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RAZÕES E CONTRARRAZÕES EM TORNO DE UM TEMA EFERVESCENTE

As discussões favorecem a luz, ou as trevas? a caridade, ou a discórdia? a unidade, ou a divisão?

Plinio Corrêa de Oliveira

Em princípio, a discussão entre católicos é um mal? Ou é um bem? A este respeito, as opiniões se dividem.

Para uns é um mal. Antes de tudo porque a discussão, e a fortiori a polêmica, são espécies adaptadas ao mundo das idéias de um gênero essencialmente mau e, sobretudo, essencialmente anticristão, que é a rixa. Neste vasto gênero, estão não só a briga de botequim, a briga doméstica, a vendetta siciliana ou o cangaço nordestino, como ainda, em esferas de atividade mais largas, a conspiração, as lutas intestinas, a guerra com o estrangeiro, e a guerra mundial. Há, pois, uma imensa gama de rixas, que vai do particular ao nacional e até ao internacional. E neste gênero tudo é maldito, pois tudo cheira a ódio, a ganância, a vaidade, a vingança, a traição, a carnificina. Ora, se a discussão e a polêmica são formas ideológicas de rixa, merecem elas a mesma execração. E ainda que alguém provasse que uma discussão pode em tese ser correta, distinta, elevada, tal execração não deveria descer de ponto. Pois é tão fácil cair-se desse alto nível para os mais fundos abismos da ira, e são estes tão atraentes para a maior parte dos homens, que, pelo simples perigo que encerram, as discussões mais elevadas constituem ocasião próxima de todos os desmandos de alma e de linguagem. Pelo que devem ser evitadas.

Acresce que as discussões e polêmicas só têm e só podem ter um fim, que é persuadir o adversário. E para este efeito elas são perfeitamente contraproducentes. Pois a discussão necessariamente irrita, ou pelo menos magoa. Ora, nessa disposição de espírito cresce a propensão do homem para se apegar a suas idéias. A discussão, em via de regra pelo menos, só tem por efeito, pois, aferrar em suas convicções a pessoa a quem delas quereríamos demover.

Mais particularmente devem ser censuradas as discussões quando os contendores são católicos. Pois muito maior é entre eles a obrigação da caridade. E esta obrigação torna ainda mais censurável que católicos discutam como tais, e em matéria que diz respeito à Religião. Pois faltar com a caridade a propósito de temas religiosos, que por sua natureza induzem veementemente à caridade, é um verdadeiro cúmulo de desatino e contradição.

Por fim, essas discussões e polêmicas desedificam. Pois quando elas ocorrem, é porque está em erro uma das partes, ou ambas. Ora, não convém revelar aos não católicos que um católico, ou toda uma corrente de católicos, está em erro. Pois no que pode isto edificá-los? Não seria preferível que eles só vissem o que entre nós há de edificante?

Em resumo, diz-se, é preferível evitar toda e qualquer discussão ou polêmica. Claro está que se deve atacar o erro. Mas para isto basta enunciar a verdade. Esta tem um tal poder sobre a mente humana, que naturalmente convence, encanta, arrebata. Máxime quando dita com muita caridade. Pois a caridade toca e faz vibrar no homem a corda boa que cada um traz no fundo do coração. Assim, construindo em lugar de destruir, irradiando amor em lugar de semear ódio, conquista-se o mundo para Cristo-Rei.

A posição radicalmente oposta a esta consistiria em achar que nada na vida é tão bom quanto a discussão. Tal posição é tão perfeitamente estúpida, e contraria tão violentamente a moleza, a preguiça, a displicência do comum dos homens que não me consta haver sido sustentada por alguém.

É claro que, quando há discussão e polêmica, ao menos um dos lados está em erro. Logo, se em um grupo, uma sociedade, um país há muitas discussões, há muitos erros. Quem pode achar que o haver muitos erros pode ser um bem?

De outro lado, disse Nosso Senhor que todo reino dividido contra si mesmo perecerá (Mt. 12, 25). Ora, as discussões e polêmicas são divisões. Logo, de si mesmas constituem um fator de deperecimento, e não podem ser consideradas como absolutamente boas.

Mas o que acabamos de afirmar se pode dizer de muitas outras coisas que nem por isto o homem rejeita. Antes as procura avidamente.

Assim, não se vai pretender que tomar remédio seja absolutamente um bem. Pois só toma remédio quem está doente. E a doença é um mal. Quando a população de uma cidade absorve muitos remédios, não se diz que por este fato ela é mais feliz do que a de outra em que o consumo dos remédios é quase nulo, por desnecessário. Antes pelo contrário. O mesmo se poderia dizer de mil outros objetos, como muletas, pernas e braços mecânicos, aparelhos para a surdez, dentaduras, óculos, etc. Em si, não são um bem. Pois se o fossem seria preferível a condição dos que os usam.

A exemplificação poderia ainda ser mais ampla. Todos reconhecem que as escolas, as bibliotecas, as livrarias são um bem. Entretanto, se nós, filhos de

(continua)

No portal da Catedral de Estrasburgo uma estátua de granito rugoso, em que se entranhou a poeira de séculos, mas que se conserva sempre bela e jovem, representa a Igreja. O Apóstolo diz da Esposa de Cristo que Ela não tem mácula nem ruga. Sua formosura lhe vem da doutrina perfeita, da santidade constante, da autoridade infalível. As misérias do tempo podem, por vezes, impregnar em larga medida seus elementos humanos, sem contudo atingir sua imortal perfeição. É que a beleza da Igreja é o mais límpido reflexo da própria beleza de Deus, e por isso nada tem Ela a perder com a manifestação plena da verdade.

Simetricamente com a figura da Igreja, aparece no portal da Catedral de Estrasburgo a da Sinagoga. De olhos vendados, recusa-se a ver a verdade. Tem junto de si um bastão quebrado, que já não lhe poderá servir nem para o mando, nem para o caminhar. Cegueira, invalidez: características lamentáveis de uma decrepitude que também ela não está nos acidentes mas na própria alma da Sinagoga. Toda a hediondez da filha de Satanás resulta de seu interior, — poder-se-ia dizer dela, ao contrário do que da Santa Igreja diz o Salmista. O erro só tem a perder quando com tanta clareza se lhe manifesta a natureza íntima.