. Outro ponto pouco acentuado: compareceram às urnas 58,17% do eleitorado. Mais de 40% se abstiveram — o voto é facultativo no país. Fica árduo, quando não impossível, acreditar que nos 40% ausentes haveria expressiva porcentagem esquerdista. A esquerda fez fortíssima campanha a favor de Gustavo Petro. Ela compareceu em peso em 19 de junho e mostrou sua limitação. Petro recebeu apenas a metade dos votos de 60% do eleitorado — 30% do país com direito a voto o sufragou, 70%, não. E entre os 30% que o escolheram há grande porcentagem de voto de protesto, bem como de brado assistencialista. Peneirados, os votos provenientes da esquerda real serão bem menos do que os 30% dos sufrágios.

Em resumo, é um presidente fraco, que chega ao governo com pouco apoio. Situação disfarçada, como claramente afirma Raúl Zibechi, jornalista uruguaio de esquerda e analista político: “Nas análises das recentes vitórias eleitorais progressistas [refere-se ao Chile e à Colômbia], costuma-se omitir que chegam ao palácio sem maiorias parlamentares, em sociedades profundamente divididas, onde a direita se fortaleceu a ponto de poder vetar as mudanças”.

“Grande acordo nacional” ou “política do amor”

Quem é fraco, precisa de apoios. Do contrário, cai. Congruente com a situação de debilidade, Gustavo Petro procura com afinco apoios políticos e, até o momento, parece que os vem obtendo, como também tenta despertar ampla simpatia no público. Seu primeiro discurso como presidente eleito dá o tom da tática escolhida (a bem dizer inevitável, se quiser durar e impor ao país pelo menos parte do programa):

“A mudança consiste em deixar o ódio para trás. As eleições mais ou menos mostraram ‘Colômbias’ próximas em termos de votos. Queremos que a Colômbia, em meio a sua diversidade, seja uma Colômbia. E para que seja uma, necessitamos do amor. Entendida a política do amor como uma política de entendimento, diálogo, de nos compreender uns aos outros. Que significa a paz? Que os eleitores de Rodolfo Hernández são bem-vindos a esse governo, significa que Rodolfo Hernández, que fez uma campanha interessante, pode dialogar com esse governo quando queira. Significa que não vamos usar esse governo com a intenção de destruir o oponente. A oposição será sempre bem-vinda ao Palácio de Nariño. Não haverá perseguição política”.

A política do amor — memento “Lulinha paz e amor” na vitória do ex-presidiário em 2002 — se materializa no que o presidente tem chamado de “grande acordo nacional”.

Miragem do poder consagrador

Como parte do “grande acordo nacional”, existe em curso uma grande operação publicitária para apresentar o novo governo como forte, bem-visto no país e no Exterior, evidenciando incontroverso compromisso democrático. Na realidade, a encenação é bastante artificial. O novo governo, após a adesão desconcertante do Partido Liberal, obteve a maioria parlamentar pela qual batalhou intensamente. A construção política que se tenta fazer só terá vigência, porém, se predominar a cegueira e a traição nas numerosas lideranças das forças vivas que compõem a nação.

Petro já conseguiu o respaldo de 69 congressistas de um total de 102. Esta frágil colcha de retalhos, costurada às pressas, inclui até agora seis partidos: 20 congressistas fazem parte do Pacto Histórico (união de partidos de esquerda que apoiaram Petro durante a campanha), 15 são liberais, 14 conservadores, cinco do partido Comunes, 13 da Aliança Verde e dois são representantes indígenas. Em outras palavras, uma orquestra na qual será difícil conciliar a harmonia necessária dos instrumentos para alcançar as reformas que alguns desses mesmos partidos, devido a interesses

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