histórico é unanimemente reconhecido, baseada, como dissemos, no relato de testemunha ocular sobrevivente, que demonstra como Justino, o filósofo, ficou conhecido como “São Justino Mártir”.
Esse santo encontrou um modo de usar sua aguda inteligência e destreza dialética em defesa dos cristãos perseguidos, por meio das duas Apologias que escreveu.
A primeira, mais conhecida, foi dirigida ao Imperador Antonino Pio cerca do ano de 150, e o convenceu a considerar a Igreja com tolerância. Além de argumentar contra a perseguição de indivíduos apenas por serem cristãos, Justino também fornece ao imperador uma defesa da filosofia do Cristianismo e uma explicação detalhada das práticas e rituais cristãos da época. Pelo que Antonino deixou os cristãos em paz.
Ocorreu então que Marcos Aurélio Antonino assumiu o Império em 161. Em seu reinado, os cristãos eram considerados fora da lei, mas deixados em paz. Entretanto, esporadicamente ocorria que algum de seus subalternos mais zelosos, para atender aos pagãos que acusavam os cristãos nos momentos de crise, aplicavam a lei condenando-os.
Foi o que aconteceu no ano de 165. Justino escreveu então sua Segunda Apologia, dirigida ao Imperador Marcos Aurélio – que também era filósofo e autor de umas Meditações –, tentando demonstrar a injustiça das perseguições e a superioridade da fé católica sobre a filosofia grega. O santo argumentou com a força das suas convicções, afirmando que com isso temia ser mesmo condenado à morte por as ter expressado.4
Aliás, muitos eruditos consideram essa segunda Apologia como sendo apenas uma segunda parte da primeira, e que o santo a dirigiu ao Senado Romano, e não ao Imperador, protestando contra as injustiças cometidas contra os cristãos no Império. Nela Justino afirma que a conduta cristã, ao contrário do que se afirmava, era exímia e exemplar, de modo que eles, enquanto cidadãos, eram pessoas honradas e virtuosas.
O santo se levanta especialmente contra um dos acusadores dos cristãos, o filósofo Crescêncio, fanático pagão de quem exprobrara a depravação de vida e costumes: “Faço saber aos senadores que este é um caluniador, já amplamente envergonhado como tal”, diz ele.
São Justino sabe que se expõe a ser também condenado. Por isso afirma: “Eu também espero ser perseguido e crucificado por alguns desses que mencionei, ou por Crescêncio, esse irmão do ruído e da ostentação.”
De fato, por sua intrepidez na pregação da verdadeira religião, Justino acabou por ser preso com alguns companheiros, e levado diante do prefeito de Roma, Rústico.
Procurando mostrar-se conciliador, o prefeito deixou claro que Justino poderia salvar sua vida: “Obedeçam aos deuses, e cumpram os editos dos imperadores.” Justino respondeu: “Não há nada que desejemos mais ardentemente do que suportar tormentos em nome de nosso Senhor Jesus Cristo.” E argumentou: “Ninguém pode ser justamente censurado ou condenado por obedecer aos mandamentos do nosso Salvador Jesus Cristo.”
Entretanto, foi insidiosamente acusado pelo energúmeno Crescêncio de ser contra os deuses do Império, e propugnador da superstição. Justino foi então condenado como “ateu” (ou seja, subversivo, inimigo do Estado e dos seus cultos) juntamente com outros cristãos. Deveriam ser então decapitados.
No momento do martírio, São Justino ainda proclamou em tom de desafio: “Somos mortos com a espada, mas aumentamos e nos multiplicamos; quanto mais somos perseguidos e destruídos, mais surdos ficais aos nossos números. Como uma videira, ao ser podada e cortada de perto, brota novas ventosas, e dá uma maior abundância de frutos; assim é conosco.”
Embora o ano exato da sua morte seja incerto, pode razoavelmente ser datado pelo término do governo de Rústico (que governou a partir de 162 e 168). O relato do martírio de Justino é preservado no registro do tribunal do julgamento.
A maior parte dos escritos do santo se perdeu. No entanto, a sua voz continuou a falar. No Concílio Vaticano I, os bispos queriam que ele fosse recordado todos os anos pela Igreja universal [ou seja, canonizado].
Com efeito: “O contributo distintivo de Justino para a teologia cristã é a sua concepção de um plano divino na história, um processo de salvação estruturado por Deus, no qual as várias épocas históricas foram integradas numa unidade orgânica orientada para um fim sobrenatural; o Antigo Testamento e a filosofia grega encontraram-se para formar a corrente única do cristianismo. A descrição concreta de Justino das celebrações sacramentais do batismo e da Eucaristia continua a ser uma fonte principal para a história da Igreja primitiva. Justino serve, além disso, como testemunha crucial do estatuto do corpus do Novo Testamento do século II, mencionando os três primeiros Evangelhos e citando e parafraseando as cartas de Paulo e Pedro; foi o primeiro escritor conhecido a citar os Atos dos Apóstolos.”5
São Justino descreve a liturgia dominical como um sacrifício, e fala da Eucaristia como o verdadeiro corpo e sangue de Cristo. Afirma ainda que só podem recebê-la os batizados que acreditam nos ensinamentos da Igreja e estão livres de pecados graves.
Sua festa, celebrada antes a 13 de abril, um dia depois da data provável de seu martírio, como caía muitas vezes no tempo da Páscoa, foi transferida em 1968 para o dia 1º de junho.
A igreja dos jesuítas em Valletta (Malta), fundada por decreto papal em 1592, ostenta relíquias desse santo. Também a igreja de Santa Maria, em Annapolis (EUA), conserva parte de suas relíquias com a aprovação do Vaticano, em 1989. Em Höchst am Main, próximo de Frankfurt, Alemanha, há uma igreja carolíngia dedicada a São Justino, onde o culto católico vem sendo celebrado há quase 1200 anos.
Notas: