| PALAVRA DO SACERDOTE |

Se a Igreja deixasse de ser “universal”, poderia continuar a se chamar “católica”?

Padre David Francisquini

PERGUNTA – Acompanho o site português de notícias religiosas 7 Margens e fiquei chocado com o artigo “Acabou o Sínodo, acabou a Igreja Universal… e o papel das mulheres permanece em aberto”, sobre a conferência de imprensa de apresentação do documento final do Sínodo sobre a sinodalidade. Interrogado sobre a passagem a respeito do diaconato feminino, o Padre Giacomo Costa, um dos secretários especiais da assembleia sinodal, respondeu que uma grande “novidade deste documento” é que “não se fala mais de uma Igreja universal” e não se encara a Igreja “como uma multinacional com suas filiais”. A Igreja é vista como “uma comunhão de igrejas que, juntas, caminham”, dando um testemunho de que “na diversidade é possível ser-se unido na fé e um único corpo em Cristo”. Pergunto se a Igreja deixasse de ser “universal”, poderia continuar a se chamar “católica”?

RESPOSTA – A pergunta do missivista tem todo cabimento. Na verdade, o adjetivo “católico”, tradução do grego katholikós (por sua vez, derivado de kathá — através, completamente — e holos — inteiro, tudo), quer dizer precisamente “geral”, “universal”. Logo, ao menos semanticamente, a nova Igreja não-universal do Pe. Costa não seria mais a Igreja Católica.

E tampouco seria “católica” do ponto de vista teológico, pois o que está implícito nas suas palavras é que diferentes igrejas particulares poderiam ter respostas diversas a respeito de muitas questões, por exemplo, na questão do diaconato das mulheres. A primazia da igreja de Roma — Sé de Pedro — ficaria, assim, reduzida a um primado de honra, já que as demais igrejas não são meras filiais dela e podem, portanto, dar soluções doutrinariamente diferenciadas em temas nos quais existem várias opiniões. Era, pelo menos, a autonomia das igrejas locais em matéria doutrinária que reclamavam, no imediato pós-Concílio, teólogos progressistas como Hans Küng, Leonardo Boff e um longo “etcétera”.

“Creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica”

Mas, para medir a gravidade desse assunto, é preciso compreender todo o alcance da “catolicidade” da Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Como é sabido, a catolicidade é uma das quatro notas da Igreja, conforme rezamos no Credo: unam, sanctam, catholicam et apostolicam Ecclesiam. As quatro “notas” são propriedades intrínsecas da Igreja, que lhe foram conferidas por Nosso Senhor e que constituem a sua essência. Elas têm de característico que, além de serem propriedades internas (sem as quais Ela deixaria de ser a Igreja), elas são visíveis, tornando-A reconhecível por aqueles chamados a pertencer a Ela.

Se a unidade é a nota mais essencial e a santidade a mais preciosa das propriedades da Igreja, a catolicidade é a que mais A distingue das falsas igrejas heréticas e/ou cismáticas. Ela designa uma extensão temporal, cobrindo a universalidade das eras, mas sobretudo uma extensão territorial, porque, ao contrário do Povo Eleito do Antigo Testamento, a Igreja está chamada a estender-se ao mundo inteiro, conforme o derradeiro mandato de Jesus aos Apóstolos: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15).

Essa extensão territorial não precisa dar-se de fato (não existia nas primeiras comunidades cristãs, que eram uma gota d’água no globo), mas ela sempre existiu de jure, ou seja, de direito, posto que a Igreja tinha a vocação e o direito de estender-se ao mundo inteiro (e esperamos que o fará no Reino de Maria).

Também não precisa ser uma universalidade física, bastando que seja moral, isto é, que Ela tenha uma tal extensão no mundo que a torne visível e que sua força, grandeza e capacidade de expansão sejam perceptíveis por boa parte da humanidade.

Ensino integral e sem omissão dos dogmas católicos

Santo Inácio de Antioquia foi o primeiro a dar à Igreja o título de “católica”, dizendo que “onde está Jesus Cristo, aí está a Igreja católica”. Outros Padres da Igreja lhe deram esse nome, mas o que o fez de maneira mais notável e excludente foi São Cirilo de Jerusalém: “Se algum dia peregrinares pelas cidades, não indagues simplesmente onde está a casa do Senhor, porque também as seitas dos ímpios e as heresias querem coonestar com o nome de ‘casa do Senhor’ as suas espeluncas; nem perguntes simplesmente onde está a igreja, mas onde está a Igreja Católica; este é o nome próprio desta santa Mãe de todos nós, que é também a Esposa de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Instrução Catequética c. 18; nº 26)”.

O próprio São Cirilo explica aos catecúmenos o sentido dessa expressão: “A Igreja é chamada ‘católica’ porque existe em toda a superfície da Terra, de um extremo ao outro; porque ensina integralmente e sem omissão (katholikos kaianelleipos) todos os dogmas que devem ser levados ao conhecimento dos homens, tanto nas coisas visíveis quanto nas invisíveis, nas coisas celestes e nas coisas terrenas; porque leva ao mesmo culto todas as categorias de pessoas, governantes e súditos, instruídos e ignorantes; por fim, porque ela cuida e cura integralmente (katholikos) todos os tipos de pecados, tanto carnais quanto da alma; e mais, porque ela possui todos os tipos de virtudes, em atos, em palavras, em dons espirituais de toda sorte” (ibid. n° 23).

Novo conceito que põe em xeque a unidade da Igreja

Depois de Santo Agostinho o qual, em sua controvérsia com os donatistas, que existiam apenas num reduto geográfico, insistiu no caráter territorial do conceito de universalidade da Igreja , considera-se ordinariamente a “catolicidade” no sentido de difusão exterior. Mas o melhor é unir a explicação de Santo Agostinho à de São Cirilo e insistir a respeito da catolicidade qualitativa (comunhão de fé, de culto etc.) com primazia sobre a catolicidade quantitativa, ou seja, a universalidade territorial. Porque é nisso que a “catolicidade” e a “unidade” da Igreja aparecem como dois aspectos de uma mesma realidade.

Essa última consideração é muito importante, porque, sob o pretexto de “sinodalidade” — ou seja, de “caminhar juntos” à escuta de todos, especialmente dos “marginalizados” — está se promovendo um conceito de “universalidade” que põe em xeque a unidade da Igreja. A catolicidade da Igreja consistiria em Ela ser inclusiva, isto é, capaz de uma abrangência ilimitada, disposta a acolher e assimilar benignamente todas as opiniões, desde que sejam

Página seguinte