roação que há pouco assistimos porque essas nasceram quando “a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. [...] Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada com está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer” – como ensinou Leão XIII em sua encíclica Immortale Dei, de 1º de novembro de 1885. E essa memória mostrou que subsiste no fundo de milhões de almas e se reacendeu com as pompas reais da Grã-Bretanha.
O tufão nivelador de diabólicos imponderáveis que rebaixa as sociedades para um estado de coisas que chega a postular como ideal a vida tribal é soprado até por altas esferas eclesiásticas e filosóficas. Mas eis o paradoxo: um rei como Charles III ou uma rainha como Elizabeth II sendo coroados com ritos nascidos da civilização cristã, absolutamente anti-igualitários, não apenas calam os protestos relevantes, mas se erguem como uma imensa onda de simpatia popular universal.
O mundo inteiro festejou a coroação do rei inglês e o enterro da rainha como se as tradições que neles refulgiram fossem um valor comum a todos os povos. Com toda justiça histórica e religiosa, pode-se criticar que ditas pompas foram subtraídas da Igreja Católica e da civilização cristã por um rei, Henrique VIII, que apesar de ostentar o título de “Defensor Fidei” – título, aliás, que até o ecologista rei Charles III usa –, fundou uma seita de falsos bispos e de clérigos oficiantes que não são mais do que funcionários do Estado, teve costumes reprováveis em matéria de casamento, separou a Inglaterra da Igreja e usurpou a magnífica catedral de Westminster, outrora católica.
Entretanto, acima de tudo isso pairou à maneira de um anjo protetor que com lágrimas nos olhos e com uma espada de fogo na mão quer, para a glória divina, repor o reino inglês nos trilhos de sua vocação histórica. Vocação que tantos santos em visões privadas, e até Nossa Senhora em La Salette, anunciaram que se cumpriria com a conversão da nação inglesa e o grande papel que ela exerceria na conversão do mundo.
Diante de milhões de telas, homens, mulheres, crianças de todas as nações, das mais variadas profissões, das mais diversas opiniões, se aglomeraram ávidos de se embevecerem, ainda que por um instante, com o charme grandioso das cerimônias de fundo medieval. Bem pode ser que eles não percebessem, mas estavam sendo beneficiados pelo anjo protetor da Inglaterra que os levava a ver seu passado católico por cima da nódoa protestante e antegozando o maravilhoso futuro que espera ao reino retornado ao rebanho de Cristo.
Os povos se comoveram, por um imenso movimento de admiração quase religiosa, com a coroação que envolveu a instituição monárquica da Inglaterra, herdeira de Santo Eduardo o Confessor, cujos esplendores hierárquicos e anti-igualitários parecem tocar na Corte do Céu.
Um mundo histórico marcado pela honra, distinção, estima, afeto, e Justiça, tinha a seu lado um mundo oposto absolutamente injusto e demolidor.
A tradição católica superou o mundo nivelado, paupérrimo em símbolos, regras, maneiras, compostura, ordem e distinção, protestante ou comunista, e fez vibrar no mais fundo das almas a saudade daquilo que o homem tem cada vez mais falta e com o qual tão loucamente rompeu. O eco que nunca se apagou da ordem cristã medieval tocou de perto o homem ferido e maltratado por uma vida “moderna” construída com abstrações, quimeras e teorias ocas. Já na coroação de Elizabeth II e agora a de seu filho Charles III, houve um rejuvenescimento, um repouso e uma alegria que não se podia prever. Sentimentos que haviam se desabrochado também nos recentes dias dos funerais da rainha.
Oxalá não seja inapropriado excogitar que o mundo poderá atravessar no futuro as jornadas corretoras e dolorosas dos castigos de Fátima lembrando com saudade o entusiasmo que o empolgou durante os faustos da coroação do atual rei, e trilhar com vigor renovado as vias da conversão.