CORRESPONDÊNCIA

Escreve-nos F. O.: «Se o Marechal Tito se reconciliar com a Igreja, pode seu regime ser aprovado pelos católicos?»

R. Como todo o mundo recorda com indignação, o Marechal Tito foi quem, após o último conflito, começou a odiosa perseguição contra a Igreja ferindo os altos dignitários da mesma, prendendo o Arcebispo Primaz da Iugoslávia, Mons. Stepinac, que ainda hoje paga na prisão sua fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo. Poderia alguém pensar que a soltura de Mons. Stepinac por parte do governo Iugoslavo seria suficiente para indicar uma reconciliação entre o marechal Tito e a Santa Sé, entre a filosofia que preside o seu governo e a doutrina cristã, de maneira que já pudessem os católicos aprovar e aplaudir o ditador da Iugoslávia e o regime político social que ali vigora. Em tal julgamento há um engano fundamental. O governo da Iugoslávia é tão comunista como o que tiraniza o povo russo.

Sua base teórica é o materialismo histórico, pela Igreja definitivamente proscrito. Aliás, como poderia a Igreja aprovar um regime que desconhece o sétimo preceito? que ignora o direito de propriedade, declarado pelos Sumos Pontífices como um direito natural? Por isso, julgamos que reconciliação real só pode haver mediante uma reforma substancial do regime considerado não só em seus fundamentos filosóficos, mas ainda em sua posição perante a propriedade privada. Qualquer mitigação que porventura possa haver com relação ao tratamento imposto a Mons. Stepinac e outros dignitários da Santa Igreja, inclusive a restituição ao pleno uso de sua liberdade, embora coisa para desejar, não tem como corolário necessário a aprovação, pelos católicos, do regime imposto à Iugoslávia pelo Marechal Tito.

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Escreve-nos "Lumen": "Ouço falar em católicos da esquerda e católicos da direita, católicos progressistas e reacionários. Que se deve entender por essas expressões?

R. Bento XV na encíclica "Ad beatissimi Apostolorum", de 19 de novembro de 1914, declara: "Queremos que se abstenha dos apelativos, recentemente introduzidos, para distinguir católicos de católicos". Parece-nos, pois, que as expressões acima não se devem tolerar. Infelizmente, esta medida recomendada pelo Pontífice, não impede, como ele próprio notava nesta mesma Encíclica, que haja não poucos que, como diz o Apóstolo, prurientes auribus, como não suportam a doutrina sã, reúnem em torno de si mestres segundo seus desejos, afastam seus ouvidos da verdade e se voltem para as fábulas: "cum sanam doctrinam non sustineant, ad sua desideria coacervent sibi magistros, et a veritate quidem auditum avertant, ad fabulas matem convertantur". E por isso recomenda o Papa aos fiéis se precaver contra esta corrente, nomeadamente evitar não só os erros, mas também o espírito dos Modernistas, que leva os que dele se deixam imbuir a detestar com fastio tudo quanto sabe à tradição, e a procurar avidamente novidades em todas as coisas: "Na maneira de falar das coisas divinas, na celebração do culto divino, nas instituições católicas, e mesmo no exercício particular da piedade. O ajustamento da Igreja aos tempos, se deve fazer sem repelir a tradição. "Nihil innovetur, nisi quod traditum esta; non nova, sed noviter", onde seja o caso.

Estas advertências do Santo Padre deixam bem a entender que infelizmente há entre os católicos quem não procura ser pura e simplesmente católico, ou como diz o Papa, "cristão católico" tout court, sem mais determinativos. Seriam os que o consulente coloca entre os católicos da esquerda, pois que muitos católicos há que, no ardor das novidades, concedem demais às correntes ideológicas que hoje agitam o mundo e levam no seu bojo como alma que as vivifica o espírito da revolução? Talvez. Na Sagrada Escritura, vemos várias vezes a expressão "esquerda" ser usada para designar o mal, e a "direita" para designar o bem. Assim, o Filho de Deus está sentado à direita do Padre Eterno, isto é, no melhor lugar, no lugar de honra. Os eleitos serão chamados para se colocarem à direita de Deus, no dia do Juízo, e o lugar próprio para os maus será a esquerda. A mão direita é a mão benfazeja; e a esquerda deve ignorar o bem feito pela direita. São estas algumas finas observações feitas pelo ilustre teólogo Garrigou Lagrange ao "Legionário", de São Paulo, e publicadas no ano de 1936. Nesta ordem de ideias, a Cidade de Deus alicerçada sobre a Fé, a humildade, a castidade, a ordem, a hierarquia, seria a direita. E a Cidade do Demônio, filha do orgulho, da impiedade, da impureza, foco da revolta e da luxúria seria a esquerda. Parece, pois, perfeitamente pertinente designar como esquerdistas os inovadores e reformadores de que falamos. E, neste caso, os católicos da direita seriam, em última análise, os católicos às direitas, imbuídos do verdadeiro espírito da Igreja, fiéis a Roma e dóceis ao Vigário de Cristo.

Em rigor, portanto, a expressão "católico da direita" seria supérflua: bastaria dizer católico, apostólico, romano. Realmente, neste sentido, um verdadeiro católico não pode ser senão da direita. E esta expressão, além de supérflua, seria perigosa, pois por um abuso da terminologia corrente, a expressão direita tem sido promiscuamente usada como qualificativo para movimentos excelentes como o carlismo espanhol e péssimos como o nazismo...

Razão tinha, pois, Bento XV em preferir que tais expressões não fossem usadas. É preferível falar simplesmente em católicos, inteiramente fiéis a Roma e... católicos infelizmente pouco zelosos de afinar pelo diapasão romano seu modo de pensar, de sentir e de agir.


OS CATÓLICOS FRANCESES NO SÉCULO XIX

Monopólio estatal e liberdade de ensino

Bertrand de Poulengy

A necessidade de restaurar a civilização católica e combater a Revolução Francesa fez surgir no século XIX um gênero de apostolado, que estivera algum tanto esmorecido, e que se poderia chamar de apostolado combativo, a ele se dedicaram principalmente os católicos leigos. Joseph de Maistre lançara os princípios que deveriam guiá-lo, mas a politica religiosa de Napoleão, Luís XVIII e Carlos X produzira tal confusão que os católicos divergiam na sua aplicação prática, o que tornava impossível entre eles uma união de esforços eficaz e duradoura. É verdade que o combate ao galicanismo conseguira reunir em torno de Lamennais a elite intelectual do catolicismo na França, mas não interessara todos os católicos. No reinado de Luís Filipe uma questão antiga daria a Montalembert o objetivo comum indispensável para essa união tão desejada. Foi a chamada questão da liberdade de ensino.

Desde os tempos de Napoleão, fora instituído o monopólio de ensino por parte do Estado, o que privava a Igreja de um de seus direitos mais sagrados. Foi a luta pelo reconhecimento desse direito, que fez possível a união dos católicos. Com raras exceções, ultramontanos e galicanos, Bispos, Sacerdotes e leigos se levantaram contra o monopólio. Os Bispos publicavam mandamentos, realizavam-se Congressos, na Câmara dos Pares ouvia-se a voz eloquente de Montalembert, na Câmara dos Deputados levantaram-se o Visconde de Carné e Mons. Parisis, editavam-se livros, panfletos, e os jornais católicos, com "L'Univers" de Louis Veuillot à frente, não deixavam que o entusiasmo arrefecesse.

A campanha pela liberdade de ensino da Igreja é um dos mais belos e mais instrutivos episódios da história religiosa na França. De um lado mostra a força e a vitalidade do movimento católico, quando organizado de acordo com os princípios da Igreja. De outro, é no seu desenvolvimento que se delineara respectivamente as tendências dos católicos ultramontanos e liberais: estes, dia a dia mais se afastando da doutrina católica e levando o movimento para um compromisso com o Estado; aqueles, tirando progressivamente dos princípios imutáveis postos pela Santa Sé as consequências práticas indispensáveis à nova situação.

Parece-nos útil, portanto, dedicar uma série de artigos a essa luta, começando hoje por expor a questão como se apresentava aos católicos no inicio do reinado de Luís Filipe.

Em sua ação civilizadora a Igreja não lança mão de planos pré-estabelecidos, onde até os mínimos detalhes tenham sido calculados e ao qual a humanidade deve se amoldar. Ela ensina, orienta e infunde em todas as coisas o espirito católico que deve presidir à sua formação. Ela dá os princípios que a devem inspirar e orientar, suscita empreendimentos e instituições, mas em larga medida deixa que surja a verdadeira civilização católica da necessidade e do dinamismo das forças vivas da sociedade cristã, corrigidas nos seus desvios pelo magistério infalível da Igreja. É por isso que, na aparente desordem da Idade Média, se nota um movimento ascendente e uma unidade que nunca mais a humanidade conseguiu. Assim, por mais completa que fosse a destruição do Ancien Régime, pela Revolução Francesa, se o espirito católico (que apesar dos pesares ainda perdurava no Ancien Régime) e a Igreja não fossem cerceados na sua liberdade na era pós-revolucionária, dos escombros surgiria inevitavelmente uma nova Idade Média. Logo, se a Revolução não quisesse comprometer seriamente sua obra, tinha que substituir o espirito católico pelo novo espírito, o espírito revolucionário, e impedir a Igreja de ensinar.

A convenção, partindo da falsa premissa de que a Igreja Católica estava morta, limitou-se a instituir o ensino oficial tão nosso conhecido hoje em dia. Fundou Liceus destinados ao ensino secundário e as grandes Escolas Centrais que tinham por principal objetivo a formação profissional.

O ensino, no entanto, continuava livre para a iniciativa particular. O Estado aparecia mais como concorrente, aliás concorrente perigoso, e não tinha nem sequer a função de dirigir o ensino francês; os Liceus viviam vazios e as Escolas Centrais, não sendo destinadas propriamente à formação das inteligências, dificilmente poderiam infundir na França o espírito revolucionário.

Com Napoleão, foi montada a máquina. O ensino, dizia ele, deve formar os cidadãos no espírito das instituições do Estado; este não pode ser neutro, tal neutralidade é impossível; o colégio, o liceu devem fundir e modelar para o futuro os elementos da nação.

Todos esses princípios iam ser postos em prática. Liceus e colégios foram criados por toda a parte para execução dos planos do Imperador, que queria cem liceus disseminados pela França e

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VERBA TUA MANENT IN AETERNUM

A razão de ser das universidades católicas

Pio XII: A permanente atualidade dos Institutos ou Universidades Católicas reside na utilidade e na necessidade de constituir um curso de doutrina ordenado e sólido, de criar todo um ambiente de cultura especificamente católico . Um ensino, mesmo que irrepreensível, em todos os ramos do saber, completado também pelo acréscimo colateral de uma instrução religiosa superior, não é suficiente . Todas as ciências têm, direta ou indiretamente, alguma relação com a religião, não somente a teologia, a filosofia, a história a literatura, mas também as outras, como as ciências jurídicas, médicas, físicas, naturais, cosmológicas, paleontológicas, filológicas. Supondo que não incluíssem nenhuma relação positiva com as questões dogmáticas e morais, não obstante elas correriam frequentemente o risco de se achar em contradição com estas. Portanto mesmo que o ensino não toque diretamente na verdade e na consciência religiosa, que aquele que ensina esteja todo imbuído de religião, da Religião Católica. (Discurso aos professores e estudantes dos Institutos Católicos da França, de 21-IX-1950).

Deus ama a França

Pio X: Deus ama a França, por que Ele ama a Igreja, e porque, uma vez que protege Sua Esposa, quer também a salvação de sua filha bem amada... Deus ama a França, pois se nem sempre ela correspondeu à missão que lhe foi confiada e aos privilégios que lhe foram concedidos para cumprir esta missão, Ele não deixou sem castigo a sua ingratidão, e a reergueu com a mesma mão que a castigava. Deus ama a França, pois nestes tempos de proscrição e de angustias, chama Ele os seus filhos para junto dos Santuários de Montmartre, de Paray-le-Monial, e da Gruta de Lourdes, para rezar, para chorar, e para admirar as maravilhas de sua Onipotência. Deus só concede tais graças às nações que quer salvar (Alocução à Peregrinação Francesa de 23-IX-1904).

Entre os interesses do operário, cuide o estado primeiramente dos espirituais

Leão XIII: Quanto ao operário, igualmente há interesses numerosos que reclamam a proteção do Estado, e, em primeiro lugar, os que se referem ao bem de sua alma.

A vida do corpo, com efeito, por mais preciosa e desejável que seja, não é o fim último de nossa existência, ela é um caminho e um meio para chegar pelo conhecimento da verdade e pelo amor do bem, à perfeição da vida da alma. A alma é que traz gravada em si, a imagem e semelhança de Deus; é na alma que reside aquela soberania de que o homem foi investido quando recebeu ordem de submeter a si a natureza inferior, e de pôr a seu serviço as terras e os mares (Encíclica Rerum Novarum, de 16-V-1891).

Uma falta de respeito ao Papa

Pio X: Em todo o tempo, nas discussões sobre Ação Católica, deve-se evitar de firmar o triunfo de opinião pessoal, citando palavras do Soberano Pontífice, que se pretende hajam sido ditas ou ouvidas em audiências privadas . Deve-se, "a fortiori", evitar de o fazer em congressos públicos, pois que, além do pouco respeito que assim se demonstra ao Soberano Pontífice, corre-se com isto um sério perigo de mal-entendidos, segundo as opiniões pessoais de cada um. O caminho certo para saber o que quer o Papa consiste em cingir-se aos atos e documentos emanados da autoridade competente. (Carta aos Bispos da Itália, de 28-VII-1904).

Tática velha e sempre nova

Pio X: Consiste (a tática dos modernistas) em jamais expor suas doutrinas metodicamente e em seu conjunto, mas em as fragmentar de certo modo e as disseminar aqui e lá, o que dá sempre a impressão de que elas são variáveis e indecisas, quando suas ideias, pelo contrário, são perfeitamente nítidas e consistentes; importa, pois, e antes de tudo, apresentar estas mesmas doutrinas sob seu aspecto unitário e mostrar o nexo lógico que prende uma às outras (Encíclica "Pascendi Dominici Gregis", de 8-IX-1907).

Civilização cristã

Leão XIII: A obra imortal do Deus de Misericórdia, a Igreja, se bem que, em si mesma e por sua natureza, tenha por fim a salvação das almas e a felicidade eterna, é entretanto, na própria esfera das coisas humanas, fonte de tantas e tais vantagens, que não as poderia proporcionar mais numerosas nem maiores ainda mesmo que tivesse sido fundada primeira e principalmente para proporcionar a felicidade desta vida (Encíclica "Immortale Dei", 1.0-XI-1885).


COMO É FEITA UMA CANONIZAÇÃO

A glória de um santo - A heroicidade das virtudes - O «advogado do diabo» - Os esplendores da canonização

"Só há uma fama verdadeiramente imortal; é a dos Santos da Igreja Católica". Esta reflexão de Victor Hugo é profundamente verdadeira. O tempo sepulta inexoravelmente todas as reputações, e as glórias que mais lhe resistem ficam confinadas na maior parte dos casos a pequenos cenáculos de intelectuais. César, Napoleão, Luiz XIV são para o comum dos homens objeto de uma admiração fria e distante. A massa da população nem sequer sabe ao certo, a respeito deles, senão que foram soberanos ou guerreiros de grande poder. Com os Santos, a situação é inteiramente outra. A sua biografia é difundida durante séculos nas massas populares as centenas de milhares de exemplares. Muitos deles dão nomes a cidades ou regiões de quase todos os continentes. Em seu louvor, erguem-se em todas as latitudes monumentos e Igrejas, bem como altares diante dos quais se prostram todos os povos. Mais ainda, massas humanas inteiras depositam neles suas esperanças, seus afetos, fazem deles o alvo de sua gratidão e modelam segundo eles suas ações, sua vida, e até seus mais íntimos pensamentos. Não há exagero em afirmar, por exemplo, que a glória, a influência e a atualidade de Sto. Antonio de Pádua é, no Brasil, muito mais real, mais palpitante, mais viva do que a de César ou Napoleão.

O que é um santo?

A explicação desta glória está na própria noção do que é um Santo.

De modo muito genérico todos aqueles que estão fora do estado de pecado e na posse da graça de Deus, são Santos. Em outros termos todo bom católico é Santo.

Mas a Igreja reserva mais especialmente esta designação para os que praticaram a virtude, não apenas com uma correção comum mas em grau heroico. O mártir, por exemplo, é um herói, e a este título é um Santo .

A palavra Santo não se aplica, entretanto, no seu sentido mais estrito, a todos os que praticaram virtudes em grau heroico, mas somente aos que, a Igreja, depois de acuradíssimo processo inscreve no catálogo dos Santos. Haverá por certo no Céu muitas almas que foram heroicas nas virtudes cristãs, mas que passaram pela terra sem deixar vestígios positivos e concludentes acerca de sua santidade. São luzeiros que brilham apenas aos olhos da Igreja triunfante. Mas a respeito de muitas outras almas tem sido possível demonstrar historicamente que possuíram e praticaram em grau heroico a virtude, e assim a conservaram até o último alento. À vista desta demonstração, foi possível fazer com toda segurança sua inclusão no rol dos Santos venerados pela Igreja, para que brilhassem no firmamento da Igreja militante, para a edificação dos homens.

A Canonização é o ato pelo qual o sumo Pontífice decreta a inscrição de um nome no Catálogo dos Santos, e prescreve seu culto a toda a Igreja. Este ato implica duas afirmações: primeiramente, de que a pessoa canonizada praticou heroicamente a virtude e em segundo lugar que ela perseverou na posse da virtude até o último momento de sua existência terrena. Como se vê, a Igreja jamais canonisa pessoas ainda em vida.

A afirmação de que a pessoa canonizada goza efetivamente da glória celeste reservada aos Santos envolve a própria infalibilidade pontifícia. Em outros termos, graças à assistência divina, a este respeito o Papa não pode errar.

De onde nasce para o Romano Pontífice a certeza a respeito de assunto tão delicado quanto seja o da heroicidade das virtudes de determinada alma?

Servos de Deus, beatos, santos

Para compreendermos bem a resposta, notamos antes de tudo o significado preciso destes vários títulos: Servo de Deus, Beato e Santo. Chama-se Servo de Deus a pessoa a cujo respeito se iniciou um processo de beatificação. O Beato, ou Bem-aventurado, é o Servo de Deus cujas virtudes heroicas foram proclamadas pelo Romano Pontífice, e cujo culto é por este permitido para certas regiões ou famílias religiosas. O Santo é a pessoa inscrita pelo Romano Pontífice no catálogo dos Santos da Igreja, seu culto é imposto a todo o orbe fiel. De ordinário, só se canonizam as pessoas já anteriormente proclamadas bem-aventuradas. Esta última proclamação costuma ser portanto um marco, e o mais importante, para o processo de canonização

Os processos

Há um conjunto de rigorosíssimos processos pelos quais passa todo o assunto antes de se chegar a canonização. Começa-se pelos processos preparatórios da Beatificação.

O primeiro destes é instaurado, ou na Diocese em que nasceu o Servo de Deus, ou naquela em que faleceu, ou por fim na em que passou a maior parte de sua vida e realizou suas primeiras obras. Verifica-se se o servo de Deus é objeto de algum culto, pois as leis da Igreja proíbem qualquer culto a pessoas não beatificadas ou canonizadas, e em caso afirmativo o culto deverá cessar imediatamente. Outrossim, recolhem-se para rigoroso exame todos os escritos públicos ou inéditos do eventual Bem-aventurado. E, simultaneamente procede-se a uma meticulosa inquirição de testemunhas para verificar a vida e os costumes do eventual santo. Como todas estas providências se desenrolam sob a direção dos órgãos diocesanos competentes, constituem o processo diocesano.

Toda a documentação é, em seguida, encaminhada a Roma, onde é objeto de estudo da parte da congregação dos Ritos.

Quando este estudo fica absolutamente concluído e todos os aspectos do processo diocesano já foram reexaminados e quiçá completados pela Congregação num segundo processo, que é o romano, sobe todos os documentos ao Sumo Pontífice, único a decidir em suprema instância, necessário que se demonstre que por e a poder decretar a beatificação.

Um dos elementos essenciais para a beatificação são os milagres. É intercessão da pessoa a ser beatificada, foram operadas depois de sua morte duas ou três curas miraculosas, conforme o caso. O milagre deve ser demonstrado com todo rigor da crítica médica, e para tal, quer durante o processo diocesano, quer durante o romano, atuam médicos encarregados de só qualificar como milagres as curas que se possam reputar tais com a mais implacável análise da ciência .

O processo de canonização

Depois da beatificação, pode dar-se início a outro processo, também severíssimo, que é o da canonização.

Intervém nele novamente a Congregação dos Ritos. Um dos objetivos mais essenciais deste segundo processo consiste em analisar — sempre com o auxílio de médicos de comprovada competência — mais dois milagres que se tenham dado por intercessão do Bem-aventurado depois da Beatificação.

Figura em todas estas atividades um personagem que se tornou famoso na imaginação popular: é o promotor da Fé, encarregado de examinar todas as lacunas do processo, para sustar os que tenham sido requeridos sem o necessário fundamento. É esta figura que habitualmente se chama na linguagem do povo o "advogado do diabo".

Concluídos os estudos da Congregação dos Ritos, e ouvido o Consistório dos Cardeais, o processo de canonização é por fim objeto de um último pronunciamento do Pontífice, que decidirá em suprema instância sobre se a canonização poderá ser realizada.

Em caso afirmativo, o Santo Padre fixa a data da canonização, geralmente com vários meses de antecedência, e começam os preparativos para a grande festa: aprestos na Basílica, peregrinações que se organizam, etc. Chega por fim o dia da canonização.

A canonização

Consiste esta numa cerimônia deslumbrante em que o Sumo Pontífice, em presença do Colégio Cardinalício, dos embaixadores e ministros acreditados junto ao Vaticano, e de uma multidão que costuma ser incontável, proclama a inclusão do novo Santo no rol oficial da Igreja, e impõe seu culto a todo o orbe. Em seguida, o Pontífice celebra o Sacrifício em honra do novo Santo. Durante a cerimônia, a imagem deste é exposta à veneração dos fieis, que a aclamam calorosamente. Soam os sinos de S. Pedro. Começa a propagar-se pelo mundo a glória do novo Santo, enquanto orações mais férvidas do que nunca a ele se dirigem, para suplicar sua mediação no Céu, onde fulge num trono de luz por toda a eternidade.