ACONTECEU EM JANEIRO

O papel da França no futuro conflito mundial

Adolpho Lindenberg

A importância da cooperação dos franceses para a resistência à invasão russa — O estado psicológico da população — A atitude dos vários partidos em relação ao rearmamento alemão e francês.

Os americanos e ingleses conservam algumas poucas divisões no continente europeu, uma poderosa frota aérea e uma ainda mais poderosa marinha de guerra, mas o grosso do exército que terá de enfrentar os russos deverá ser constituído pelos franceses, italianos e espanhóis. Mais ainda, uma vez efetuada a eventual ocupação da Europa pelos orientais, a grande tarefa de organizar a resistência subterrânea caberá aos europeus e esta última guerra mostrou que para esse gênero de luta exige-se uma combatividade e uma energia sobre humanas.

O movimento da "Resistence" nesta última guerra foi maculado pela infiltração em seus quadros de elementos comunistas, é verdade, mas também é preciso reconhecer-se que serviu de escola e treino para numerosos jovens, os quais poderiam, hoje em dia, novamente se opor ao invasor. Por outro lado devemo-nos lembrar que o espírito gaulês nobre, altivo e aguerrido ainda sobrevive em numerosas províncias.

O que, no entanto, se pode dizer do espírito com que o grosso da população francesa aguarda a próxima guerra? Da França pode-se deduzir a mentalidade dos países latinos e, hoje em dia, todos eles apresentam o mesmo quadro homogêneo: uma pequena elite ainda católica, conservadora, viva, combativa, convivendo ao lado de uma imensa mole humana, inorgânica, plácida, amedrontada, apalermada, profundamente infiltrada pelo vírus do esquerdismo e ambas conduzidas por um governo maçônico, corrupto, instável e que em absoluto encarna a história e a mentalidade do país. 

As notícias deste último mês servem para ilustrar o que acabamos de afirmar. Umas relatam a combatividade dos soldados franceses na Indochina e na Coréia, sendo que neste último país, segundo as descrições, fizeram um assalto de baioneta calada enquanto cantavam a "Marselhesa" e isto com tal ardor que os soldados das outras nações que assistiam à cena ficaram entusiasmados. Outros telegramas, no entanto, mostram que os americanos estão apreensivos com a passividade e o desinteresse com que os franceses estão encarando a formação do novo exército europeu e a chegada de seu comandante, o Gen. Eisenhower. Certas notícias, ainda, relatam que se nota um grande nervosismo entre os parisienses com as novas do rearmamento de alguns milhares de subnutridos alemães. Finalmente vários semanários criticam o novo orçamento do rearmamento e a chegada de tropas americanas no país, afirmando que isto irá desgostar o homem da rua francês, já sobrecarregado de impostos e cansados de ver soldados estrangeiros em seu território...

Quais são hoje em dia as tendências políticas do povo francês e quais são os partidos que lhes imprime orientação e são por elas apoiados? Quatro são as grandes correntes, todas elas inimigas irreconciliáveis entre si:

a) O M.R.P., o partido democrata cristão francês, inspirado pelo pouco saudoso Marc Sangnier, dirigido pelo insignificante Bidault, o partido que é o fruto querido da esquerda católica, a concretização política das ideias de Maritain, Teillard de Chardin, Daniellou S.J., etc., etc., e ao qual pertence o atual primeiro ministro, o sr. René Pleven. Este partido advoga um acordo com os E. U. A. no que se refere ao rearmamento alemão e francês mas o seu passado de simpatizante com a Rússia e seu feitio liberal tornam suspeitas estas veleidades de resistência aos soviéticos.

b) Os comunistas e os socialistas, cujos respectivos partidos continuam a perder votos graças à sua atitude antipatriótica de criticar a resistência na Indochina, evidentemente são contra tudo o que possa significar um preparativo para a guerra do mundo ocidental versus oriental.

c) O R.P.F., o partido do Gen. De Gaulle, talvez o mais numeroso da França, o qual se bem que favorável a uma atitude enérgica para com a Rússia e seus aliados na Ásia, advoga, no entanto, uma atitude de certa frieza para com os E. U. A.

d) A direita francesa, a qual engloba os pétainistas, monarquistas, antigos membros da Action Française, etc., os quais, por meio de seus jornais "Aspects de France" e "L'Indépendence Française" criticam violentamente o governo por permitir que os americanos armem a Alemanha e por seguir uma política simpática aos Estados Unidos.

Como se vê, existe um ressentimento ativo (que erros e injustiças, dos norte-americanos, tornam profundamente explicável) da opinião francesa em relação aos Estados Unidos. No momento, o problema mais importante não consiste em analisar as causas deste ressentimento, mas em estudar os efeitos que, para a defesa da Europa, acarretaria uma atitude de braços cruzados da França.

É fato que muitos comentaristas militares opinam que a vaga comunista será detida nos Pirineus, graças ao número e ao valor dos combatentes espanhóis, especialmente os "requetés", que com sua ideologia carlista, possuem o ideal e a fibra dos Cruzados.

Mas isto de modo algum nos poderia tranquilizar, pois a ocupação da França pelos russos seria uma catástrofe sem igual para os interesses do Mundo Ocidental e da Igreja.

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O Presidente Truman apresentou ao Congresso um orçamento no qual as despesas com o rearmamento ocidental ultrapassarão a soma de 2 bilhões de contos, mais de 70 vezes todo o numerário existente no Brasil. Na França e na Inglaterra, igualmente se discutem orçamentos que incluem grandes despesas militares. Enquanto isso o Gen. Eisenhower continua a visitar as capitais europeias distribuindo sorrisos e aplainando as naturais dificuldades que irão surgindo à medida que o futuro exército europeu se for formando. Parece também que a formação de unidades alemãs de combate, com plena aprovação da França, estão em vias de serem constituídas e temos, pois razões para supor que dentro de 6 meses já exista a estrutura inicial de um grande exército capaz de enfrentar os russos. O Gen. Eisenhower afirmou, ao desembarcar na Europa, que em 2 anos o exército europeu estaria pronto para o que desse e viesse. Todas estas notícias são ótimas. A questão é saber se os russos não pensarão do mesmo modo e, portanto, não esperarão os 2 anos. Esperarão os 6 meses?...

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Por que será que os americanos, ao reconhecerem a Espanha como o melhor reduto da resistência ao invasor russo na Europa, não aprofundam as razões disto e não reconhecem que o melhor desta força, segundo a experiência de 1936, reside no espírito indomável e aguerrido dos carlistas tradicionais da Navarra?

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Já faz 2 meses que os chineses invadiram a Coréia e seu avanço continua ininterrupto. Caíram em seu poder Seoul, Wonju, Hunan, Suwon, etc. Os republicanos americanos apregoam o abandono do solo coreano mas todas as atuais autoridades militares e políticas afirmam categoricamente que os soldados da O.N.U. não sairão de modo algum e que quanto mais se estenderem as linhas de comunicações dos norte-coreanos, mais fácil há de ser a resistência. Seja como for, o fato é que o avanço comunista nesta última semana foi bem mais lento e presenciou-se um contra-ataque americano, coisa que há muito tempo não se via.

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Os telegramas noticiam um ataque corajosíssimo de soldados franceses e de baioneta calada. Eis aí duas coisas que supúnhamos pertencer ao passado.

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As atividades das Nações Unidas no mês findo se concentraram em apelos, propostas e ameaças para obrigar os chineses a se retirarem da Coréia e para que a luta fosse suspensa.

A Comissão Política sugeriu que cessassem as hostilidades como preliminar de negociações de paz, mas esta proposta de trégua encontrou viva e muito razoável reação na imprensa americana, e foi formalmente rejeitada pelo Governo de Peiping.

Essa última sugestão da Comissão política da O.N.U., se por um lado parece ser excessivamente liberal e conciliatória para com os vermelhos, por outro lado parece ser a última tentativa de acordo antes da China ser condenada como nação agressora.

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Um semanário francês anunciou que os funcionários da O.N.U. estão descontentes, requerem aumento de ordenado e ameaçaram entrar em greve. Razão: Ameaça de desemprego.


PAPA E SANTO

A provável beatificação do Papa Pio X, que governou a Igreja universal no período de 1903 a 1914, tem na História da Igreja um profundo significado, e vem sendo esperada com a mais viva ansiedade por todas as almas piedosas.

De um lado, o fato se assinalará por haver e Servo de Deus ocupado e sólio romano, e o acontecimento será jubilosamente aproveitado pelos fiéis, para dar novas manifestações [de] obediência à Santa Sé.

De outro lado, haverá ocasião para que se relembrem as sábias diretrizes dadas pelo imortal Pontífice sobre a Comunhão das Crianças, e sobre a Música Sacra, o que dará ocasião para o redobramento das atividades catequéticas e eucarísticas, e para um novo fervor para com a Música Sacra, que jamais deve ser substituída nas funções litúrgicas pela música profana.

Por fim, a canonização de Pio X, atrairá todas a atenções para o combate que o Santo Pontífice levou vitoriosamente a cabo contra o modernismo, erro que grassava nas fileiras católicas, extraordinariamente afim com os excessos do liturgicismo, os desvios de Ação Católica, os erros sobre o Corpo Místico, as tendências evolucionistas, que hoje em dia lavram às ocultas nas fileiras católicas, e que o atual Pontífice gloriosamente reinante não cessa de combater.

O decreto da heroicidade das virtudes de Pio X, que aqui publicamos, é o primeiro marco para a sua beatificação.

DECRETO

São Bernardo, no livro «De Consideratione», escreve: «No que diz respeito ao fruto da consideração, em primeiro lugar deves considerar quatro pontos: tu mesmo, o que está abaixo de ti, o que está em torno de ti e o que esta acima de ti». (Lib. II) O Venerável Pio X pôs em prática perfeitamente esta doutrina de São Bernardo. Do berço à sepultura, vigiou sobre si mesmo, subordinou o sentimento à razão, e, como o mesmo Doutor sugere, confortou com o espírito a parte material.

Daí o desprezo pelas coisas materiais, daí aquela profunda humildade, com a qual, constituído na suma dignidade, sentiu que esta lhe fora dada para desarraigar, destruir, dispersar, edificar e plantar; não para dominar, mas para servir, não para descansar, mas para trabalhar (cfr. ib.). Lançado o sólido fundamento na humildade, não podiam faltar outras, sobre as quais domina como rainha a caridade para com Deus e para com o próximo, para com o igual e para com o inferior.

Antes de falar de suas virtudes é necessário dizer algumas palavras sobre seu "curriculum vitae"

Nasceu em Riese, diocese de Treviso, a 2 de junho de 1835, filho de João Batista Sarto e de Margarita Sanson. Aos 10 anos, foi confirmado no Sacramento do Crisma e aos doze recebeu a primeira Comunhão. Admitido entre os alunos do Seminário de Pádua, por recomendação do Patriarca de Veneza, completou brilhantemente o curso e no ano de 1858 foi ordenado Sacerdote. Em seguida, tendo exercido vários ofícios em sua Diocese, governou-a com o título de Vigário Capitular durante a vacância da Sede.

Em 1884, Leão XIII o elegeu Bispo de Mântua; nove anos depois nomeou-o Cardeal Patriarca de Veneza; e, falecido este Pontífice, foi a 4 de agosto de 1903 eleito Papa com o nome de Pio X, não obstante haver implorado ardentemente ao Sacro Colégio que a afastasse dele este tremendo peso (Encíclica de 4 de Outubro de 1903).

Elevado a tão excelsa dignidade, consagrou-se desde logo a pôr em prática o programa de toda a sua vida: «Instaurare omnia in Christo", isto é, que em tudo e em todos vivesse Jesus Cristo. Por isto, teve como único objeto de sua atividade e de sua admirável fortaleza, a Deus, Sua Glória, a integridade da Fé Católica e a honra da Igreja. Cuidou diligentemente da instrução catequética das crianças e dos adultos; reduziu o limite de idade para as crianças se aproximarem pela primeira vez da Sagrada Eucaristia; velou pela nova codificação do Dítico litúrgico às primitivas fontes gregorianas. Tendo diante dos olhos somente a Deus e a honra da Igreja, e indiferente ao gravíssimo [...] repudiou, cheio de fortaleza do Espírito Santo, as leis culturais promulgadas pela França contra os direitos da Igreja. E Deus, em recompensa, suscitou naquela nação generosos benfeitores que supriram a indigência do Clero.

Na luta contra o modernismo — síntese de todas as heresias ele lhe percebeu sagazmente o veneno e a natureza sinuosa e cheia de dolo; assim, condenou-o, venceu-o e obteve que a Igreja ficasse indene desta pestilencial heresia. Combateu implacavelmente o erro, mas teve sempre, para os que erram, palavras de paternal bondade.

E se debelou o modernismo, não repeliu todas as sadias novidades que pudessem beneficiar a Igreja. Por isto, fundou o Instituto Bíblico, fundou Seminários Regionais, e adaptou às necessidades dos tempos a disciplina do Clero. Muitas outras coisas, inspirado por Deus e pela sua graça, que nele não foi infrutífera, levou ele a cabo para a própria santificação, e para o incremento da Igreja, o que lhe alcançou ainda em vida, mas especialmente durante o pontificado, a fama de santidade.

No início da guerra europeia, que de todos os modos procurou evitar, esmagado pela dor mais do que pelos anos, e munido dos sacramentos da Igreja, entregou a alma a Deus no dia 20 de agosto da 1914.

A fama de santidade, que já em vida o cercava, se estendeu não só por todo o orbe católico, mas ainda entre os infiéis e os adversários da Igreja. Por isto, o próprio Sacro Colégio se tornou promotor de sua Causa; inúmeros membros do Episcopado, muitos dignitários e personalidades de destaque, fizeram chegar ao Santo Pontífice cartas postulatórias com que pediam a introdução de sua causa de beatificação, pedidos estes que foram coroados de êxito. Instruídos, com efeito, os processos ordinários nas Cúrias do Vicariato de Roma, de Veneza, Mântua e Treviso, e observadas todas as normas jurídicas, foi introduzida sua causa de beatificação no dia 12 de fevereiro de 1945. Celebrados depois os processos apostólicos, realizou-se no dia 29 de novembro de 1949 a Congregação antepreparatória das virtudes, presidida pelo Cardeal Ponente da causa.

Dada a natureza desta, e a suma autoridade do Servo de Deus, as dificuldades ocorridas nesta primeira discussão podiam parecer prejudiciais à própria causa; por isto a sessão histórica da referida Congregação incumbida de pesquisar os documentos, único meio de conhecer a verdadeira e plena luz .

No dia 18 de julho, realizou-se a Congregação Preparatória.

Finalmente, no dia 8 de agosto deste ano, no Palácio Apostólico de Castel Gandolfo, na presença do Sumo Pontífice Pio XII, reuniu-se a Congregação Geral, em que o próprio Cardeal Ponente ou relator propôs a discussão sobre se consta o exercício em grau heroico das virtudes teologais, Fé, Esperança e Caridade para com Deus e para com o próximo, e das virtudes cardiais de Fortaleza e outras que lhes são anexas, para o fim de que se trata.

O Santo Padre ouviu atentamente os sufrágios dos Reverendíssimos Cardiais, Oficiais Prelados e Padres Consultores, reservando-se para dar sua opinião somente hoje, de modo a pedir ao Senhor, com intensíssima súplica, luzes do alto para que sua me [...] ao beneplácito divino.

E por isto, depois de ter celebrado piedosamente o Santo Sacrifício da Missa, ao mencionado Cardeal, ao Revmo. Padre Sanvador Natucci, Promotor Geral da Fé, e a mim, secretário abaixo assinado, declarou que consta que o Venerável Servo de Deus Papa Pio X, exercitou em grau heroico as virtudes teologais de Fé, Esperança e Caridade para com Deus e o próximo, bem com as virtudes cardiais de Prudência, Justiça, Temperança, Fortaleza e outras que lhes são anexas, para o fim de que se trata.

E por fim ordenou que este decreto seja promulgado e conservado nos Atos da Sagrada Congregação dos Ritos.

Dado e passado no Castelo de Castel Gandolfo, junto de Roma, do dia 3 de setembro, XIV Dominga depois de Pentecostes, do Ano do Senhor de 1950.

(a) Clemente Cardeal Micara, Arcebispo de Veletri.

(a) Afonso Carinci, Arcebispo de Seleucida, Secretario.