PERGUNTA – Recentemente o nosso pároco colocou no quadro de avisos um recorte sobre o 60° aniversário do dia em que Paulo VI abandonou o uso da tiara e a doou aos pobres. Resultou uma discussão entre as catequistas: algumas diziam que foi bom porque assim a Igreja ficava mais próxima dos pobres; outras retrucavam que o despojamento dos signos exteriores diminuía a autoridade do papa. O que o senhor acha disso?
RESPOSTA – Como diz bem nossa missivista, o gesto de Paulo VI, em 13 de novembro de 1964, ao abandonar o uso da tiara papal durante o Concílio Vaticano II e destiná-la aos pobres, foi carregado de simbolismo e provocou reações diversas.
De um lado, os progressistas viram na atitude papal um sinal eloquente de humildade e um desejo de aproximar a Igreja dos mais necessitados, em sintonia com os apelos de suposta “renovação conciliar”. Por outro, os prelados e os fiéis de orientação tradicional consideraram o ato uma desvalorização dos símbolos de autoridade do papado e da missão da Igreja de proclamar sua realeza espiritual.
Esses últimos é que tinham razão. A tiara papal, embora vista por alguns como um mero ornamento, carrega um profundo significado teológico e histórico. Sua tríplice coroa, introduzida progressivamente ao longo dos séculos, simboliza as funções supremas do Papa como sacerdote, rei espiritual e pastor universal. Renunciar a esse símbolo enfraqueceu a percepção da autoridade pontifícia de milhões de católicos e dos poderes terrenos.
Para se entender a gravidade dessa renúncia, é importante explorar as origens da tiara, seu desenvolvimento e o significado espiritual que ela encerra, além de refutar os argumentos teológicos por trás da decisão de Paulo VI.
A tiara papal remonta aos primeiros séculos do cristianismo, sendo inicialmente um simples gorro usado pelo Papa em cerimônias litúrgicas. Com o tempo, especialmente na Idade Média, ela foi enriquecida para refletir a crescente importância do papado como autoridade espiritual e temporal.
A tríplice coroa da tiara, consolidada a partir do século XIV, simboliza:
1. Realeza espiritual do Papa como Vigário de Cristo, representante do Reino de Deus na Terra.
2. Autoridade doutrinária como mestre supremo da fé e sucessor de São Pedro.
3. Papel de pastor universal, responsável por governar a Igreja em todo o mundo.
Esse ornamento não é apenas uma insígnia de poder, mas um lembrete visual da missão do Papa: enquanto Vigário de Jesus Cristo na Terra, servir, proteger e liderar a Igreja que Ele fundou e deixou como prolongamento de sua ação redentora.
A doutrina católica reconhece no Papa o sucessor de São Pedro, a quem Cristo conferiu as chaves do Reino dos Céus (Mt 16,19). Essa autoridade não é uma glória terrena, mas um serviço à Igreja e ao Evangelho. A tiara, portanto, não é um símbolo mundano de opulência, mas um signo religioso de uma autoridade de origem sobrenatural e de responsabilidade na condução do rebanho de Cristo.
São Gregório Magno (590-604), ao descrever o Papa como servus servorum Dei (servo dos servos de Deus), deu à função pontifícia seu caráter essencial de humildade e serviço. Contudo, o próprio São Gregório, assim como outros pontífices, reconheceram a necessidade de ornatos exteriores que reforcem a autoridade espiritual e mantenham a unidade da Igreja.
A Igreja sempre soube usar símbolos para comunicar verdades profundas. A renúncia a esses signos pode levar à confusão, pois o mundo contemporâneo frequentemente interpreta simplicidade como sinônimo de “camaradagem” e de falta de autoridade.
Paulo VI tomou sua decisão num momento de profundas mudanças dentro da Igreja, marcado pelo Concílio Vaticano II. O gesto do Papa pretendia ressaltar a missão da Igreja como serva da humanidade, especialmente dos pobres e marginalizados, e realçar o caráter espiritual do ministério petrino. Mas não levou em conta que isso representava um enfraquecimento da dignidade papal e uma ruptura com a tradição.
Além do mais, o abandono da tiara não deixava de ter um aspecto demagógico, numa década que viu desaparecer os antigos padrões de vestuário e novas modas no estilo desleixado dos “hippies”. Com seu gesto, Paulo VI deu a entender que a Igreja buscava se adaptar às tendências revolucionárias do mundo moderno.
No plano geopolítico, a renúncia à tiara preparou aquilo que Paulo VI afirmou no seu discurso de 4 de outubro de 1965 diante da Assembleia Geral da ONU, durante o qual, invertendo os papeis, ele pôs o papado ao serviço dessa organização e dos chefes de Estado e de governo lá presentes:
“Aquele que vos fala é um homem como vós e é vosso irmão, e mesmo um dos menores entre vós, que representais Estados soberanos, enquanto ele não se encontra investido — se quereis considerar-Nos sob este ponto de vista — senão de uma minúscula e quase simbólica soberania temporal: a mínima que se torna necessária para poder exercer livremente a sua missão espiri-
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