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A primeira imagem de Santo Antônio a sentar praça no Brasil foi a da Igreja de São Francisco, em Salvador. Substituiu-a há arca de 150 anos a que se vê acima com suas insígnias de Tenente-Coronel, focalizadas no clichê ao lado (com a cruz): bastão de mando, chapéu, dragonas e espada.

O INVICTO CABO DE GUERRA

STO. ANTÔNIO DE LISBOA

Gustavo Antonio Solimeo

O colonizador português trouxe para esta nossa América os seus costumes, as suas tradições e as suas instituições; trouxe, sobretudo, a sua fé. Duas devoções, eminentemente lusas, vieram com ele: a da Senhora da Conceição e a de Santo Antônio de Lisboa. Podia faltar na modesta bagagem do reinol que aqui aportava o agasalho ou a ferramenta indispensável aos lavores da terra. Raramente faltaria alguma imagem daquela Senhora e do Taumaturgo lisboeta; na primeira choça do recém-chegado, logo um tosco oratório as agasalhava.

Desde o primeiro instante em que foi plantada a Cruz de Cristo na que seria por antonomásia a sua Terra, e que esta viu pela primeira vez imolar o Divino Cordeiro, deve ter começado a exercer-se sobre o vasto país a especial proteção de Santo Antônio: como poderia o filho de Martim de Bulhões e discípulo de São Francisco ser indiferente ao fato de que o primeiro Sacerdote que aqui pisou foi Frei Henrique de Coimbra, português e franciscano como ele?

Colocados diante do sertão bravio e impenetrável, tinham os primeiros povoadores a enfrentar, além de mil fadigas e moléstias, a fera dos matos e o bugre arredio e feroz. Do lado do Oceano imenso que os separava da Mãe-Pátria, não estavam tampouco a salvo do pirata aventureiro que assolava o litoral desprotegido, agindo um pouco por conta própria, e um pouco (ou talvez bastante) a serviço de Soberanos que viam no imenso território despovoado uma presa fácil para a expansão de seus domínios.

Assim, o bom colono português devia, como os israelitas no Velho Testamento, edificar com uma das mãos a sua cidade enquanto combatia com a outra (cf. 2 Esdras 4, 17). Carecendo de forças humanas suficientes, era natural que apelasse para a Corte celeste, arregimentando os próprios Santos do Paraíso para sua defesa. Contam as velhas crônicas como São Sebastião salvou Ilhéus de ser destruída pelos selvagens e como a Legião Tebana afugentou o herege holandês do litoral do Espírito Santo; em outras situações angustiosas recorreu-se igualmente a São Jorge, São Miguel, Santa Bárbara. Nenhum desses Santos fez, no entanto, uma carreira militar tão brilhante em nossa terra como o Seráfico Santo Antônio de Lisboa e de Pádua... Além dele, ao que saibamos, apenas dois outros receberam soldo: São Bento e São Francisco Xavier; não passaram, porém, de soldados rasos, na Paraíba.

Tenente-General em seu país natal e Almirante pelo Rei da Espanha

Sabemos que em tempos del-Rei Dom Afonso VI, achando-se em grande perigo a monarquia lusa — recém-restaurada — fez esse monarca alistar a Santo Antônio como soldado, para que o povo, que lhe tinha grande devoção, não refugasse as fileiras do exército. Soldado de sua pátria terrena séculos depois de estar no Céu, veio o Santo a alcançar, através de sucessivas promoções, a patente de Tenente-General.

Quando em 1731 o Rei da Espanha, Filipe V, ordenou ao Almirante Mondemar a retomada de Oran, que havia caído nas mãos dos piratas argelinos, terrível flagelo do Mediterrâneo, não sabia o valoroso fidalgo como realizar semelhante empresa com as poucas forças de que dispunha.

Ao passar pelo porto espanhol de Alicante, fez rezar na Igreja de Santo Antônio uma solene Missa pelo êxito da expedição. Ao terminar a cerimônia, pediu uma escada e, subindo por ela até onde se achava a imagem do Santo, colocou sobre esta o seu próprio chapéu, prendeu-lhe ao ombro as insígnias de Almirante-em-chefe, cingiu-a com sua espada e pôs-lhe na mão o bastão de mando. A seguir, exclamou em alta voz: "Sois vós, ó Santo Antônio, quem deverá conquistar Oran; eu não tenho forças para isso. Daqui por diante sereis vós o Almirante e eu vosso soldado!"

Fizeram-se ao largo as naus espanholas e desembarcaram suas tropas em território inimigo, sem jamais serem hostilizadas: a fortaleza de Oran estava abandonada. Uns velhos mouros que ali permaneciam confessaram que, ao divisar-se no horizonte a esquadra, aparecera no céu um Frade franciscano, com o chapéu de plumas dos Almirantes espanhóis, espada à cinta e bastão de comando na mão, o qual ameaçava a cidade de completa destruição se ela não se rendesse.

O Rei, sabedor do fato, nomeou Santo Antônio Almirante, pagando o soldo competente ao Guardião do Convento de Alicante. A fama do sucesso correu toda a Europa, e até na Baviera e na Áustria se conservam ainda hoje antigas pinturas representando a cena (cf. José Carlos de Macedo Soares, "Santo Antônio de Lisboa, Militar no Brasil", José Olimpio Edit., 1942, pp. 107-110).

Na Bahia, foi soldado intertenido, Alferes de trem e Tenente-Coronel

A carreira militar de Santo Antônio no Brasil começa na "religiosíssima cidade da Bahia", "relicário da tradição católica brasileira" (Macedo Soares, p. 9). Ali, a imagem de Santo Antônio de Argoim foi alistada como soldado intertenido na Fortaleza de Santo Antônio da Barra. Fora essa imagem roubada de um forte português nas costas africanas por piratas calvinistas franceses, que depois de a mutilarem

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