P.42-43 | DISCERNINDO |

200 anos de revolução cultural rumo ao caos

Paulo Henrique Américo de Araújo

Estamos em Viena, no início do século XIX. Apesar de sua aparente inocência, uma revolução havia começado nos salões palacianos e nas festas populares com a valsa, a dança que domina os ambientes e os corações. Os rodopios frenéticos e descontrolados extenuam os dançarinos, mas eles não conseguem parar. Algo similar aos efeitos do ópio os mantém girando!

Muitos consideram hoje a valsa como algo tradicional, mas a história comprova o caráter revolucionário da nova dança. No interessante livro “Viena no tempo de Mozart e de Schubert”, o autor, Marcel Brion, comenta: “O viver para dançar e morrer de tanto dançar tinham cativado inteiramente os vienenses, que não pensavam em outra coisa”.

E mais adiante, o autor se pergunta o que era a dança para os vienenses: “Era um narcótico? Ou, pelo contrário, um estimulante? Nós ignoramos. Era um fruto singular, carregado de doçura e demonismo, de loucura e nobre leveza, [...] o aparecimento da valsa transformou o amor vienense pela dança numa paixão desordenada. A valsa (do latim volvere, rodar) pode ser encarada como uma dança revolucionária. Rodar sobre si mesmo, participando de uma revolução coletiva... A vivacidade dessa revolução e a liberdade que se toma apertando a parceira contra o corpo fizeram com que a valsa fosse considerada licenciosa (imoral)”.1

Valsa: rodopios frenéticos e descontrolados extenuam os dançarinos, mas eles não conseguem parar. Algo similar aos efeitos do ópio os mantém girando!

Revolução do sentimentalismo e da irracionalidade

O processo corre lento e de maneira quase imperceptível, mas quais serão as consequências dessa revolução? Os comportamentos e as mentalidades caminham para o desregramento cada vez maior, o desejo de quebrar as barreiras tradicionais, de viver o agora e de gozar a vida.2 Só o recuo de 200 anos nos dá ocasião de compreender esse mecanismo de instauração do caos.

É de se notar a conexão íntima da valsa com o romantismo exacerbado do século XIX. Plinio Corrêa de Oliveira constata que “de um certo ângulo, o erro do romântico consistia em fazer do sentimento o ápice e o termo de toda a vida mental. Erro, sem dúvida, e erro grave, que produziu na história da cultura ocidental funestas consequências”.3

Dizem que os vienenses, e em geral todos no Ocidente, dançaram valsa até explodir a 1ª Guerra mundial. O conflito – que trazia os sinais de um castigo – gerou uma espécie de desilusão com aquele brilhantismo dos salões de dança. Mas os corações tinham afundado na revolução do sentimentalismo e da irracionalidade, intimamente relacionados com os ritmos aliciantes da valsa. E continuaram ladeira abaixo...

Revolta contra as antigas maneiras da sociedade

A decadência anterior foi suplantada por outra ainda mais insana. Após a grande guerra, vieram os “roaring twenties”, isto é, os loucos anos vinte, que acarretaram mudanças significativas no estilo de vida e na cultura da época4. Não é difícil observar que tais transformações rumam sempre para a desordem das paixões e dos sentidos. A intemperança e o desequilíbrio se revoltam contra as antigas maneiras da sociedade e da cultura, e vão assumindo as mentalidades e todos os aspectos da vida.

A depressão econômica de 1929 acabou com a festa dos loucos anos 20. Logo depois, a Segunda Guerra Mundial parece ter vindo como novo castigo àqueles desregramentos, resultando em mais de 70 milhões de mortos, instituições e sociedades desmoronadas e relações internacionais postas às avessas. Com o fim da guerra, os homens continuaram a marcha da revolta e afundaram ainda mais na loucura, agora já bem próxima da barbárie.

O cinema foi parte importante na grande transformação dos costumes antes da 2a. Guerra Mundial.

Nos anos 50, a revolução do Rock and Roll desponta na América e se espraia mundo afora. O maior símbolo desta onda é Elvis Presley: “No porte, no gesto, na fisionomia deste pobre jovem, tudo indica o desencadeamento total da sensibilidade, subjugando inteiramente a vontade, e determinando movimentos em que absolutamente não se notam o equilíbrio, o bom senso, a compostura inerentes, ação rectrix da inteligência. Os nervos doentios e superexcitados [...] vibram sem outra razão, sem outro ponto de partida e sem outro objetivo senão o prazer mórbido de vibrar, e cujo frenesi pede por sua vez vibrações sempre maiores.

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