QUAL SERÁ A RESISTÊNCIA DOS ALEMÃES À OCUPAÇÃO RUSSA?

Adolpho Lindenberg

Considerado sob o ponto de vista das atitudes temperamentais políticas dos vários povos, o quadro europeu até a I Grande Guerra era de uma absoluta nitidez: podia-se falar na disciplina e espírito guerreiro dos alemães, no individualismo e patriotismo dos franceses, no imperialismo e comercialismo dos ingleses, etc., mas, nos dias de hoje, forçoso é reconhecer-se que estas atitudes temperamentais foram superadas por correntes ideológicas que de muito transcendem do âmbito nacional. Pode-se observar que em um mesmo país tumultuam concepções antagônicas entre si, mas que se assemelham às que se entrechocam nas nações vizinhas, de modo a tornar difícil uma opinião exata sobre qual seja o desejo e a orientação política predominante em determinado povo.

Essa dificuldade é sobremaneira acentuada no estudo da situação política reinante na Alemanha Ocidental, onde a opinião pública, em virtude do regime de ocupação, não pode se expressar livremente. Na realidade, o Partido Democrata Cristão e o Partido Social Democrata representam e encarnam muito imperfeitamente as grandes ideologias que nestes últimos trinta anos, galvanizando o natural entusiasmo e patriotismo germânicos, tentam dirigir os destinos do povo alemão e espalhar-se por toda a Europa.

É fato que o Chanceler Adenauer, aprovando o rearmamento alemão, e os sociais-democratas combatendo-o, deram uma oportunidade para que os alemães, nas últimas eleições, se manifestassem contra a formação de um novo exército germânico, mas a resistência aos russos depende, uma vez que parece estar próxima a invasão, não tanto da organização de batalhões recém-formados, mas sobretudo da atitude da população durante a ocupação. Da impermeabilidade à infiltração das doutrinas bolchevistas e da combatividade dos movimentos de resistência dependerá, não só a oposição que será oferecida aos russos, como também, e isto é muito importante, o futuro político e ideológico da Alemanha.

Uma parte da população alemã, constituída pelos comunistas, não muito numerosos mas magnificamente disciplinados, pelos elementos esquerdistas pertencentes ao Partido Social Democrata (o qual, deve-se lembrar de passagem, sempre contou com o apoio entusiasta dos trabalhistas ingleses) e por outros grupos esquerdistas, colaborará com os russos e fornecerá os elementos necessários à formação de um governo títere. Outra parte da população, a qual infelizmente não parece ser pequena, cruzará os braços e esperará passivamente o que der e vier. Neste grupo encontram-se muitos chefes de famílias desesperados de qualquer futuro para seus filhos, cansados de lutar por quimeras, revoltados contra os americanos pela destruição implacável de suas cidades, dispostos a tudo, menos a pegar mais uma vez em armas e a se expor a novas perseguições e destruições; e esse contingente de desanimados e revoltados é engrossado por milhares de renitentes nazistas, contentes de verem confirmada a ameaça de Hitler, aliás falaciosa, de que, se os aliados não auxiliassem a Alemanha a conter a avalanche russa, ninguém mais seria capaz de o fazer. Finalmente, da terceira parte da população, a mais sã, a que é composta pelos católicos que sempre foram fiéis ao antigo Partido do Centro Alemão, pelos monarquistas, por autênticos patriotas, pode-se esperar uma atitude mais enérgica, mais coerente, mais definida, à vista dos acontecimentos tormentosos em que, em breve a Alemanha será envolvida.

É cedo para prejulgar atitudes à vista de problemas que envolverão um sem número de aspectos morais, técnicos e humanos. Contudo, de um modo geral, parece-nos que a melhor defesa da Europa Ocidental contra o comunismo invasor consistirá em imitar a atitude dos espanhóis diante da invasão napoleônica. Contanto que este gênero de resistência não degenere nos atos de banditismo que, com lamentável frequência, macularam, alguns aspectos do movimento de resistência francês durante a última guerra.

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O desprestígio do Socialismo e das correntes esquerdistas em todo o mundo alcançou um nível realmente desencorajador para os mesmos, desprestígio este que parece levar o Sr. Atllee a agir com menos arrogância e menos ostentação em sua política interna e externa. Infelizmente, no entanto, com menos barulho, é verdade, a política de nacionalizações e de "terceira força internacional" continua a ser seguida. No começo do mês a Câmara dos Comuns aprovou por uma mínima maioria a desapropriação das indústrias siderúrgicas britânicas, e no campo da política externa, estuda-se com carinho a possibilidade de uma visita do Sr. Attlee a Moscou por ocasião da possível renovação do tratado de amizade anglo-soviético .

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Durante todo o mês de fevereiro sucederam-se as defecções no Partido Comunista Italiano. Um bem? Certamente, pois significa um desprestigio enorme para o mesmo, mas por outro lado deu oportunidade para se falar na formação de uma Internacional Comunista Antissoviética, o que constituiria um perigo de morte para a defesa do Ocidente. Essa organização teria a Iugoslávia como o representante na Europa Oriental e os líderes comunistas italianos dissidentes como a primeira "célula" no Mundo Ocidental. Eis aí como se formam duas quintas colunas de primeira água com a benção e entusiasmo dos líderes políticos do Ocidente.

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A eficácia do exército espanhol para a defesa do Ocidente foi posta em dúvida pelo governo inglês, o qual o classificou de antiquado e incapaz de se adaptar às contingências de uma guerra moderna.

Essa opinião não significa talvez uma crítica ao regime franquista, mas uma apreciação de caráter puramente militar e espelha bem a modorra e má vontade com que a Grã-Bretanha está encarando o rearmamento da Europa Continental.

Na verdade, o exército espanhol pode não contar com um aparelhamento dos mais modernos, mas em compensação os 2 milhões de homens mobilizáveis que integrariam seus quadros, apresentariam uma vontade férrea de lutar, vontade esta que não se nota existir nos outros exércitos europeus, inclusive no inglês.

Além do mais, as condições geográficas da Espanha facilitam de um modo singular a resistência a um invasor, pois existe a Cordilheira dos Pirineus e a natureza do solo e a mentalidade do povo são imensamente propícias à resistência popular e à luta de guerrilhas.

Será que a lição que os americanos levaram por não terem auxiliado Chiang Kai Chek, apesar do aspecto fascista de seu governo, não foi suficiente? A Inglaterra e os E. U. A. não percebem que uma possível invasão do território espanhol só fortalecerá e dará razão a Franco que continuamente alerta o mundo contra o perigo comunista?


O GLORIOSA DOMINA

Gil Vicente

Oh gloriosa Senhora do mundo,
Excelsa Princesa do Céu e da Terra,
Fermosa batalha de paz e de guerra,
Da Santa Trindade secreto profundo!
Santa esperança, oh Madre d'amor,
Ama discreta do Filho de Deus,
Filha e Madre do Senhor dos Céus,
Alva do dia com mais resplendor!
Fermosa barreira, oh alvo e fito,
A quem os Profetas direito atiravam!
A Ti, gloriosa, os Céus esperavam,
E as três Pessoas hum Deus Infinito.
Oh cedro nos campos, estrela no mar,
Na serra ave fêniv, hu'a só amada,
Hu'a só sem mácula, e só preservada,
Hu'a só nascida, sem conto e sem par!
Do que Eva triste ao mundo tirou,
Foi o teu fruto restituído
Dizendo-te ave o Embaixador,
O nome de Eva te significou.
Oh porta dos paços do mui alto Rei,
Câmera cheia do Sprito Sancto
Janella radiosa de resplandor tanto,
E tanto zelosa da Divina Lei!
Oh mar de sciencia, a tua humildade,
Que foi senão porta do céu estrelado?
Oh fonte dos Anjos, oh horto cerrado,
Estrada do mundo para a Divindade,
Quando os Anjos cantão a glória de Deus.
Não são esquecidos da glória tua;
Que as glórias do Filho são da Madre Sua,
Pois reinas com Elle na Côrte dos Céus.
Pois que faremos os salvos por Ella,
Nascendo em miséria, tristes peccadores,
Senão tanger palmas e dar mil louvores
Ao Padre, ao Filho e Esprito, e a Ella.