(continuação)

A SAGRADA IMAGEM

"um grande número de pessoas de muitas províncias reinos distantes", como a Dalmácia, Portugal, a Catalunha, e até o nosso então longínquo e desconhecido Brasil, como ele mesmo o afirma em carta do ano de 1748 (cf. Buonnano, pp. 245-256; Dillon, pp. 270-278).

Para atender aos desejos de numerosos devotos da Mãe do Bom Conselho espalhados por todo o mundo, e que, não podendo visitar o Santuário, queriam de algum modo participar dos benefícios espirituais ali tão abundantemente derramados, pensou-se em constituir uma associação pia que os congregasse. Nasceu assim a Pia União de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano.

Foi ela, como dissemos, instituída em 1753 por Bento XIV, através de soleníssimo Breve, a instâncias do Geral dos Eremitas de Santo Agostinho. Quis Sua Santidade ser o primeiro membro da nova associação preenchendo de próprio punho a proposta de inscrição. O exemplo do Papa foi logo seguido pelo Rei da Espanha, e como ele outros inúmeros Príncipes e Senhores, além de Cardeais e Bispos, se filiaram, ao longo dos séculos, à Pia União. Bento XIV a enriqueceu com muitas indulgências, que foram confirmadas e aumentadas pelos seus Sucessores. O sodalício chegou a ser chamado de "Pia União dos Papas", tantos foram os Pontífices que nela se inscreveram: Bento XIV, Pio VI, Pio VII, Pio VIII, Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII, João XXIII.

Para pertencer à associação é mister inscrever-se junto ao Diretor de Genazzano ou aos Diretores locais; dar uma espórtula, segundo as próprias posses; recitar cada dia três Ave Marias, com a invocação "Mater Boni Consilii, ora pro nobis"; levar consigo uma imagem, medalha ou escapulário da mesma Virgem; celebrar ou fazer celebrar uma Missa, cada ano, ou, não sendo isso possível, substituí-la por uma comunhão. A Missa e a comunhão devem ser aplicadas em benefício espiritual de todos os inscritos.

O ano jubilar

No dia 25 de abril de 1967 ocorreu o quinto centenário da santa aparição. Um ano inteiro de comemorações vem assinalando a augusta efeméride; inaugurou-as em Genazzano, em nome e por delegação do Santo Padre Paulo VI, o Eminentíssimo Cardeal Bento Aloisi Masella, Bispo do título subürbicário de Palestrina.

Entre as celebrações centenárias se destaca o ciclo de conferências promovido pelo Comitê Executivo, presidido pelo Exmo. Bispo Mons. Pietro Canisio van Lierde, Sacristão de sua Santidade, ciclo esse que teve por tema "O Espírito Santo e Maria".

Grande foi também a afluência de peregrinos ao Santuário durante o ano jubilar. Só nos meses de maio, junho e julho do ano passado cerca de 250 mil fiéis acorreram a venerar a milagrosa Imagem.

Genazzano e os Agostinianos

Os eremitas de Santo Agostinho sempre consideraram o Santuário de Genazzano a "pupila dos olhos da Ordem", segundo a expressão de um de seus Gerais.

Sabemos que o Príncipe Pietro Giordan Colonna havia chamado em 1356 esses Religiosos aos seus domínios, confiando-lhes, no exercício do jus patronatus, a antiga Igreja de Santa Maria dei Buon Consiglio e respectiva Paróquia. Ninguém era mais indicado para esse ministério do que os Agostinianos, já que o título de Mãe do Bom Conselho fora atribuído à SSma. Virgem pelo Santo Patriarca daquela Família religiosa, entre outros; e aquela era, possivelmente, a única igreja existente em todo o mundo sob tal invocação.

O zelo dos Superiores e outros ilustres Religiosos dessa Ordem pelo Santuário vem desde o Geral Coriolano, contemporâneo e biógrafo da Beata Petruccia.

Em 1715, para maior decoro da Sagrada Imagem, determinou o Geral Adeodato Summantico que, excetuando-se os Príncipes Colonna, os Bispos e outras personalidades de alta categoria, a ninguém seria dado contemplá-la descoberta, sem o unânime consenso dos Padres do Convento. O Prior Geral e Visitador Apostólico Agostinho Gioia decretou, por sua vez, que ela seria exposta ao público unicamente em oito grandes festas do ano, e não se descobriria senão com toda a pompa litúrgica. Estabeleceu ainda que nenhum Sacerdote que não fosse Bispo poderia celebrar diante da Efígie descoberta sem autorização escrita do próprio Geral.

Frei Nicolantonio Schiaffinati pediu ao Papa Clemente XII, em 1737, que colocasse o Convento de Genazzano sob a imediata obediência do Geral, alegando como razão para isso que, tendo Nossa Senhora confiado aos Agostinianos a sua Imagem, ele, como Superior da Ordem, devia procurar conferir todo decoro e dignidade àquele Santuário, que era a "pupila dos olhos" de toda a sua Religião.

Um dos maiores promotores da devoção à Senhora do Bom Conselho foi o Geral Frei Francisco Xavier Vásquez, peruano, que envidou todos os esforços para obter da Santa Sé a erecção de uma Pia União que congregasse todos os devotos da mesma Senhora. Concedida por Bento XIV a desejada graça, mandou estabelecer a nova associação em todas as Igrejas de sua Ordem.

Muitos outros Religiosos de Santo Agostinho contribuíram para propagar essa devoção.

Finalmente, no dia 11 de outubro do ano passado, durante as comemorações do quinto centenário da miraculosa transladação e aparição da Imagem, o Revmo. Padre Geral Agostino Trapè, com sua Venerável Cúria, consagrou solenemente toda a Ordem à Senhora do Bom Conselho, "pedindo a Maria com ânimo cheio de comoção e de confiança, que seja Mãe, Rainha, Advogada e Conselheira de todos os membros da Ordem, Superiores e súditos".

O culto litúrgico e o título

“O selo final e mais expressivo que a Igreja coloca sobre uma devoção é conceder-lhe uma liturgia especial e uma festa particular" (Dillon, p. 295). Como pergunta Buonanno (p. 78), poderia Ela "festejar um fato sem reconhecê-lo verdadeiro?"

No dia 12 de julho de 1727, concedeu a Sagrada Congregação dos Ritos ao Clero secular e regular de Genazzano o privilégio de celebrar a festa de Nossa Senhora do Bom Conselho no aniversário da aparição da Imagem, com a Missa e Ofício comuns às demais festas marianas.

Pouco depois, foi esse privilégio estendido ao Clero de Palestrina, Diocese onde se encontra Genazzano; mais tarde foi a festa elevada a Duplex de segunda classe, sem oitava.

Tendo a Congregação dos Ritos submetido à apreciação de dois eminentes arqueólogos e paleógrafos, Calixto e Gaetano Marini, Custódios dos Arquivos Secretos Pontifícios, todos os documentos relativos à aparição, reunidos pelo Postulador da causa do Ofício e Missa próprios, o resultado das investigações desses eruditos foi altamente favorável — como dizemos em outro lugar — em conseqüência do que o Sagrado Dicastério em 1779 aprovou para o Clero de Genazzano a liturgia composta pelo próprio Postulador, o Agostiniano Marcolini. O Prior Geral dos Eremitas de Santo Agostinho estendeu esse privilégio a toda a sua Ordem, por decreto de 14 de março de 1781. Em 1789, a Congregação dos Ritos confirmou a concessão da Missa e Ofício próprios da festa de Nossa Senhora do Bom Conselho.

Leão XIII aprovou um Ofício e Missa novos, com antífonas e lições mais adequadas à invocação de Nossa Senhora do Bom Conselho.

O hino de Matinas do novo Ofício conservado da antiga liturgia de Frei Marcolini, convida todos a louvarem Maria, que escolheu Genazzano como santuário de sua milagrosa Imagem. As antífonas, tomadas dos Livros Sapienciais, são aplicadas à Virgem Santíssima como possuidora e dispensadora dos dons de Conselho, de Sabedoria e de Ciência: "Accipe consilium intellectus et ne abjicias consilium meum" (Ecli. 6, 23.); "Sine consilio nihil facias et post facturo non poenitebis" (Tracto da "Vetus Latina"); "Consilium illius sicut fons vitae permanet" (Ecli. 21, 16); "Via stulti recta in oculis ejus, qui autem sapiens audit consilio" (Prov. 12, 15); "Cor boni consilii statue tecum, non est enim tibi aliud pluris illo" (Ecli. 37, 17), etc. Essa é a tônica dos demais textos do Ofício e da Missa.

A festa se celebra a 26 de abril; por ser o dia da aparição — 25 — consagrado ao Evangelista São Marcos.

O titulo de Mãe do Bom Conselho

Os genazanenses denominaram a Imagem miraculosamente chegada à sua cidade, de "Santa Maria dei Paradiso", ou porque a criam descida diretamente do Céu, ou pela sua maravilhosa beleza. Chamavam-na outros de "Madonna della Piazza", por ter aparecido na praça onde Petruccia tentava reconstruir sua sonhada igreja; era ainda conhecida simplesmente por Madona de Genazzano.

Continuavam, porém, os Padres Agostinianos a chamar o seu convento e igreja de Santa Maria do Bom Conselho, título atribuído à Virgem por Santo Agostinho (entre outros), e que era o de um baixo-relevo ali venerado desde tempos imemoriais, hoje ainda conservado.

Essa multiplicidade de invocações durou até o século XVII, quando se generalizou a de Bom Conselho. Os Papas, nos seus documentos, empregaram sempre essa denominação. Finalmente, a Liturgia a consagrou de modo definitivo, com a Missa e Ofício da Mãe do Bom Conselho.

Continua abaixo


A Imagem do Colégio S. Luís, em S. Paulo

Luiz Sérgio Solimeo

Os leitores já encontraram neste número de “Catolicismo”, de passagem, referências a várias cópias miraculosas da santa Imagem de Genazzano. Não poderíamos, contudo, deixar de consagrar um item especial ao quadro que se venera na Igreja do Colégio São Luís, dos RR. PP. Jesuítas, na Capital paulista.

Trata-se de uma tela a óleo, medindo 86 por 64 cm; num retângulo central de 52,5 por 40 cm está a figura da Senhora com seu Filho no braço esquerdo; na margem inferior, bem maior que a superior, veem-se os dois albaneses junto ao mar, a contemplar o quadro que se afasta, entre nuvens, conduzido por Anjos, que aparecem nas margens laterais.

Na realidade, o quadro não tem grande semelhança com o Original de Genazzano: o desenho é sensivelmente diferente, as cores são menos delicadas e falta luz ao conjunto. Não obstante, reconhece-se o mesmo gesto meigo e afetuoso do Divino Infante e a atitude enlevada da Mãe, que, sem olhar para o Filho, está toda voltada para Ele.

Não se sabe quem terá sido o seu autor; o seu aparecimento é também cercado de mistério e de maravilha.

*

Certo dia do ano de 1785, caminhava o Padre José de Campos Lara pela praia deserta de uma cidade italiana, a pensar talvez na terra natal, da qual o separava o Oceano imenso. Fazia vinte e cinco anos que ele deixara o Brasil, para ser fiel à sua vocação, quando o Marquês de Pombal, o ímpio Ministro de D. José I, conseguira arrancar do Monarca um iníquo decreto banindo a Companhia de Jesus dos domínios portugueses.

José de Campos Lara e seu irmão Miguel — que pertenciam a uma das melhores famílias de Itu — foram presos juntamente com os demais Jesuítas do Brasil; não sendo ainda professos, tiveram que travar tremenda batalha com os parentes e amigos que queriam a todo o custo fazê-los deixar a Companhia a fim de evitar a prisão e o desterro. Nada, porém, pôde demovê-los da fidelidade à graça que os chamara às fileiras inacianas.

Chegaram os Religiosos brasileiros a Civitavecchia após penosa travessia do Atlântico. Daí dirigiram-se para Roma, onde foram paternalmente recebidos pelo Papa Clemente XIII, apesar de todas as pressões e ameaças do Embaixador de Portugal.

Concluídos os estudos teológicos, os irmãos Campos Lara foram ordenados Sacerdotes. Miguel faleceu pouco tempo depois.

No seu longo exílio na Itália, exerceu o Padre José o ministério em várias partes e veio a conhecer ilustres personalidades eclesiásticas, entre as quais o grande Santo Afonso Maria de Ligório e o Cardeal Chiaramonti, mais tarde Pio VII, com os quais manteve estreita amizade, profetizando mesmo a ascensão deste último ao pontificado.

A extinção da Companhia de Jesus por Clemente XIV, em 1773, constituiu um novo golpe para o Padre brasileiro: perdera antes a pátria e o irmão, agora perdia a Mãe amadíssima. A Virgem Senhora não o quis, no entanto, deixar imerso em tristeza por muito tempo, dispondo-se a ser Ela mesma a sua recompensa demasiadamente grande (cf. Gen. 15, 1).

Assim é que naquele dia do ano de 1785 caminhava, como dizíamos, o Padre José de Campos pela praia, quando apareceu diante dele um jovem desconhecido, de porte altivo e maneiras distintas, trazendo consigo um quadro a óleo de Nossa Senhora do Bom Conselho. Apresentou-se ao Padre, dizendo que o levasse para a sua terra, e anunciou-lhe que no lugar onde ela fosse venerada se ergueria um dia um grande colégio jesuíta. Respondeu-lhe o surpreso Sacerdote que não dispunha de recursos para a viagem, mas o jovem garantiu que o comandante de um navio que acabava de entrar no porto o admitiria gratuitamente. Consolado com essa notícia, preparava-se o Padre Campos para despedir-se de seu interlocutor, mas eis que este desaparece a seus olhos! Persuadiu-se assim o Padre de que se tratava de algum espírito celeste que o procurara sob aquela aparência.

Confirmou-o nessa crença o fato de ter podido viajar de graça para o Brasil, no navio que lhe fora indicado.

Desembarcou José de Campos Lara no porto de Santos, trazendo o milagroso quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho. Dali partiu, em seguida, para Itu.

Na cidade natal procurou erguer sem demora, numa chácara herdada de seus pais, uma capela onde se pudesse condignamente venerar a preciosa Madona. Iniciou mais tarde a construção de uma igreja para o mesmo piedoso fim, a qual só foi concluída depois de sua santa morte, ocorrida em 1820.

Seus contemporâneos ouviram-no dizer muitas vezes, em tom profético: "Aqui, nesta chácara e sobrado, ainda virão os Jesuítas estabelecer uma grande casa de educação" (Altenfelder Silva, p. 73).

Era a profecia que lhe havia sido feita pelo Anjo no longínquo porto italiano. Realizou-se ela à letra, contra toda humana expectativa.

De acordo com o testamento do bom Padre Campos, sua chácara, com o sobrado e a igreja apenas começada, veio a pertencer ao seu sobrinho, Padre José Galvão de Barros França.

Autorizou este a Irmandade da Boa Morte e Assunção a utilizar a igreja, dando prosseguimento às obras. Anos depois, doou a propriedade à Companhia de Jesus, já então restaurada no Brasil, depois de restabelecida em 1814 por Pio VII.

Os Jesuítas lançaram nessa chácara, em 1869, a pedra fundamental do edifício do Colégio São Luís, que logo se tornou um dos mais conceituados estabelecimentos de ensino do Brasil.

Ao mesmo tempo, celebraram eles com a Irmandade da Boa Morte uma convenção pela qual recebiam os móveis e alfaias pertencentes à antiga capela do Padre Campos, enquanto a mesma capela, que fora transformada em consistório da igreja em construção, ficava reservada à Irmandade. Foi então que os Padres do Colégio receberam o quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho, que foi colocado na capela-mor da igreja.

Ficou assim a Imagem na posse definitiva dos filhos de Santo Inácio. Quando, em 1918, mudaram eles, o Colégio para São Paulo, levaram-na consigo; ainda hoje é o quadro venerado em um altar lateral da Capela do Colégio, dedicada a São Luís de Gonzaga.

Apenas instalado o Colégio São Luís na chácara do Padre Campos, em 1872, o Reitor, Padre Vicente Cocumelli, fundou com doze jovens, que se destacavam pelo seu bom procedimento, uma Congregação Mariana sob a inovação de Nossa Senhora do Bom Conselho. Mais tarde, em 1925, criou o Padre José Visconti rimai outra Congregação, feminina, sob o mesmo vocábulo.

*

A devoção, pois, à Imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho trasladada de Scútari, de forma prodigiosa, para Genazzano, e trazida numa cópia, de modo também milagroso, até o Brasil, aqui deitou fecundas raízes, iluminando as almas de gerações sucessivas de alunos do famoso Colégio São Luís, e enlevando os congregados marianos que se reuniam aos seus pés.


Continuação

A SAGRADA IMAGEM

A palavra da crítica histórica

O fato histórico da aparição da Imagem em Genazzano e de sua transladação de Scútari, na Albânia, encontra fundamento tanto numa tradição ininterrupta e invariável de cinco séculos, como também nos documentos dos arquivos, nos escritores contemporâneos e nos monumentos.

Temos a lamentar aqui a perda de numerosa documentação referente à história da sagrada Efígie. Assim é que Alexandre VI, em 1502, chama de "filhos da iniqüidade" aqueles que furtaram do Santuário objetos e documentos de valor. Outros papéis se perderam quando em fins do século XV, nas imediações de Pozzuoli, foi ao fundo um navio que os transportava para Nápoles por ordem do célebre Padre Mariano de Genazzano.

Outra causa da perda de documentos foram as inúmeras guerras que envolveram a região de Genazzano nos fins do século XV e princípios do XVI, como também a invasão francesa dos Estados Pontifícios no século XVIII e a tomada destes pelas tropas piemontesas no reinado de Pio IX. A tudo isto vem somar-se o incêndio que no século XVIII destruiu parte dos arquivos comunais de Genazzano; assim é que nesses arquivos faltam os registros referentes aos anos de 1460 a 1474, incluindo o de 1467, no qual se deu a aparição.

Em 1779 a Sagrada Congregação dos Ritos submeteu à apreciação de dois eminentes peritos, Gaetano e Calixto Marini, Custódios dos Arquivos Secretos do Vaticano, vários documentos apresentados pelo Postulador da causa do Ofício e Missa próprios de Nossa Senhora do Bom Conselho. Queria saber o Promotor da Fé se eles ofereciam ou não garantias de autenticidade, de modo a poderem servir de base para a Santa Sé conceder o que lhe era pedido. Fizeram os dois eruditos acurado exame do material oferecido, procederam a pesquisas em arquivos para sanar as falhas que encontraram, foram a Genazzano para examinar in loco duas inscrições existentes no Santuário. Seu parecer foi de todo favorável, permitindo àquele Dicastério aprovar a Missa e Ofício desejados.

Mons. Agostino Felice Addeo, O. E. S. A,. Bispo titular de Trajanópolis, recolheu o que um autor chama de "massa de provas" relativas à aparição da Imagem e sua procedência, e publicou-os nas "Analecta Augustiniana" (vol XX, Ian-Dec. 1946). Esse trabalho, feito com grande competência e erudição, mais tarde editado em forma de livro, é de inestimável valor para os estudiosos da história de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano.

Vamos relacionar aqui para nossos leitores, resumidamente, os documentos apresentados por Mons. Addeo.

A respeito da aparição em Genazzano

a) DOCUMENTOS CONTEMPORÂNEOS (SÉC. XV)

■ 1 — IN DEFENSORIUM ORDINIS FRATRUM HEREMITARUM SANCTI AUGUSTINI. Obra publicada em 1481 pelo Geral da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, Ambrosio Massari da Cori, ou Coriolano, em resposta a dois Cônegos Regulares de Santo Agostinho que negavam terem os Eremitas por Patriarca o Bispo de Hipona. Procurando mostrar o florescimento da santidade em sua Ordem, como prova, entre outras, de que ela tinha origem no Santo Doutor, escreveu Coriolano a mais antiga narração que temos do miraculoso acontecimento de Genazzano: "A oitava foi a Beata Petruccia de Genazzano, que, vendendo todos os seus bens, ergueu na sua casa a igreja do nosso convento, seguindo o conselho de Cristo: "Se queres ser perfeito, vai e vende tudo o que possuis, dá o dinheiro aos pobres e segue-Me". E não sendo os seus recursos suficientes para completá-la, tornou-se objeto da derrisão de todo o povo. Ela porém dizia: "Não tenhais cuidados, meus filhos, porque antes que eu morra (era ela já bem velha), a Bem-aventurada Virgem e Santo Agostinho completarão esta igreja". Admirável, porém, foi o cumprimento da profecia, pois apenas um ano depois dessas palavras, uma Imagem da Bem-aventurada Virgem miraculosamente apareceu na parede da dita igreja. E toda a Itália se alvoroçou para contemplá-la, de tal maneira que as cidades e os povoados para lá se dirigiram em procissões, entre sinais, prodígios e esmolas indescritíveis; e assim, vivendo ela; ainda, não só a igreja mas um belíssimo convento foi construído. E, ao morrer, foi sepultada na capela da dita Imagem, ao tempo de nosso provincialato".

Estêve Coriolano por duas vezes à frente da Província Romana (1466-1468 e 1470-1476), vindo a ser mais tarde Geral de toda a Ordem (1476-1485). Foi contemporâneo dos fatos que narra nessa passagem, sendo que a aparição ocorreu no primeiro período em que foi Provincial.

"A autoridade de Coriolano é gravíssima — escreve o erudito Gaetano Marini — tanto pelo cargo que ocupava, como por ser escritor contemporâneo e testemunha ocular, e por haver deixado memória disso em uma obra que escreveu contra os Cônegos Lateranenses da Congregação de Santa Maria Frisionaria. Devia ele com razão esperar respostas e censuras, e por isso ter-se-á precavido de contar no seu livro coisas que os seus adversários teriam podido então facilmente desmentir" (Addeo, pp. 8 e 130).

■ 2 — VITA PAULI II. Escrita em 1478 por Miguel Canensio, Bispo de Castro, e dedicada ao Cardeal de Estouteville, considerada a mais completa e importante das biografias contemporâneas daquele Papa (cf. Addeo, p. 10). Referindo-se ao ano de 1467, diz Canensio: "Nesse tempo, na cidade de Genazzano, na Diocese de Palestrina, operou Deus inúmeros e admiráveis milagres por meio de uma imagem da Bem-aventurada Virgem Maria, para o exame dos quais ele [o Papa] nomeou Gaucerio, Bispo da Igreja de Gap, e Nicolau, da Igreja de Fara" (Addeo, p. 10).

■ 3 — LIBRI CAMERALES. São Registros de Entradas e Saídas da Câmara Apostólica. Aí está lançado o pagamento aos dois Prelados acima referidos, por despesas feitas "ia eundo ad urram Jenazani pro certa comissione eis facta per S. D. N. Papa"; em outro códice do mesmo teor, em italiano, lê-se o pagamento, no dia 24 de julho de 1467, "per spese facte" pelos Bispos "in andare a Jenazzano mandati da nostro S." (Addeo, pp. 11-13). Por aí se vê confirmada a notícia do biógrafo de Paulo II, e se sabe que a missão confiada pelo Pontífice aos dois Prelados já estava cumprida transcorridos apenas três meses da aparição da Imagem. Como notam vários autores (Buonanno, pp. 56-57; Dillon, p. 420), Canensio refere em seguida os milagres operados na mesma época por duas imagens, uma em Viterbo (Madonna della Quercia) e outra em Roma mesmo (Madonna della Consolazione, no Monte Capitolino), sem que o Papa haja mandado proceder a nenhuma sindicância em torno do fato; isto mostra a repercussão que deve ter tido em Roma a noticiada aparição da Imagem de Genazzano.

■ 4 — CODEX BOMBACINUS ou CODEX MIRACULORUM. Trata-se de um volume de 32 páginas encadernadas em cordovão, que conta as particularidades de 161 milagres operados pela Imagem de 27 de abril, segundo dia após a aparição, até 14 de agosto de 1467. Traz os nomes dos favorecidos, sua qualificação, procedência, testemunhas e outras circunstâncias de interesse. Faz alusão a, fatos históricos contemporâneos fáceis de constatar por outras fontes, como por exemplo a cura de um soldado ferido sete anos antes, durante uma campanha nas Marcas; ora, precisamente em 1460 Sigismundo Malatesta guerreou naquelas províncias a favor de Carlos de Anjou, que disputava o trono de Nápoles. A escrita, o ornamento das iniciais, a ortografia, as abreviaturas, o modo de se exprimir, tudo, enfim, contribui para confirmar a sua autenticidade. Os citados arquivistas do Vaticano consideram essa peça autêntica e contemporânea, escrita poucos meses depois da aparição. "Em uma palavra — escreve Gaetano Marini — digo não haver no Códice nenhum defeito nem externo nem interno, que é o que pede a crítica diplomática para a sinceridade de tais monumentos" (Addeo, p. 123).

■ 5 — ATOS DO NOTÁRIO PÚBLICO DE GENAZZANO. É um volume in-8.°, com 369 folhas, todas numeradas, no qual foram lavrados pelo Notário Martino Antonio Rose os termos dos anos de 1456-1500. "É verdadeiramente um monumento insigne para a história deste Santuário, principalmente nos primeiros anos ou, melhor ainda, meses da aparição da S. Imagem" (Addeo, p. 13). Consta desse códice, entre outros documentos, o testamento de Nicolaus Antonius Johannes Mance, de 11 de setembro de 1467. Pede o testador que seu corpo seja sepultado na Igreja de Santa Maria do Bom Conselho e deixa determinada importância para a "irmandade da Bem-aventurada Maria recentemente encontrada" (reliquit fraternitati beate marie nova inventa).

■ 6 — ATOS DO NOTÁRIO STEPHANO URBANI DE PILEO. Esse códice traz o testamento de Ioannes Spagnolus (1482), que igualmente deseja ser enterrado na "Ecclesia sancte marie boni consilii" e deixa à "Capella miraculorum in dicta Ecclesia sita et constructa sub vocabulo beate marie virginis" dois ducados.

■ 7 — RETRACTUM PECUNIARUM RECIPIENDARUM CAPPELLAE B. MARIE. São fragmentos de um códice no qual estão escrituradas as ofertas feitas pelos fiéis à Capela de Nossa Senhora. Figuram aí os nomes de várias pessoas referidas em outros documentos, como, por exemplo, Iohannes Spagnolus; aparecem donativos feitos por Antonio Colonna, Príncipe de Salermo e de Genazzano, Prefeito de Roma em 1458, e de sua mulher, Imperiale Colonna: o Prefeito morreu em 1472. Curiosamente, vemos um certo ventura ebreus levar também o seu precioso ducado à Madonna ...

■ 8 — DIARIUM NEPESINUM (1459-1468). É uma espécie de diário ou crônica da cidade de Nepi, escrita pelo Padre Antonio Lotieri, que ocupou os cargos de Vigário do Bispo de sua Diocese, Cônego da Catedral e Reitor da Igreja de São Gratuliano, sendo também Notário público. Narra ele os acontecimentos que lhe dizem respeito e aos moradores de sua cidade. No Diário Nepesino são descritas procissões ou peregrinações a Santa Maria de Genazzano no ano mesmo da aparição. No "CODEX MIRACULORUM" (vide n.° 4) são referidas várias curas de habitantes de Nepi.

■ 9 — DUAS INSCRIÇÕES. Uma sobre frontal da Capela da Imagem, onde se lê: "DD, VINITUS APPARUIT HEC IMAGO A. D. MCCCCLXVII XXV APRILIS" (Esta Imagem apareceu divinamente no dia 25 de abril de 1467). A outra inscrição, sobre a porta principal da igreja, diz: "MCCCCLXVII SUB ANNIS INCARNATI DEI VERBI FESTO MARCI HORA VESPERI DEI GENITRICIS MARIAE QUAM IN HUJUS PHANI SACELLO MARMOREO VENERAMINI EX ALTO FIGURA PROSPEXIT" (À hora de Vésperas, na festa de São Marcos, no ano da Encarnação do Verbo de 1467, a Imagem de Maria, Mãe de Deus, que venerais na capela de mármore, do Alto dirigiu o seu olhar) (Addeo, p. 26).

"Ambas as inscrições, examinadas diligentemente pelos peritos, arqueólogos e custódios dos Arquivos, do Vaticano, no ano de 1779, por ordem da Sagrada Congregação dos Ritos, foram reconhecidas como autênticas e coevas da aparição da Santa Imagem" (Addeo, p. 26).

A última inscrição é o único documento do século XV que dá a hora do milagroso acontecimento: hora de Vésperas, isto é, entre 4 e 5 da tarde.

■ 10 — ORNATO DE MÁRMORE DO TÍMPANO DA PORTA PRINCIPAL DA IGREJA. O tímpano de mármore branco apresenta, numa escultura, a Virgem com o Menino transportados pelos Anjos entre nuvens. Como as inscrições (n.° 9), foi considerado pelos mencionados peritos do Vaticano como contemporâneo da miraculosa aparição.

b) DOCUMENTOS POUCO POSTERIORES (SÉC. XVI)

■ 1 — ACTA P. GENERALIS C. PATAVINI, AN. 1557. No Arquivo Geral da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho há dois documentos do Prior Geral C. Patavino, do ano de 1557, nos quais se encontram referências à aparição da Imagem de Nossa Senhora em Genazzano e aos milagres operados na Igreja de Santa Maria.

■ 2 — INTROITO DAL 1567 USQUE 1647 — É um volume conservado no Convento de Santa Maria de Genazzano, por meio do qual se pode comprovar o antigo costume de ofertar no dia 25 de abril de cada ano somas em dinheiro ao altar da Sagrada Imagem, em memória da aparição.

■ 3 — CHRONICON, DE JERONIMO ROMAN (SALAMANCA, 1569). Conta a aparição, mais ou menos nos mesmos termos que Coriolano.

■ 4 — CHRONICA ORDINIS FRATRUM EREMITARUM S. AUGUSTINI, DE IOSEPH PAMPHILO, O. E. S. A. (ROMA, 1581). Repete igualmente Coriolano, acrescentando a data e a hora do milagre, que não aparece naquele autor.

■ 5 — TESTAMENTO DE BARTOLOMEU BISCIA (1596). Deixa o testador duzentos escudos para que se acenda uma lâmpada diante da Imagem da "Santíssima Senhora de Genazzano, que apareceu divinamente no local dos Padres de Santo Agostinho".

Estes documentos, se bem que não pertençam à época do miraculoso evento, são de um tempo relativamente próximo, e os seus autores, se não presenciaram os fatos relatados, podem tê-los ouvido de testemunhas diretas.

É só no século XVII, porém, que surgem histórias propriamente ditas com todos os pormenores e circunstâncias da aparição. "Mas não é isso — comenta Dillon — que pode afetar esta massa de provas tradicionais e históricas que existem, tanto em favor da maravilhosa aparição da Santa Imagem em Genazzano, como de sua maravilhosa transladação de Scútari àquela cidade" (p. 413).

Com Gaetano Marini, um dos peritos do Vaticano que procederam ao exame dos documentos relativos à questão, concluímos esta parte de nosso trabalho "muito nos alegrando com a gloriosa Imagem de Nossa Senhora de Genazzano, que da sua inopinada aparição, e dos milagres então operados, tem dos escritores, dos códices, e das mesmas pedras testemunhos tão ilustres e contemporâneos" (Addeo, p. 132).

A respeito da transladação de Scútari

Quanto à transladação de Scútari para Genazzano, é completo o silêncio dos arquivos. Os escritores contemporâneos Coriolano e Canensio também são omissos nesse ponto. É verdade que nenhum dos dois escreveu propriamente uma história da aparição da Imagem, senão que tinham outros fins em vista, quais sejam, provar que a Ordem dos Eremitas se filiava a Santo Agostinho, no primeiro caso, e narrar a vida e os feitos do Papa Paulo II, no outro. Por isso não estranha que não fizessem menção de certas circunstâncias que cercaram o acontecimento, como, por exemplo, o toque dos sinos, o coro celeste, a chegada dos peregrinos albaneses, e a procedência da Efígie.

Acresce que a penúria de documentos não quer dizer que outrora eles não tenham existido, claros, precisos e dignos de toda a fé, pois já vimos as vicissitudes por que passaram os arquivos locais.

Se não temos monumentos escritos a respeito da transladação da Imagem, temos a afirmá-la uma contínua e genuína tradição.

A tradição constitui para o historiador uma fonte como outra qualquer, que merece a mesma confiança, feita a devida crítica. "Chama-se documento ou fonte todo e qualquer vestígio do passado, capaz de nos dar informações acerca de um fato ou acontecimento histórico. [...] os documentos são muitíssimos e variados: podem ser textos escritos, objetos de arte, costumes populares, tradições orais, etc." (José van den Besselaar, "Introd. aos Estudos Hist.", Coleção da Rev. de História, 1956, p. 95).

Tanto o documento escrito, como a tradição oral repousam sobre o testemunho humano. É verdade que em princípio todo homem pode mentir: "Omnis homo mendaz" (Sl, 115, 11). Mas tanto pode enganar-se ou mentir aquele que faz um relato de viva voz como o que o deixa por escrito. Quando se trata de um acontecimento público, ou de um fato presenciado por uma multidão, é difícil que todos se enganem igualmente ao apreendê-lo, ou o deturpem da mesma maneira ao transmiti-lo à posteridade, Resulta, assim, que muitas vezes a tradição oral constitui para o historiador uma fonte mais segura do que um documento escrito isolado. Quando o fato chega até nós por relatos diversos, concordes entre si nas suas linhas essenciais — e é o que acontece neste caso — podemos admiti-lo como verdadeiro, já que não é de se supor que todas as fontes se tenham conjurado para nos defraudar...

Feita esta pequena digressão, voltemos ao nosso tema. A tradição a respeito da vinda da Imagem da Albânia para Genazzano sempre foi muito viva entre os habitantes desta cidade; a memória desse fato encontra-se também entre os albaneses, que sempre consideraram a Madona do Bom Conselho como a mesma Efígie que antes veneravam em sua pátria, perto de Scútari.

Examinemos em primeiro lugar a tradição existente em Genazzano e em seguida a que persiste entre o povo albanês.

a) A TRADIÇÃO EM GENAZZANO

A confirmar a existência de antiga tradição a respeito da transladação da Imagem de Scútari a Genazzano, temos:

■ 1 — GENEALOGIA DA FAMÍLIA GIORGI.

Segundo a tradição, dois albaneses, Giorgio e De Sclavis, seguiram a Imagem de Scútari ao Lácio, fixando residência junto da igreja por Ela escolhida, em Genazzano. Ambos se casaram ali, deixando numerosa descendência. A família De Sclavis extinguiu-se em princípios do século XVIII. Pelo contrário, a família Giorgi continua até os nossos dias. A sua árvore genealógica, estabelecida em boa ordem e em forma jurídica, com base em atos notariais, disposições testamentárias, registros paroquiais, tem seu início em "Georgius albanensis abitator Ienazzani", cujo testamento foi ditado ao Notário Siciliani, em 25 de fevereiro de 1512. Este Georgius aparece em numerosos outros documentos com a denominação de Contadinus, Albanensis, habitator ou morans Castro Genazani e, ainda, Schodrensis (de Scodra = Scútari).

A sua descendência conta com diversos Eclesiásticos e Religiosos, inclusive um Cônego da Basílica Lateranense e numerosos beneficiados; apresenta, ainda, elementos de destaque na vida pública e social do lugar. Forma, assim, uma corrente ininterrupta, cujo primeiro elo é o peregrino Giorgio, a transmitir de pai para filho o precioso relato, durante cinco séculos.

■ 2 — TRADIÇÃO NA CASA COLONNA. Igualmente entre os Príncipes Colonna, senhores de Genazzano, essa crença de que a Imagem tenha vindo de uma região remota, trazida pelos Anjos, sempre existiu. Prova disso é o ex voto oferecido pelo Condestável Filipo Colonna, Duque de Paliano, à Capela da Madona, para pedir a cura de sua esposa, Lucrecia Tomacelli; essa peça é anterior a 1622, ano do falecimento daquela senhora. Trata-se de uma placa de prata, na qual aparecem o Duque de joelhos e a Duquesa sobre o leito; no alto vê-se a Imagem da Virgem entre as nuvens, numa alusão clara à miraculosa transladação. No discurso que fez a Urbano VIII quando este Papa visitou o Santuário, em 1630, o Príncipe Giovanni, o filho de Filipo Colonna, alude igualmente ao fato, ao afirmar que a

(continua)