PERGUNTA – Bastante surpreso, tomei conhecimento de que o Papa Francisco, pela primeira vez na história da Igreja, nomeou uma mulher — a Irmã Simona Brambilla — para liderar, com o cargo de Prefeita, o Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Mais ainda: colocou ao seu lado, como seu subordinado, o Cardeal Ángel Fernández Artime, com o cargo de Pro-Prefeito. Sempre que ouço algo a respeito de uma novidade no Vaticano já fico arrepiado. Mas desta vez acho que Francisco esticou demais a corda. — Não lhe parece errado que uma freira seja chefe do órgão da Cúria romana responsável por todos os religiosos do mundo, e até mande num cardeal?
RESPOSTA – A perplexidade de nosso leitor tem todo cabimento, pois o que ele conta é verdadeiro e virou manchetes em jornais, em notícias de televisão e nas redes sociais. Sem dúvida, essa nomeação constitui a medida mais revolucionária e autodemolidora de todo o pontificado do Papa Francisco no que concerne à estrutura hierárquico-sacramental da Igreja Católica. Isso é tanto mais grave quanto dita estruturação hierárquica é de instituição divina e não pode ser mudada por mão de homem.
A essa gravidade intrínseca, que vou analisar a seguir, soma-se a circunstância agravante de ser uma concessão ao espírito mundano de nosso tempo, que encontra nas reivindicações das feministas uma de suas expressões mais avançadas.
No fundo, a ideia-força atrás dessa nomeação é o falso conceito revolucionário de que em tudo deve haver paridade entre homens e mulheres e de que os papéis masculino e feminino não resultam da natureza sexuada do gênero humano, mas são uma mera construção cultural.
De onde nasce o desvario de julgar que a promoção da mulher exige que as representantes do sexo feminino tenham igual acesso a todas as posições até hoje ocupadas majoritariamente pelos homens. O resultado dessa violação da ordem natural, que reserva à mulher a missão principal de ser mãe, é o dramático “inverno demográfico” e o envelhecimento da população mundial.
A submissão do Papa Francisco às pretensões do lobby feminista — que deseja impor à religião católica o acesso das mulheres às ordens sagradas e, portanto, à plena participação na Hierarquia — é, aliás, contraditória com suas próprias declarações, apenas dois anos atrás, de que a Igreja tem um “princípio petrino”, que funda a ministerialidade da Igreja, e um “princípio mariano”, segundo ele mais importante, “onde a Igreja vê um espelho de si mesma porque é mulher e esposa” de Cristo. Daí deduzia ele, com fundamento, que “a mulher não entrar na vida ministerial não é uma privação”1, pois ela pode exercer seus carismas próprios em outras esferas.
Mais ainda, em 2015, visitando os salesianos em Turim, comentou: “Vocês acreditam que nomear uma mulher chefe de dicastério é uma decisão forte? Isso é um funcionalismo. A mulher na Igreja tem o mesmo papel que Nossa Senhora na manhã de Pentecostes”2.
Se ele pensava assim em todos esses anos, por que agora nomear uma mulher como prefeita de um dos dicastérios mais importantes da Cúria romana, aquele que controla todas as ordens religiosas, congregações, institutos de vida consagrada e sociedades de vida apostólica?
Resulta bastante óbvio que as feministas dentro da Igreja vão servir-se desse precedente para reclamar, em outras áreas e em todos os níveis, a “paridade de gênero” que está sendo imposta, com a ajuda de quotas, na sociedade civil e no mundo laboral.
A pergunta que surgirá inevitavelmente é: se uma freira pode presidir um organismo do Vaticano, que dirige em torno de 700 mil pessoas, por que não pode “presidir” uma simples “assembleia litúrgica”, como se diz agora a respeito da Santa Missa?
Na Bélgica, já deram um passo absurdo nesse sentido: o Arcebispo de Malines-Bruxelas nomeou uma mulher “delegada episcopal”, em substituição de um bispo auxiliar, e ela decretou que, nas suas visitas às paróquias, deve entrar junto com o celebrante, fazer um “eco” às leituras (ou seja, um sermão) e ser designada pelo nome na oração do cânon em que o sacerdote declara que celebra em comunhão com o Papa e com seu bispo!
O mais grave, porém, na nomeação da Irmã Brambilla como Prefeita do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica é a subversão da estrutura hierárquica da Igreja, toda ela fundada no sacramento da Ordem. É o que passarei a explicar.
Como disse Dom Jacques Bossuet, o famoso bispo e pregador francês do início do século XVIII, “a Igreja é Jesus Cristo, mas Jesus Cristo derramado e comunicado a toda a Terra”. Ora, é principalmente a Eucaristia que torna o sacrifício e a obra redentora de Jesus continuamente presentes no mundo.
Mas isso somente pode acontecer por meio daqueles que têm o poder de tornar Cristo realmente presente na Santa Missa e de perdoar os pecados dos fiéis para que possam participar do Banquete eucarístico; ou seja, através daqueles que receberam o poder sacerdotal por meio da Ordem Sagrada.
Esta é a essência da ordem dentro da Igreja — um grupo estável de homens, dotados de um caráter sagrado impresso na alma, com o papel principal de tornar o sacramento da Sagrada Comunhão disponível. A potestas sacra é, principalmente, esse poder de ordem, dado de forma estável a diáconos, sacerdotes e bispos, no seu respectivo grau.
Mas Nosso Senhor Jesus Cristo não foi somente Sumo Sacerdote. Ele foi também Profeta e Rei e transmitiu aos Apóstolos e seus sucessores, junto com o poder de santificar, aquele de ensinar e governar. De onde a existência, na Igreja, de um poder de jurisdição sobre os membros da sociedade visível e perfeita que é, nesta Terra, o Corpo Místico de Cristo. Os detentores ordinários desse poder magisterial e governativo são o Papa (para toda a Igreja) e os Bispos (nas respectivas dioceses), únicos a compor a Sagrada Hierarquia. Contrariamente ao poder de ordem, o poder de jurisdição não imprime caráter e pode ser delegado.
Pelo fato de ambos os poderes sagrados (de ordem e de jurisdição) terem uma única origem — a autoridade de Jesus —, e uma única finalidade — a salvação eterna dos fiéis —, eles estão intimamente ligados entre si.
E o que os liga é o estado clerical, ou seja, a condição daqueles que foram separados (é o significado da palavra clerus) para o serviço exclusivo de Deus. De onde o Có-
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