P.40-41 | MATÉRIA DE CAPA | (continuação)

passem cátedras, púlpitos, jornais e revistas católicos; que falassem sempre em nome da opinião católica. Em nossos dias chamar-se-ia a isto uma quinta coluna. Mas, no tempo de Pio X, o vocábulo ainda não existia É frisante o caso de um Sacerdote modernista cujo livro fora condenado. Perguntaram-lhe se revoltaria e deixaria a batina, ou se abjuraria suas ideias. Ele sorriu e, indicando que não faria uma coisa nem outra, deu esta resposta: “comprarei uma batina nova”.

Sagração de bispos franceses em 25 de fevereiro de 1906.

A posição de Pio X

O que faria o Papa? Diante do modernismo, fecharia os olhos? Muitos motivos pareciam aconselhar esta tática:

a) vários chefes modernistas eram inteligentes, capazes de uma atividade apostólica intensíssima, de uma probidade de vida indiscutível. Seria sumamente doloroso golpear pessoas dignas de tanta consideração;

b) depois, golpeando-as não se correria o risco de as arrastar à apostasia? Dado que entre os apóstatas eventuais estava número não pequeno de Sacerdotes, inclusive Religiosos, não haveria com isto notável escândalo para o povo fiel?

c) valeria a pena dividir os católicos numa época de lutas?

d) o Papa é pai de misericórdia. Fica bem ao seu ministério agir com severidade em relação a uma corrente em cujas fileiras haveria possivelmente multas pessoas bem intencionadas?

Este último ponto, especialmente, chamava a atenção. Pio X era de uma bondade angélica. Ninguém se aproximava dele sem experimentar os eflúvios de sua bondade. Iria ele agir com uma severidade que parecia tão contrária a seu temperamento?

A solução de um Santo

Primeiramente, com bondade paternal, Pio X advertiu em particular os principais responsáveis, aconselhando-os e exortando-os. Dada a inutilidade destes esforços, começou a tomar atitudes públicas, referindo-se ao assunto com uma energia cheia de prognósticos severos. A 3 de julho de 1907, a Sagrada Inquisição Romana e Universal publicou o famoso decreto Lamentabili, em que se condensavam as principais doutrinas modernistas, todas condenadas pela Igreja. Ainda isto não foi suficiente. Pio X deu então o golpe fulminante que foi a Encíclica Pascendi Dominici Gregis, de 8 de setembro de 1907, em que com uma energia que se poderia chamar hercúlea se, mais do que isto, não fosse sobrenatural, denunciou e estigmatizou o modernismo.

Nessa Encíclica, Pio X expõe longamente toda a doutrina modernista, mostra sua identidade com o pensamento ímpio em voga no século XX, historia as origens do movimento, sua tática, a perfídia de seus estratagemas, a insinceridade de seus processos de ação, e por fim indica os remédios para esta “torrente de gravíssimos erros que às claras e às ocultas se vai avolumando”.

Por fim, uma série de excomunhões das mais severas, expulsando das fileiras católicas muitos chefes do movimento, acabou por desmontar todo o sistema de incrustação modernista nas fileiras da Igreja.

A atualidade do exemplo

Antes de tudo, notemos como Pio X se colocou em posição inteiramente oposta ao campo dos que acham melhor recuar diante do adversário, e passar por debaixo dele, do que enfrentá-lo. É este um primeiro exemplo que devemos atentamente meditar.

De outro lado, notemos como Pio X – o próprio Pontífice em que os homens aclamavam uma bondade que mais parecia de Anjo do que de homem – soube ser de uma energia invencível face ao mal. É que a bondade não exclui a energia, pelo contrário, a completa. E contra os que se obstinam no mal cumpre ser enérgico em toda a medida do necessário para impedir que eles propaguem seus erros e transviem os bons. Assim é que age o Bom Pastor, em relação ao lobo com pele de ovelha...

Por fim, consideremos a confiança de Pio X no sobrenatural. A força da Igreja não vem dos homens, mas de Deus. No cumprimento de sua missão, não tem que recear, nem tiranos, nem multidões. Confiante em Deus, pode proceder com evangélico desassombro, porque a vitória será sua.

Estes exemplos têm uma aplicação profunda na vida de todos nós. Quando tivermos de lutar contra os erros modernos de que está saturado o ambiente que todos frequentamos, saberemos que nosso dever é de reagir e não de recuar. Quando um falso ideal de bondade nos sugerir a covardia diante da impiedade triunfante, saberemos que a bondade não consiste em permitir que os maus dizimem à vontade os nossos irmãos. Quando nos parecer que a luta é por demais desigual, continuaremos a lutar até com vigor redobrado, pois saberemos que nossa vitória vem de Deus e não de nós.


Oração a São Pio X

[composta pelo Papa Pio XII]

Ó bem-aventurado Pontífice, servo fiel de teu Senhor, discípulo humilde e confiante do divino Mestre, na dor e na alegria, nos trabalhos e nas solicitudes, experimentado Pastor do rebanho de Cristo, volve o teu olhar sobre nós, que estamos prostrados diante dos teus despojos virginais. Difíceis são os tempos em que vivemos; duras as fadigas que eles exigem de nós.

A Esposa de Cristo, que já esteve confiada aos teus cuidados, encontra-se de novo em graves angústias. Os seus filhos estão ameaçados por inumeráveis perigos na alma e no corpo. O espírito do mundo, como leão rugindo, caminha ao derredor, procurando a quem possa devorar. Não poucos lhe caem como vítimas. Têm olhos e não vêm; têm ouvido e não ouvem. Fecham os olhos à luz da verdade eterna; escutam as vozes de sereias a insinuar mensagens enganosas.

Tu, que foste aqui na Terra grande suscitador e guia do povo de Deus, sê auxilio e intercessor nosso e de todos os que se confessam seguidores de Cristo. Tu, que tiveste o coração despedaçado quando viste o mundo precipitar-se em luta sanguinolenta, socorre a humanidade, socorre a cristandade, exposta presentemente a perigos semelhantes; obtém da misericórdia divina o dom de uma paz duradoura, e como acréscimo a ela o retorno dos espíritos àquele sentido de verdadeira fraternidade, que somente pode reconduzir para junto dos homens e das nações a justiça e a concórdia desejadas por Deus.

Assim seja!


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