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SÃO GREGORIO VII

(continuação)

de Latrão, Nicolau II promulga um decreto que introduz corajosa inovação nas eleições para o trono de Pedro; um ano após, o decreto é revigorado em novo Concilio, desta vez com uma formulação ainda mais contundente para as pretensões imperiais. Vejamos o seu texto:

"Em virtude de Nossa autoridade apostólica, renovamos a decisão que tomamos em outras Assembléias. Se alguém for entronizado sobre a Sé Apostólica pela ação do dinheiro, pelo favor dos homens, depois de uma sedição popular ou militar, sem a unanimidade, a eleição canônica e a benção dos Cardeais-Bispos, e mais a das ordens inferiores do Clero, seja ele considerado, não como Papa Apostólico, mas como apóstata. Seja permitido aos Cardeais-Bispos, com os Clérigos e leigos que vivem na piedade e no temor de Deus, expulsar da Sé Apostólica esse intruso, atingindo-o com o anátema e recorrendo aos meios de ordem humana, e depois instalar em seu lugar aquele que julgarem digno. Se não puderem chegar a esse resultado no interior da Cidade, em virtude de Nossa autoridade apostólica reúnam-se fora dela, no lugar que lhes convier, para eleger o que reputarem o mais digno e o mais útil à Sé Apostólica, concedendo-lhe o poder de governar a Santa Igreja Romana, de dispor de seus bens e de suas rendas, utilizando-as para o que for melhor, segundo as circunstâncias, como se já estivesse entronizado" (M .G .H., Legum sectio IV. Constitutiones et acta publica Imperatorum et Regum, t. 1, pp. 550-551 — apud A. Fliche, "La reforme gregorienne et la reconquête chrétienne 1057 à 1123", p. 18).

O decreto de 1059 ainda continha a cláusula: "... salva a honra e a reverência devidas a Nosso querido filho Henrique, atualmente Rei, e em breve, como esperamos, Imperador com a permissão de Deus, e de seus sucessores que tiverem pessoalmente obtido esse poder da Sé Apostólica". Em 1060 já não se faz referência ao Imperador. De acordo com esse decreto, a Cátedra de São Pedro ficava inteiramente livre das peias que o Império lhe vinha impondo. Mas só o tempo viria tornar realidade o que então ainda não passava de uma lei.

No verão de 1059 Hildebrando foi nomeado Arcediago da Igreja Romana, mais um degrau na ascensão de que estava destinado a dirigir a luta de vida ou de morte que em breve seria empreendida contra toda interferência leiga nos negócios espirituais.

Com a morte de Nicolau II em 1061, Anselmo, Bispo de Luca, é escolhido para suceder-lhe e adota o nome de Alexandre II. Nessa eleição foram aplicados pela primeira vez os decretos inovadores, sob a eficiente e benévola proteção dos normandos que dominavam o sul da Itália.

A nobreza romana não quis perder essa oportunidade de voltar ao poder e opôs ao Papa legítimo o Bispo de Parma, Cadalus. Tendo a corte alemã ratificado essa escolha, começou nova luta. O antipapa, que adotou o nome de Honório II — não confundir com o Papa Honório II, que governou a Igreja de 1124 a 1130 — estava militarmente equipado para assegurar para si a posse de Roma. Alexandre II teve então a ingenuidade de confiar demais no Duque Godofredo de Lorena. Este, pretendendo fazer as pazes com a Alemanha a fim de poder se lançar na luta contra os normandos, conseguiu convencer os dois competidores a se retirarem para as suas Dioceses e ali aguardar o julgamento imperial. Como era esperado, Alexandre II teve ganho de causa, e seu adversário foi anatematizado. Estava salva a legitimidade, mas não o estava o principio de independência, tão corajosa e firmemente proclamado por Nicolau II. Havia ainda um longo caminho a percorrer. Gregório VII viria apressar a marcha dos acontecimentos.

Durante o pontificado de Alexandre II não houve choques diretos entre a Igreja e o Estado. Apenas, as disposições reformadoras adotadas em continuação da política de Nicolau II tendiam a fazer mais dependente de Roma o Clero de toda a Europa, e a emancipá-lo dos senhores locais. Sob esses dois Pontífices, Hildebrando foi o arquiteto do programa reformista, e no governo de Alexandre II já não é possível distinguir entre a atividade do Chefe supremo da Igreja e a do monge que seria seu sucessor.

"NÃO POSSO ESPERAR NENHUM CONCURSO DOS HOMENS DO SÉCULO"

Alexandre IX fechou os olhos a 22 de abril de 1073. Enquanto se procedia ao seu sepultamento, ergueu-se no meio da multidão, entre Clérigos e leigos, um tumulto do qual partia a aclamação: "Hildebrando, Bispo!" Os Cardeais, reunidos logo depois na Basílica de São Pedro "ad vincula", ratificaram o desejo do povo, elegendo Papa aquele que acabava de ser aclamado. Foi provavelmente na presença de um representante de Henrique IV, seu futuro adversário, que Gregório VII foi sagrado.

Hildebrando nascera na Toscana, na cidade de Soano, entre 1015 e 1020, oriundo de uma família bastante modesta. Muito jovem ainda, foi para Roma, tendo sido educado no Mosteiro de Santa Maria Aventina (onde um de seus tios era Abade), sob a direção de Lourenço, Arcebispo de Amalfi, e de João Graciano, futuro Gregório VI. Foi com este que pela primeira vez Hildebrando esteve ligado à Cúria romana, tendo acompanhado voluntariamente o Papa deposto, em seu exílio na Alemanha. Quando São Leão IX se dirigia para Roma a fim de submeter a escolha imperial à aprovação do Clero e do povo da Cidade Eterna, de passagem conheceu o monge Hildebrando, e convidou-o a incorporar-se a sua comitiva. Durante esse pontificado; a atividade do futuro Gregório VII consistiu principalmente na reforma do Mosteiro romano de São Paulo, e em uma legação à França.

No trono de Pedro o programa de governo de São Gregório VII pode resumir-se em duas palavras: amor à Igreja. Em primeiro lugar, recorria ele à oração para satisfazer os anseios desse amor. Escrevia a São Hugo, Abade de Cluny, seu amigo e confidente, nestes termos: "Eu, pobre enfermo, devo suportar, nestes tempos tão duros, a carga, tão pesada para as forças de minha alma e de meu corpo, de todos os negócios espirituais e temporais; curvado sob esse fardo, sinto cada dia mais temor, porque sei que não posso contar com nenhum concurso, com nenhuma ajuda, da parte dos homens do século. Suplico-vos, pois, em nome de Deus onipotente, que façais rezar os vossos monges por mim: se eu não obtiver por sua intervenção e pela dos outros fiéis, o apoio divino, não poderei evitar os escolhos que se erguem diante de mim e, o que é mais grave, diante da Igreja". Sentindo sua fraqueza natural, recorria o Papa à oração de Cluny e do povo fiel para conseguir a própria perseverança e, mais do que isso, a incolumidade da Santa Igreja, que ele tanto amava. Depois da oração, seu principal recurso, todos os meios legítimos eram por ele utilizados. Aqui podemos citar o historiador Fliche: "para ser fiel à sua fé, para imitar e Deus que enchia a sua alma, ele se considera estritamente obrigado, não só a pregar a doutrina, mas a perseguir o vício sob todas as suas formas, e assim preparar a ordem cristã, geradora da paz". Fora da ordem cristã não há paz, a Vigário de Cristo bem o sabia; e sabia que era responsável diante de Deus por "todos os negócios espirituais e temporais". Isso é que fazia sua força. Veremos como seu zelo pelas almas nunca lhe permitiu adotar uma solução que politicamente o favoreceria, se a solução oposta fosse mais indicada para o bem espiritual de seus filhos.

ERA TOLERANTE, QUANDO O PERMITIAM OS PRINCÍPIOS

O primeiro trabalho empreendido pelo novo Pontífice foi a luta contra a simonia e o nicolaismo, muito difundidos então. Resumidamente, poderíamos definir a simonia como o comercio de dignidades eclesiásticas ou de bens espirituais; o nicolaismo consiste na desordem de costumes do Clero.

Contava o Papa, como seu principal instrumento para essa obra, com os Bispos e com os senhores leigos. Começa com exortações ao Episcopado, incitando diversos Prelados, cujas Dioceses estavam especialmente infestadas, a sair de sua inércia e perseguir os Clérigos nicolaitas. Entretanto, os Bispos não corresponderam às esperanças iniciais do Santo. A lembrança de sua legação à França, tão frutífera, leva-o a instituir legados que se espalham por toda a Europa. Toda a ação desses homens de sua confiança imediata é coordenada no sentido de produzir e aumentar a centralização do governo da Igreja em torno da Santa Sé. Os Ordinários locais são tratados de forma a perceberem que devem antes de tudo atender às ordens de Roma; e os próprios legados não se devem esquecer de que são apenas representantes do Chefe supremo da Igreja.

No Concilio que Nicolau II reunira em abril de 1059, entre os cânones promulgados havia um que visava diretamente um abuso estabelecido em quase todos os Estados da época. Era o Canon 6, que dizia: "Nenhum Clérigo ou Sacerdote receba de qualquer maneira uma Igreja das mãos de um leigo, seja gratuitamente, seja por meio de dinheiro". Isso significava que nenhum Eclesiástico poderia aceitar de um senhor temporal a investidura de uma Paróquia ou Diocese. Gregório VII, com a intenção de conseguir o apoio dos Príncipes para o seu plano de reforma, tolerou a princípio as infrações dessa lei, desde que não tivesse havido simonia e o Clérigo fosse pessoalmente digno de ocupar o cargo irregularmente recebido. Vários outros fatos demonstram a boa vontade de que o Santo estava animado em relação aos diversos Soberanos cristãos: salvos os princípios, não queria ter a iniciativa de nenhum passo que pudesse precipitar qualquer deles na rebelião contra a Igreja.

Dentro de seu programa de pacificação, consegue induzir o Imperador Henrique IV a se penitenciar — pelo menos no foro externo — das faltas que haviam levado Alexandre II a excomungá-lo, e em vista disso o absolve. Consegue também que Felipe I, Rei da França, se arrependa publicamente dos atos simoníacos que havia praticado, e também o absolve. Incita Guilherme, o Conquistador, Rei da Inglaterra, a continuar na luta que este já iniciara contra Padres simoníacos e concubinários, e chama-o de "Rei queridíssimo e filho único da Santa Igreja Romana". Na Itália, esforça-se por obter uma aliança com os semibárbaros normandos do sul da península, mas sem alcançar muitos resultados; consegue, na entanto, um tratado com Landulfo de Benevento e outro com Ricardo de Cápua, dois poderosos vizinhos de Roma que passam a se considerar vassalos da Cátedra Apostólica. Porém, o melhor apoio que encontrou na Itália foi o das Condessas Beatriz e Matilde, mãe e filha, senhora e herdeira da Toscana, cuja fidelidade inviolável nunca faltou à Santa Sé e especialmente a São Gregório VII.

Essa atividade pacificadora não encontrou eco no coração dos governantes temporais. A reforma caminhava a largos passos, e bem depressa os senhores perceberam que seus interesses materiais corriam risco. Passado pouco tempo, o santo Papa viu frustrados os seus esforços de paz. E tornou-se necessário passar a atitudes mais intransigentes e mais enérgicas.

É o que veremos em próximo artigo.


NOTA INTERNACIONAL

Um exército permanente para a ONU?

Adolpho Lindenberg

Nunca um organismo internacional se desmoralizou tanto aos olhos da opinião pública sadia, como a ONU. Seria longo enumerar todos os seus fracassos. Uma simples consideração dos principais bastará para nos fazes ver como eles se vêm multiplicando nestes últimos tempos:

1. O direito de veto de qualquer das grandes potências no Conselho de Segurança impediu a realização de eleições livres nos países de atrás da cortina de ferro, e teve como consequência que a guerra fria se agravasse cada vez mais.

2. A guerra da Coréia terminou sem vencedores, o que significa que a ONU se considerou incapaz de castigar um agressor. E ninguém se espantará se, mais dia, menos dia, receber ela em seu seio esse mesmo agressor.

3. A conferência de Genebra sancionou o domínio comunista sobre o norte da Indochina. Patrocinada pelas Nações Unidas, constituiu mais uma demonstração de que elas estão sempre prontas a reconhecer fatos consumados, e não dispõem de força moral ou material para impor o que lhes parece conforme a justiça e de acordo com os seus próprios princípios

4. Seu maior fracasso, porém, foi o abandono em que deixaram os valorosos rebeldes húngaros, quando eles pediram desesperadamente que fossem enviados representantes da organização internacional para comprovar o aniquilamento de uma democracia nascente, pelas forças da ditadura soviética.

5. Por fim, devemos assinalar como presentemente a ONU só é acatada pelas nações ocidentais, enquanto os países de coloração mais ou menos esquerdista a desautoram sempre que lhes convém, e só se lembram dela para combater os impérios coloniais europeus e praticar outras formas de demagogia extremista. Típico nesse sentido foi o contraste entre a atitude da França e da Inglaterra, retirando suas forças de Suez, e a da Índia, afirmando que não tolerará a presença de observadores do Sr. Hammarskjoeld na Caxemira, onde, outrossim, os- hindus receberiam a bala qualquer força expedicionária internacional.

Esses sucessivos fracassos da ONU, e o consequente desprestígio geral que atualmente a envolve, levam muitos dos que desejam combater a expansão comunista a considerar que talvez a verdadeira solução do problema esteja na constituição de um poderoso exército permanente à disposição daquele organismo. As forças expedicionárias, que vários países enviaram à Coréia e a Suez sob a bandeira das Nações Unidas seriam prefiguras desse exército internacional.

Se este já fosse realidade quando, por exemplo, do apelo do governo húngaro, teria sido possível sustar a invasão russa e, por outro lado, Krishna Menon teria sido menos jactancioso do que foi.

Convém alertar os católicos contra o perigo que esse exército representaria.

Em primeiro lugar, é preciso que nos lembremos que, se neste momento os comunistas estão em minoria na ONU, é possível que, de uma hora para outra, a situação se inverta, hipótese em que a força internacional passaria ao serviço do expansionismo soviético.

Por outro lado, esse exército permanente seria um grande passo para a instituição de super-governo mundial, cosmopolita, que realizasse o velho sonho socialista da abolição das pátrias. Senão, vejamos. De início, é possível que essa tropa fosse utilizada para combater o imperialismo russo, mas isso se daria somente pelo período necessário para desmentir aqueles que dela desconfiassem, e para atrair a simpatia da opinião pública ocidental. A seguir, a ONU iria aumentando o número de seus organismos iria estendendo o campo de suas atividades, começaria a se imiscuir na vida interna das nações, enfim, iria adquirindo lentamente as feições de moloch onipresente e onipotente. E contra suas decisões não haveria para quem apelar, por mais arbitrarias e injustas que fossem.

Não vem ao caso perguntar se nesse momento os comunistas dominariam ou não o governo mundial, pois se ele chegar a se constituir com tal poder e prestígio, certamente significará a realização universal da utopia socialista, e pouco se diferenciará do socialismo ditatorial de Karl Marx.

Diante de ameaça tão séria e tão próxima torna-se urgente que a opinião católica em todo o mundo, favorecendo de bom grado a formação de forças expedicionárias, postas a serviço da ONU em caráter nitidamente provisório, por outro lado se oponha com vigor a qualquer projeto de formação de um exército internacional permanente.


OS CATÓLICOS FRANCESES NO SÉCULO XIX

DEFINIDA COMO DOGMA A INFALIBILIDADE PONTIFÍCIA

(Fernando Furquim de Almeida)

No dia 18 de julho de 1870 realizou-se a sessão pública para a promulgação do dogma da infalibilidade. Às 9 horas, o Cardeal Barilli celebrou a missa do Espírito Santo, e no fim do Santo Sacrifício o Papa, revestido dos ornamentos pontificais, entrou na sala do Concílio, onde os bispos já esperavam. Depois que Pio IX, assistido pelos cardeais de Angelis, Grasselini e Mertel, tomou o lugar no trono, o Secretário do Concílio, Mons. Fressler, depositou os Evangelhos sobre o pequeno trono de veludo adrede preparado. O pontífice e todos os bispos, de joelhos, rezaram então a oração "Adsumus Domine, Sancte Spiritus", finda a qual, de pé, Pio IX abençoou seis vezes o Concílio.

Depois das preces rituais, Mons. Fressler, anunciando que a sessão ia começar, deveria pedir que a assistência se retirasse. Uma ordem do Papa, porém, permitiu que também os fiéis presenciassem a proclamação que se ia fazer.

O original da constituição a ser votada foi entregue por Pio IX a Mons. Fressler, que o passou a Mons. Valenziani. Este, de pé e com a cabeça descoberta, leu o título do documento; e depois, sentado e de barrete, fez a leitura do texto.

Ia-se proceder à votação, que só comportava o "placet" ou "non placet". Tendo quase toda a minoria se retirado do Concílio, era esperado um número bem reduzido de vozes discordantes. Ainda uma surpresa estava reservada para essa sessão. Os membros da minoria presentes eram os arcebispos de Reims, Avignon e Sens, e os bispos de Viviers, Casazzo e Little Rock. Mas só os dois últimos votaram contra a infalibilidade. Esta foi, assim, aprovada por 538 padres e rejeitada por 2: Monsenhor Luigi Riccio, bispo de Casazzo, no Reino de Nápoles; e monsenhor Eduardo Fitz Gerald, de Little Rock, nos Estados Unidos.

Logo que lhe comunicaram o resultado, o Pontífice proclamou-o e sancionou-o com as palavras: "Decreta et canones, qui in constitutione modo lecta continentur, placuerunt fere omnibus Patribus. Nosque sacro approbante Concílio, illa et illos, ut lecta sunt, definimus et apostolica auctoritate confirmamus".

Pio IX pronunciou essas palavras numa grande calma, que se seguia à tempestade violenta desabada sobre Roma durante a sessão. Imediatamente um entusiasmo enorme se apoderou da assistência, e só se ouviram os gritos de "viva Pio IX!" e "viva o Papa infalível!". No momento da aprovação, um raio de sol iluminou toda a sala do Concílio.

Quando o Papa pôde voltar a falar, foi emocionado e com voz solene que disse as seguintes palavras, dirigidas evidentemente aos membros da minoria que se tinham retirado:

"A autoridade do soberano Pontífice é grande, mas não destrói. Ela não oprime, ela sustenta e muitas vezes defende os direitos de nossos irmãos, ou seja, os direitos dos bispos. Se alguns não votaram conosco, saibam que votaram na perturbação, e saibam que o senhor não está na perturbação. Lembrem-se de que há poucos anos concordavam conosco e com esta vasta assembléia. Que aconteceu, então? Têm eles duas consciências e duas vontades sobre o mesmo ponto? Deus não o permita. Pedimos portanto a Deus, que sozinho faz as grandes maravilhas, que ilumine suas almas e seus corações, a fim de que voltem ao seio de seu pai, isto é, do soberano Pontífice, Vigário indigno de Jesus Cristo, para que eles o abracem e para que trabalhem conosco contra os inimigos da Igreja de Deus. Fazei, ó Deus, fazei com que eles possam dizer como Agostinho: ‘Meu Deus, deste-nos vossa luz admirável, e eis que vejo’. Oh! Que todos vejam! Que Deus espalhe sobre vós as suas bênçãos!"

Depois do Te Deum que se seguiu, o Santo Padre abençoou novamente o Concílio e se retirou.

Os dois bispos que tinham votado contra a infalibilidade imediatamente se submeteram. Diz-se que compareceram à sessão só por não terem assistido à reunião em que ficara combinada a retirada da minoria.

No dia seguinte a França declarou guerra à Alemanha e retirou as tropas que garantiam os Estados Pontifícios. A Áustria, que deveria proteger a Santa Sé, propôs a Napoleão III abandonar Roma à Casa de Sabóia. Victor Emanuel II imediatamente passou à ação, e a 11 de setembro 60.000 homens penetraram nos territórios da Igreja. A 20 de outubro foi publicada uma bula suspendendo o Concílio: "Decidimos — dizia o documento — adiar a continuação das sessões para época ulterior. Declaramos o Concílio suspenso, suplicando a Deus, Senhor e vingador de sua Igreja, que devolva em breve a paz com a liberdade à sua fiel Esposa".

O Concílio praticamente já não funcionava desde a promulgação da infalibilidade. A declaração de guerra, feita pela França, trouxera desassossego a toda a Europa, e a maioria do Episcopado voltara às suas dioceses. O conflito impediu que o Concílio concluísse sua grande obra, e até hoje ele não foi encerrado.


NOVA ET VETERA

Democratização do ensino

J. de Azeredo Santos

Está na ordem do dia o problema da reforma do ensino secundário. A situação em que nos encontramos é realmente calamitosa. No Estado de São Paulo, é de apenas 15% o rendimento dos que ingressam nos vários ginásios espalhados por toda parte, isto é, de cada 1.000 alunos só 150 logram completar o curso. E desses 15%, quantos conseguem entrar em escolas de grau universitário?

Vícios de origem

O curioso é que os ginásios vão surgindo por todos os lados como cogumelos, por um imperativo daquilo a que se convencionou chamar "democratização do ensino" ou oportunidade igual para todos.

Diante de um quadro tão desfavorável, as opiniões se dividem. Ainda recentemente líamos o depoimento de um professor universitário, segundo o qual não se deveria combater o atual programa do curso ginasial, mas sim a concepção de vida que o ditou, isto é, o ideal da cultura clássica. Assim, por exemplo, não se deveria impugnar apenas, a inclusão de uma disciplina como o latim no curriculum secundário, senão também a filosofia de vida que o coloca na base da formação humanística.

Quase sempre, entre nós, o combate aos males que afligem o homem e a coletividade é feito de modo superficial e lamentavelmente sectário. Atribui-se a causas externas, a um programa de ensino, por exemplo, a culpa por uma falha que tem raízes mais profundas. Neste caso particular do ensino ginasial, poderíamos apontar dois vícios de origem que são os maiores responsáveis pelo presente descalabro. Um, o mais importante, é o igualitarismo que se acha na base da chamada democratização do ensino, do ensino leigo, padronizado pelo Estado, que procura colocar sob a mesma fôrma toda a juventude, seja de que classe ou ambiente social for.

Não se cansa a Igreja de repetir que a escola é uma extensão do lar, da educação que devemos receber no seio da família. É o pai o primeiro responsável pela educação de seus filhos, e a ele incumbe o dever e o direito de os formar cristãmente, preparando-os também para a vida temporal, conforme os recursos de que dispõe e conforme o meio social a que pertencem.

A escolha única e gratuita, sob a égide do Estado, é o comunismo levado ao campo do ensino, é a destruição da liberdade sagrada que pertence aos pais, de dar aos filhos a formação religiosa e cultural que estes têm direito e dever de receber. Dir-se-á que no caso do Brasil, por exemplo, as leis não proíbem a existência de escolas livres ou particulares. Mas quem não sente o papel destruidor que os estabelecimentos oficiais desempenham por meio da concorrência que fazem a seus congêneres devidos à iniciativa privada, e aos colégios que as várias instituições religiosas mantêm sabe Deus a custa de quantos sacrifícios e provações?

Salvemos a desigualdade

Se em face da sociedade os homens são desiguais, as famílias também o são. E se a fonte dessa desigualdade justa é, além dos dons naturais, o livre arbítrio, nada mais coerente do que estender-se essa mesma desigualdade ao ensino, em que o princípio da seleção das elites deve continuar a atuar plenamente. Estabelecer o igualitarismo neste setor, por meio da simplificação e da unificação de programas, será o mesmo que amarrar uma águia a um paquiderme.

O programa único, bem como a escola única, são portanto contrários ao espírito de variedade que deve existir em toda sociedade realmente orgânica. E geram uma legião de frustrados e de fracassados (como amargamente já começa a acontecer por todo o Brasil), pondo o princípio da seleção sobre uma base falsa e injusta, como injusta é a chamada gratuidade desse ensino leigo, que começa por não ser gratuito, pois é custeado pelos tributos que impõe à sociedade esse Estado voracíssimo, — gratuidade hipócrita que vai destruindo lentamente as iniciativas da Igreja e dos particulares no setor escolar.

Embrutecidos pelo ensino

O segundo vício de origem a que nos queremos referir é a matéria prima que chega aos ginásios, isto é, os egressos da escola primária, pobres vítimas das reformas oficiais do ensino, criaturas que se vão tornando cada vez menos racionais, embrutecidas pela instrução sem profundidade, superficial, pela educação através da imagem, por uma formação cultural desligada da verdadeira fonte do saber, da lógica, do bom senso. São as escolas primarias nos tempos atuais verdadeiras matrizes — salvas as honrosas exceções de estilo — de débeis mentais. E o mais lamentável é que têm, elas importante cúmplice na própria vida familiar, pois, devido à deformação liberal dos pais, não é o ambiente doméstico que age sobre a inteligência das crianças, mas influências estranhas, tais como as chamadas "figurinhas", rádio, a televisão, cinema, o fanatismo do esporte. Cria-se assim uma enorme multidão de vencidos, de infelizes que se dão carta de pouco inteligentes, quando a culpa de seu fracasso cabe em máxima parte aos responsáveis por essa criminosa conspiração contra a cultura, que é o socialismo educacional. Esta, sim, é a famigerada concepção de vida que devemos combater com toda a nossa energia, por amor aos nossos filhos, por amor ao nosso próximo, por amor ao Brasil.