De nobre família romana, foi Confessor e Doutor da Igreja, governador civil de Milão e depois bispo, conselheiro de imperadores e do Papa. Teve papel decisivo na conversão de Santo Agostinho. Esta matéria se limitará a ressaltar sua coragem e a humildade de um imperador.
O
que pode ocorrer quando o poder espiritual e o temporal se chocam, ainda mais quando ambos são representados por figuras de relevo e de grande personalidade?
Se voltarmos mais de 1600 anos no tempo, poderemos ter uma boa ideia disso num episódio em que estavam, de um lado, o grande Santo Ambrósio, bispo de Milão, e do outro, Teodósio I, Imperador Romano do Oriente.
Em tal episódio fica muito patente a supremacia do poder espiritual sobre o poder terreno, apesar de se estar diante de um tão poderoso Imperador que mereceu da História o cognome de Magno.
Um dos mais ilustres Padres e Doutores da Igreja, Santo Ambrósio nasceu provavelmente pelo ano 340, quando seu pai era prefeito das Gálias, um dos cargos mais elevados a que se podia chegar no Império Romano do Ocidente.
Dedicou-se ao estudo e à prática do direito, carreira na qual se distinguiu tanto, que obteve do imperador Valentiniano I o cargo de governador consular da Ligúria e Emília, com residência em Milão.
Vagando a diocese milanesa e havendo tumulto entre católicos e arianos pela eleição do novo bispo, Ambrósio, como governador, falou ao povo, pedindo ordem e tranquilidade para proceder-se à eleição. Enquanto falava, uma voz infantil bradou: “Ambrósio bispo!” O brado foi imediatamente repetido pela unanimidade dos presentes, e o governador, apesar de ainda catecúmeno, foi eleito bispo de Milão. Convém lembrar que naquele tempo os bispos ainda eram eleitos por aclamação popular.
Santo Ambrósio foi um modelo do verdadeiro bispo católico, zeloso pela ortodoxia e pelo bem das almas, empreendedor, enérgico, mas benevolente, inteiramente intransigente em matéria de fé e costumes. Foi, por isso, um adversário formidável do arianismo e de todas as heresias que surgiram nos primeiros séculos da Igreja. Escreveu várias obras de valor, que lhe valeram o título de Doutor da Igreja.
Pode-se afirmar que Teodósio I foi de fato o primeiro imperador genuinamente cristão.
Nascido na Espanha pelo ano 346, por seu valor conquistou logo os primeiros postos no exército romano, até ser nomeado Imperador Romano do Oriente por Graciano, que herdara os dois Impérios. Teodósio esmagou os últimos vestígios do paganismo no Império, proibindo os sacrifícios pagãos, agouros e feitiçaria como crimes de lesa-majestade; pôs fim, nele, à heresia ariana, e proclamou a religião católica como religião do Estado.
Tendo vindo a Milão, depois de restaurar no Ocidente a ordem quebrada por um usurpador, Teodósio tomou-se de afeição pelo bispo dessa diocese, que considerava como modelo acabado de como deve ser um bispo católico. Santo Ambrósio também tinha estima por ele, em quem via um governante justo e piedoso.
Uma ocorrência viria perturbar o entendimento entre os dois. Em abril de 390, na cidade de Tessalônica, na Macedônia, o governador da cidade, muito amigo do imperador, e outros oficiais imperais foram mortos pela população enraivecida por ter sido posto a ferros um comediante muito querido da multidão. Quando a notícia da sedição chegou a Milão, Ambrósio e o concílio dos bispos, ao qual presidia, fizeram um apelo à clemência do imperador. Aparentemente tiveram êxito.
Entretanto, Teodósio, num mau momento, cedendo às pressões dos seus, que o acusavam de fraqueza, exclamou: “Já que toda a população é cúmplice do crime, que toda ela sofra o castigo”. E decretou que todos os tessalonicenses, sem exceção, fossem passados a fio da espada. Quando se arrependeu de sua precipitada ordem, já era tarde. O fato estava consumado. Assim, foram mortos indistintamente homens, mulheres e crianças, num total de sete mil pessoas.
Santo Ambrósio, horrorizado com tamanha carnificina e crueldade, escreveu enérgica carta ao imperador dizendo: “O que se fez não tem coisa que lhe pareça na memória dos homens. O único remédio ao mal é o testemunho do arrependimento”.
No domingo seguinte, como de costume, Teodósio foi à igreja para assistir ao Santo Sacrifício, como se
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