Estamos em Viena, no início do século XIX. Apesar de sua aparente inocência, uma revolução havia começado nos salões palacianos e nas festas populares com a valsa, a dança que domina os ambientes e os corações. Os rodopios frenéticos e descontrolados extenuam os dançarinos, mas eles não conseguem parar. Algo similar aos efeitos do ópio os mantém girando!
Muitos consideram hoje a valsa como algo tradicional, mas a história comprova o caráter revolucionário da nova dança. No interessante livro “Viena no tempo de Mozart e de Schubert”, o autor, Marcel Brion, comenta: “O viver para dançar e morrer de tanto dançar tinham cativado inteiramente os vienenses, que não pensavam em outra coisa”.
E mais adiante, o autor se pergunta o que era a dança para os vienenses: “Era um narcótico? Ou, pelo contrário, um estimulante? Nós ignoramos. Era um fruto singular, carregado de doçura e demonismo, de loucura e nobre leveza, [...] o aparecimento da valsa transformou o amor vienense pela dança numa paixão desordenada. A valsa (do latim volvere, rodar) pode ser encarada como uma dança revolucionária. Rodar sobre si mesmo, participando de uma revolução coletiva... A vivacidade dessa revolução e a liberdade que se toma apertando a parceira contra o corpo fizeram com que a valsa fosse considerada licenciosa (imoral)”.1
O processo corre lento e de maneira quase imperceptível, mas quais serão as consequências dessa revolução? Os comportamentos e as mentalidades caminham para o desregramento cada vez maior, o desejo de quebrar as barreiras tradicionais, de viver o agora e de gozar a vida.2 Só o recuo de 200 anos nos dá ocasião de compreender esse mecanismo de instauração do caos.
É de se notar a conexão íntima da valsa com o romantismo exacerbado do século XIX. Plinio Corrêa de Oliveira constata que “de um certo ângulo, o erro do romântico consistia em fazer do sentimento o ápice e o termo de toda a vida mental. Erro, sem dúvida, e erro grave, que produziu na história da cultura ocidental funestas consequências”.3
Dizem que os vienenses, e em geral todos no Ocidente, dançaram valsa até explodir a 1ª Guerra mundial. O conflito – que trazia os sinais de um castigo – gerou uma espécie de desilusão com aquele brilhantismo dos salões de dança. Mas os corações tinham afundado na revolução do sentimentalismo e da irracionalidade, intimamente relacionados com os ritmos aliciantes da valsa. E continuaram ladeira abaixo...
A decadência anterior foi suplantada por outra ainda mais insana. Após a grande guerra, vieram os “roaring twenties”, isto é, os loucos anos vinte, que acarretaram mudanças significativas no estilo de vida e na cultura da época4. Não é difícil observar que tais transformações rumam sempre para a desordem das paixões e dos sentidos. A intemperança e o desequilíbrio se revoltam contra as antigas maneiras da sociedade e da cultura, e vão assumindo as mentalidades e todos os aspectos da vida.
A depressão econômica de 1929 acabou com a festa dos loucos anos 20. Logo depois, a Segunda Guerra Mundial parece ter vindo como novo castigo àqueles desregramentos, resultando em mais de 70 milhões de mortos, instituições e sociedades desmoronadas e relações internacionais postas às avessas. Com o fim da guerra, os homens continuaram a marcha da revolta e afundaram ainda mais na loucura, agora já bem próxima da barbárie.
Nos anos 50, a revolução do Rock and Roll desponta na América e se espraia mundo afora. O maior símbolo desta onda é Elvis Presley: “No porte, no gesto, na fisionomia deste pobre jovem, tudo indica o desencadeamento total da sensibilidade, subjugando inteiramente a vontade, e determinando movimentos em que absolutamente não se notam o equilíbrio, o bom senso, a compostura inerentes, ação rectrix da inteligência. Os nervos doentios e superexcitados [...] vibram sem outra razão, sem outro ponto de partida e sem outro objetivo senão o prazer mórbido de vibrar, e cujo frenesi pede por sua vez vibrações sempre maiores.
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