VERBA TUA MANENT IN AETERNUM
A velha tática continua em voga
PIO XII: Os que, ou por repreensível desejo de novidade, ou por algum motivo louvável, propugnam essas novas opiniões, nem sempre as propõem com mesma intensidade, nem com a mesma clareza, nem com idênticos termos, nem sempre com unanimidade de pareceres; o que hoje ensinam alguns mais encobertamente, com certas cautelas e distinções, outros mais audazes propalarão amanhã abertamente e sem limitações, com escândalo de muitos, em especial do clero jovem, e com detrimento da autoridade eclesiástica. Mais cautelosamente é costume tratar dessas matérias nos livros que são postos à publicidade; já com maior liberdade se fala nos folhetos distribuídos privadamente e nas conferências e reuniões. E não se divulgam somente estas doutrinas entre os membros de um e outro clero, nos seminários e institutos religiosos, mas também entre os seculares, principalmente aqueles que se dedicam ao ensino da juventude. (Encíclica "Humani Generis", de 12-VIII-1950).
A autoridade doutrinaria das Encíclicas
PIO XII: Nem se deve crer que os ensinamentos das Encíclicas não exijam, por si, assentimento, sob alegação de que os Sumos Pontífices não exercem nelas o supremo poder de seu Magistério. Pois, tais ensinamentos provêm do Magistério ordinário, para o qual valem também aquelas palavras: "Quem vos ouve a Mim ouve" (Luc. X, 16); e, na maioria das vezes, o que é proposto e inculcado nas Encíclicas, já por outras razões pertence ao patrimônio da doutrina católica. E se os Romanos Pontífices em suas constituições pronunciam de caso pensado uma sentença em matéria controvertida, é evidente que, segundo a intenção e vontade dos mesmos Pontífices, essa questão já não pode ser tida como objeto de livre discussão entre os teólogos. (lbidem).
O programa do pontificado de Pio XII
Pio XII: Como Vigário daquele que, numa hora decisiva, diante do representante da mais alta autoridade terrena de então, pronunciou a grande palavra: "Nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade; quem está pela verdade ouve a minha voz" (Jo.18,37), de nada Nos sentimos mais devedores ao Nosso cargo, e também ao Nosso tempo, como de, com apostólica firmeza, dar testemunho da verdade: "testimonium perhibere veritati." Este dever implica necessariamente a exposição e a refutação dos erros e das culpas humanas que devem ser conhecidas para que se torne possível a cura: "conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres" (Jo.8, 32). No cumprimento deste Nosso dever, não Nos deixaremos influenciar por considerações terrenas, nem Nos deteremos diante de difidências e contrastes, de recusas e incompreensões, nem diante do temor de desprezos e falsas interpretações. Animar-Nos-á sempre aquela paternal caridade que, se sofre pelos males que afligem seus filhos, não deixará de indicar-lhes o remédio, esforçando-Nos por imitar o divino modelo dos Pastores, o Bom Pastor Jesus Cristo que é, a um tempo, luz e amor: "Seguindo a verdade com amor" (Ef. 4,15). (Encíclica "Summi Pontificatus", de 20-X-1939).
A mania do antigo na liturgia
PIO XII: É certamente coisa sábia e muito louvável retornar com a inteligência e com a alma às fontes da Sagrada Liturgia, porque o seu estudo, reportando-se às origens, auxilia não pouco a compreender o significado das festas e a penetrar com maior profundidade e agudeza o sentido das cerimônias; mas não é certamente coisa tão sábia e louvável reduzir tudo e de qualquer modo ao antigo. Assim, para dar um exemplo, está fora do caminho quem quer restituir ao altar a antiga forma de mesa; quem quer eliminar dos paramentos litúrgicos a cor negra; quem quer excluir dos templos as imagens e as estátuas sagradas; quem quer suprimir na representação do Redentor Crucificado as dores acérrimas por Ele sofridas; quem repudia e reprova o canto polifônico, ainda quando conforme às normas emanadas da Santa Sé. (Encíclica "Mediator Dei", de 20-XI-1947).
A dor e o sofrimento são o apanágio da humanidade
LEÃO XIII: O mesmo pode-se dizer de todas as calamidades que desabaram sobre o homem; neste mundo, elas não terão fim nem tréguas, porque os males consequentes do pecado são ásperos, duros e difíceis de suportar, e acompanharão necessariamente o homem até seu último suspiro. Sim, a dor e o sofrimento são o apanágio da humanidade, e os homens farão inutilmente toda a espécie de experiências e tentativas para os banir, sem jamais lograr este fim, quaisquer que sejam os recursos que empenharem e, as forças que puserem em ação. (Encíclica "Rerum Novarum", de 16-V-1891).
A verdadeira liberdade
LEÃO XIII: Assim, pois, numa sociedade constituída por homens, a liberdade digna deste nome não consiste em fazer quanto nos agrada: daí decorreria para o Estado uma confusão extrema e uma perturbação que conduziria à opressão; a liberdade consiste em que, pelo socorro das leis civis, possamos mais facilmente viver segundo as leis eternas (Encíclica "Libertas", de 20-VI-1888).
Os piores inimigos da Igreja são os internos
PIO X: O que exige que sem demora falemos é, antes de tudo, que os fautores do erro já não devem ser procurados entre inimigos declarados; mas, o que é muito para sentir e recear, se ocultam no próprio seio da Igreja já tornando-se destarte tanto mais nocivos quanto menos percebidos...
Em verdade, como dissemos, não já fora, mas dentro da Igreja, tramam seus perniciosos conselhos; e por isto, é, por assim dizer, nas próprias veias e estranhas dela que se acha o perigo, tanto mais ruinoso quanto mais intimamente eles a conhecem. (Encíclica "Pascendi", de 8-IX-1907).
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CORRESPONDÊNCIA
Escreve-nos B. M. C.: «Li sua resposta a «Lumen», no último número. Diz o snr. que as expressões «católico da direita» e «católico da esquerda» não são plenamente conformes com as diretrizes de Bento XV. Vá lá. Mas, a virtude está no meio: não será, portanto, razoável falar-se em católicos do centro?»
R — Pelo contrário. A expressão «católicos do centro», que, como aliás também a de «católicos da direita», é susceptível de uma boa interpretação, tem sido ultimamente pretexto para os maiores abusos.
Realmente, tem recebido a denominação «do centro» certos católicos que, na confusão ideológica do mundo de hoje, são tomados de uma espécie de pavor, ou escrúpulo, e procuram uma terceira posição. Sua atitude é parecida com a de certos políticos da França atual que esperam evitar a queda do governo nas mãos dos partidários da extrema esquerda ou da extrema direita, mediante uma terceira força que conjuga os partidos ditos do centro. Tais católicos pretendem esta salvação no meio, a «virtus in medio», e assim por vezes creem que com uma piedade acentuadamente sentimental conseguem aplacar a ira divina excitada pelos arranhões dados aos princípios que conhecem, mas que (por meio de umas deduções nebulosas que a eles mesmos não satisfazem) julgam inexistentes nos vários casos concretos que ocorrem.
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Como se em questão de Fé houvesse possibilidade de uma «virtus in medio». A Fé, pois que verdade, é intransigente. Entre a verdade e o erro não há um meio termo virtuoso, como acontece nas virtudes morais que equilibram o apetite racional. É o que recordava Bento XV: a Fé, ou se a aceita toda ou se a rejeita toda.
O curioso nessas pessoas é uma espécie de inclinação natural para censurar e aborrecer o que é inteiramente conforme à tradição — que elas prezam e estimam — e um gosto, um sabor, um deleite sensível por todos os que andam claramente distanciados da linha reta lembrada pelo Santo Padre Bento XV na Encíclica «Ad beatissimi Apostolorum», citada na resposta a «Lumen».
Creio que ninguém melhor caracterizou esta classe de fiéis do que o saudoso d. Sardá y Salvany no seu esplêndido opúsculo «El liberalismo es pecado»:
«O seu forte é a caridade: este homem é a caridade em pessoa. Como aborrece as exagerações da imprensa ultramontana! Chamar mau a um homem que difunde más ideias, parece a esse singular teólogo um pecado contra o Espírito Santo. Para ele não há mais que extraviados. Não se deve resistir nem combater: o que se deve procurar sempre é atrair. «Afogar o mal com a abundância do bem», é a sua fórmula favorita, que leu um dia em Balmes por acaso, e foi a única coisa que do grande filósofo catalão lhe ficou na memória. Do Evangelho aduz unicamente os textos que sabem a mel e açúcar. As invectivas espantosas contra o farisaísmo dir-se-ia que as tem por excessos de gênio e de zelo do Divino Salvador». Esta a face voltada para os «avançados». Agora para os retos, para aqueles que procuram sentir só e exclusivamente com a Igreja: as mesmas invectivas «sabe ele usá-las rijamente contra os irritáveis ultramontanos, que com suas exagerações comprometem cada dia a causa de uma religião que é toda paz e amor. Contra estes é acerbo e duro, é amargo o seu zelo, acre a sua polêmica e agressiva a sua caridade».
Não erraríamos em ver em semelhantes indivíduos, reais empecilhos à difusão do Reinado de Jesus Cristo. São homens sempre de meias medidas. «Não conhecem outra tática senão a de atacar de lado, que em religião costuma ser a mais cômoda, porém não a mais decisiva».
E quando vêm o mal piorar porque eles mesmos impediram as medidas eficazes, «suspiram e fazem lamúrias».
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Por mais lhano que seja nosso trato, seja nossa linguagem «sim, sim; não, não», como ensina Jesus Cristo. Não podemos dissimular a verdade, ou por meio de concessões e atitudes dúbias fazer crer que a austeridade do Cristianismo mudou, mitigou-se e que ele já não conserva a intransigência tradicionalmente conhecida. O gênero de fiéis descritos por Sardá y Salvany faz-nos lembrar aquela porção dos anjos que nem foram por Deus, nem pelos revoltados, segundo a fantasia de Dante, e que por isso nem o Inferno os recebe.
«Chè alcuna gloria i rei avrebber d'elli» (Inf. 3,42).
São almas que
«... visser senza infamia e senza lodo»
Semelhantes
«... a quel cattivo coro
Degli angeli che non furon ribelli,
Nè fur fedeli a Dio, ma per sè fòro» (Inf. 3,36-39).
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A conclusão só pode ser a mesma da resposta a “Lumen”: evitemos acrescentar ao título de católico outro qualificativo que não o de romano.
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OS CATÓLICOS FRANCESES NO SÉCULO XIX
L’Avenir
Bertrand de Poulengy
[O jornal] "L’Avenir" apareceu na segunda fase de Lamennais, quando este, renunciando a seus antigos princípios, procurava introduzir na Igreja o espírito da Revolução. Esse jornal fazia parte de um grande movimento com que ele procurava atingir todas as camadas da população francesa e que era orientado pela "Agência Geral para a defesa da liberdade religiosa", espalhada por toda França com a finalidade de congregar todos os católicos na luta comum.
Jogando com o conceito de liberdade, o qual na sua verdadeira acepção é mero apanágio da verdade, e, pois, da Igreja, a agência tinha por lema a reconciliação entre a Igreja e a liberdade, e como um dos pontos de seu programa a conquista da liberdade de ensino. Coube a ela, apesar de seus graves erros, a glória de travar a primeira batalha a favor desta liberdade, batalha que, pelas circunstâncias que a rodeiam e pelos homens que nela estiveram empenhados, estava destinada a passar para a História.
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Como vimos no artigo anterior, a carta jurada por Luís Felipe prometia a liberdade de ensino, mas, sob pretexto de que o governo preparava as leis que a regulamentariam, a concretização dessa liberdade era indefinidamente adiada e o monopólio da Universidade dia a dia se acentuava.
Depois de esperar um ano, a "Agência Geral para a defesa da liberdade religiosa" resolveu lançar-se à luta. Em pouco tempo obteve as assinaturas de 15 mil pais de família, para uma representação pedindo que as leis regulamentadoras do dispositivo constitucional fossem enviadas à Câmara dos Deputados.
"L’Avenir", em todos os seus números, bateu-se em favor da petição. Em resposta o governo reafirmou que as leis estavam sendo preparadas. Por intermédio do ministro de educação, M. de Montalivet, tornou claro o seu desagrado mediante o fechamento das escolas paroquiais de Lyon, que até então tinham sido toleradas. Eram escolas antiquíssimas, e nada tinham que ver com o ensino orientado pela Universidade, pois eram exclusivamente destinadas ao ensino das primeiras letras às crianças pobres que queriam se dedicar ao serviço da Igreja. Desse modo M. de Montalivet indicava que a tendência do governo era fortalecer o monopólio universitário, evitando tanto quando possível cumprir a carta.
Nos primeiros dias de maio de 1831 começaram a aparecer cartazes nos muros de Paris, com os dizeres: “Agência Geral para a defesa da liberdade religiosa” – "Liberdade de ensino” — “Agência Geral para a defesa da liberdade religiosa funda uma escola gratuita de externos, sem autorização da Universidade, na rua das Belas Artes, nº 5, em Paris...” – “A instrução será dada às crianças pelos membros da Agência Geral, M. de Coux, Padre Lacordaire e Visconde de Montalembert, que tomam sobre si a responsabilidade legal por esta escola..."
Lamennais colocava como mestre-escola três dos seus discípulos mais representativos. O Conde de Coux fora professor de Economia Política na Universidade de Louvain e era um nome respeitado nos meios cultos franceses. O Padre Lacordaire, advogado convertido, já era considerado um grande orador sacro, fama que chegaria ao auge com suas conferências de Notre Dame. O Visconde de Montalembert era filho de um par de França, herdeiro de um nome ilustre. Embora tivesse apenas vinte anos nessa época, sua inteligência já o fizera líder da nova geração, e, mais tarde, seria um dos maiores oradores da França.
A 9 de maio de 1831 começaram as aulas, com grande afluência de alunos. Embora o Conde de Coux, Lacordaire e Montalembert esperassem as represálias do governo, não foram incomodados.
Mas no dia seguinte, quando lá se encontrava só Lacordaire dando aulas às crianças, chega a polícia, e o comissário, invadindo a sala de aulas, exclama: "Em nome da lei, declaro a escola fechada e ordeno às crianças que não voltem mais, até a justiça se pronunciar".
Sem retrucar uma palavra, Lacordaire se ajoelha com seus alunos e recita o "Sub tuum praesidium", e depois lhes diz: "Meus filhos, vocês estão aqui por ordem de seus pais, estão aqui como em seus braços; nenhum poder, a não ser a justiça, pode nos separar. Eu espero todos amanhã às 8 horas".
No dia seguinte, nova visita da polícia, desta vez esperada por Lacordaire, de Coux e Montalembert, que são intimados a fechar a escola. Diante de nova recusa, o comissário, dirigindo-se à sala de aulas, brada: "Em nome da lei, ordeno às crianças que se retirem".
Lacordaire, adiantando-se, replica: "Em nome de vossos pais, de quem tenho a autoridade, ordeno que fiqueis".
Diante da resistência, as crianças são expulsas à força pela polícia, a escola é fechada e um processo é instaurado contra os professores.
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O governo pretendia tratar a questão sem lhe dar maior importância e acabar com o caso o mais depressa possível, para não dar tempo a "L’Avenir" de informar a opinião pública e a conquistar. Diante dessa primeira resistência, tentou abafar o processo, mandando que a própria polícia o julgasse. Lacordaire, porém, que antes de se converter tinha sido advogado, alegou a incompetência da polícia e pediu que a questão fosse levada ao júri. Quer por espírito de independência em relação ao governo, quer intimidados pela reputação dos acusados, os juízes da polícia atenderam o pedido de Lacordaire.
A questão se complicava e as derrotas do governo começavam a fazer com que as causas que ele timbrava em considerar muito pequenas e sem importância fossem pouco a pouco crescendo e atraindo o interesse da opinião pública. "L’Avenir" não perdia oportunidade de explorar o processo de modo inquietador.
Procurando silenciar a campanha, o governo mandou que o julgamento se fizesse sem tardar. Nesse meio tempo, entretanto, morre o pai de Montalembert, que, assim, se via elevado a par de França, com direito de ser julgado pela Câmara dos Pares, a mais alta instituição política da França de então.
Usando deste seu direito, Montalembert pediu para ser julgado pelos seus pares, o que provocou um verdadeiro pânico entre estes. O Barão Pasquier, presidente da Câmara, procurou por todos os meios convencer Montalembert a desistir de sua pretensão. Um dos pares, irritado, chega a exclamar: "Se viesse a esse jovem a ideia de deixar cair um vaso de flores sobre a cabeça de alguém, ele nos forçaria a reunirmo-nos para julgá-lo”. Afinal, diante da firmeza de Montalembert, a Câmara foi obrigada a deferir o seu pedido: o processo que o governo tentara por todos os meios abafar, de repente transformava-se numa questão nacional.
“Vede, dizia “L’Avenir”, "vede esse francês investido da dignidade de par. Uma vida nova começa para ele. Todas as jurisdições criminais estão mortas para ele. Possui para sempre o direito de fazer leis, e o transmite aos seus filhos. Pois bem, esse cidadão cumulado de prerrogativas não pode ser mestre-escola".
O dia do julgamento era ansiosamente esperado. Tudo o que a França possui de melhor e mais ilustre queria ver o jovem par se defender, toda a juventude antegozava o espetáculo de um moço de vinte anos enfrentando a Câmara dos Pares. Os bilhetes de ingressos eram disputados.
No dia marcado, o edifício da Câmara está repleto. As tribunas regurgitam e o ambiente é todo favorável aos acusados. Subindo à tribuna para fazer sua própria defesa, Montalembert leva ao auge o entusiasmo da assistência ao responder ao Barão Pasquier, que perguntava por sua profissão: – "Charles de Montalembert, Par de França e mestre-escola".
Defendendo-se da acusação que lhe era feita, Montalembert pronuncia sua primeira grande peça oratória, e Lacordaire responde ao representante do governo com um dos mais felizes discursos de sua vida. A sessão termina com um sucesso enorme dos acusados, tendo o Barão Pasquier declarado, referindo-se ao discurso de Montalembert, que a Câmara dos Pares vira nesse dia a aurora de um grande homem.
No dia seguinte, reúnem-se os Pares em sessão secreta para o julgamento. O processo era embaraçoso. De um lado estavam o direito e a impressão causada no público pela sessão do dia anterior; de outro o governo, que desejava a condenação. Quatro horas durou a discussão, depois das quais a Câmara condenou os réus a cem francos de multa. Essa pena irrisória equivalia à absolvição, de modo que a primeira batalha terminava com a vitória dos católicos.
Pouco tempo depois, "L’Avenir" e a Agência eram fechados, e Lamennais condenado pela Santa Sé. A campanha pela liberdade de ensino ia esperar oito anos para ser reencetada. Durante esse tempo, Montalembert se dedicará à formação do Partido Católico, com o qual levará avante a luta. Nesta, "L’Avenir" será substituído por "L’Univers", de Louis Veuillot.
No próximo artigo, veremos os primeiros tempos de “L´Univers” e a formação do Partido Católico.
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NOVA ET VETERA
Um delicado problema
J. de Azeredo Santos
Afirmar que é o que não é, e que não é aquilo que é, eis o erro já dizia Aristóteles. Si, portanto, tudo que existe é ontologicamente verdadeiro, segue-se que o erro não existe em si e objetivamente, mas apenas nos espíritos limitados e obscurecidos que não conseguem fazer conformar seus julgamentos com a verdade.
Assim, um modo fácil, mas infantil, de se debater um determinado assunto, torcendo os argumentos a favor de quem não os tem, consiste em ingressar no país dos espelhos de Lewis Carroll, onde tudo se vê às avessas. Permanecer na obstinada negação dos fatos, eis um velho, surrado e anticientífico processo de se transformar qualquer tema, por importante que seja, em mero conto da carochinha.
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Estamos diante da difícil arte, do delicado problema de desconversar, ou da tirada de corpo, que há séculos aquele pseudo-filósofo chinês tentara resolver ao exclamar: — «Ó sol, tu és grandioso, tu és potente, entretanto, basta que eu feche os olhos e deixas de existir para mim.»... Esse velho bonzo se esquecia pelo menos do calor, que não podia deixar de sentir, mesmo de olhos fechados... Assim, aqueles que voluntariamente cerram as pálpebras diante do sol da verdade, acabam se queimando na evidencia daquilo que insensatamente querem negar.
Tivemos recentemente um exemplo dessa atitude, na tentativa de fazer crer que as divergências que nos separam dos chamados «maritainistas» não seriam «importantíssimas questões de princípio», como demonstramos no estudo «O Rolo Compressor Totalitário e a Responsabilidade dos Católicos», publicado nas «Vozes de Petrópolis» (Setembro-Dezembro de 1950) e transcrito pela «Revista Eclesiástica Brasileira» (vol. 10, fasc. 4, Dezembro de 1950), mas, sim, «um caso de atitude, de mentalidade, de temperamento».
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Ora, o próprio sr. de La Palisse seria capaz de reconhecer que existe entre os homens uma grande variedade de mentalidade, de temperamentos. E uma das mais belas características da Santa Igreja é justamente proporcionar liberdade a todos os homens para, em seu seio, desenvolver em sua plenitude a própria personalidade.
Esse espírito universal da variedade se acha patente aos olhos de todos na multiplicidade de Ordens, Congregações, nas diferentes obras de zelo e no multiforme aspecto das atividades a que os filhos da Igreja se dedicam.
E se o pináculo da perfeição no desenvolvimento da própria personalidade se acha nos Santos, quem não vê a diferença de mentalidade, de temperamentos, de tendências que existe entre eles?
Pertencem os Santos a uma variedade de tipos psicológicos, às mais diversas classes sociais, aos mais desencontrados graus de cultura e gênero de vida.
Há os santos de origem aristocrática, como um Santo Inácio, um São Francisco de Borgia, um São Luís Rei de França. Há os que vêm de origens humildes, como um Pio X, um São João Bosco. Há os que se dedicam intensamente à vida intelectual, como um São Tomas de Aquino, um São Boaventura. Há os Santos analfabetos, os Santos mendigos, como aquele que nas ruas de Roma pedia aos transeuntes que lhe lessem os Evangelhos.
Quem desconhece a diferença de temperamento e de mentalidade de um São Domingos e de um São Francisco de Assis? De um São Jerônimo e de um São Luís Gonzaga?
Tanto, porém, a doçura de um São Francisco de Sales, quanto a severidade de um São Luís Grignion de Montfort, diz o Santo Padre Pio XII por ocasião da canonização deste último, têm o condão de atrair a amizade dos bons e de despertar o rancor dos maus. É que eles não andam atrás de uma popularidade fácil, mas procuram em primeiro lugar o Reino de Deus e Sua Justiça.
Lembraríamos outro ponto de contato entre todos eles. É o que o Padre Gemelli dá como traço característico de São Francisco de Assis, mas que pode ser aplicado a todos os verdadeiros filhos da Igreja : — «O que distingue desde o princípio São Francisco dos hereges e o coloca de um modo incontestável muito acima de todas as seitas então existentes, é a sua firme e total submissão à Igreja Católica.» (Agostinho Gemelli, OFM, em «O Franciscanismo», pág. 36), pois a ideia de seguir à risca o Evangelho não era original dele, mas de muitos transviados seus contemporâneos.
Essa total e irrestrita submissão à Santa Igreja é justamente a primeira regra que Santo Inácio apresenta em seus «Exercícios» «para adquirirmos o verdadeiro espírito, que devemos ter como membros da Igreja Militante»: — «1. Renunciando a todo juízo próprio, devemos estar inteiramente dispostos a obedecer em tudo à verdadeira Esposa de Jesus Cristo Nosso Senhor, a Santa Igreja hierárquica».
Não faltam, porém, os que apresentam essa conformidade com o Magistério da Igreja como uma peia ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e tracem a seguinte caricatura dessa característica do verdadeiro católico: — «Nada de espírito crítico, de indagação, de inquietação. Esses são pela autoridade por tudo o que vêm de cima e quanto à ciência (a que não se dedicam) o importante é quando afinal as suas conclusões coincidem com aquilo que a Igreja sempre afirmara.»
A plena e total submissão às diretrizes da Igreja seria, assim, uma fonte de fossilização dos espíritos. Como diz Pio XII na «Humani Generis», «o Magistério é apresentado por eles como um impedimento ao progresso e um obstáculo para a ciência».
Pelo contrário, acrescenta mais adiante o Santo Padre, tudo o que a razão humana, em suas pesquisas sinceras, possa descobrir de verdade, não pode seguramente se opor às verdades adquiridas. Porque Deus, Soberana Verdade estabeleceu a inteligência, e Ele a dirige não em lhe fazendo opor cada dia novidades às verdades justamente adquiridas, mas fazendo-a afastar-se de erros que, porventura, tentem esgueirar-se, para acrescentar o verdadeiro ao verdadeiro na mesma ordem e segundo a harmonia que se revela na própria constituição das coisas de que nós tiramos a verdade». (Enc. «Humani Generis»).
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É, portanto, inútil e até mesmo ridículo querer fazer uma incursão na História para provar que tudo se reduz, afinal, a uma questão de temperamento, de mentalidade, quanto às divergências que possam surgir entre os católicos.
Quando se trata, não de pontos já definidos de doutrina, ou de princípios, mas de questões abertas ou indiferentes, os verdadeiros filhos da Igreja sabem transigir e ninguém lhes pode dar lições de largueza de vista.
Assim, o segundo Geral da Companhia de Jesus, o grande Padre Laynez, agiu de acordo com a proverbial sabedoria dos filhos de Santo Inácio quando censurou o Padre Bautista por «repreender as mulheres porque sabem ler...» Esclarece o grande teólogo da Santa Sé no Concilio de Trento que «a coisa em si não é má».
Ora, há coisas, porém, que em si são más e que o Padre Laynez teve a necessária coragem de combater sem rebuços perante os poderosos do dia, sobretudo quando se achava em jogo uma questão de princípios.
Assim, por exemplo, diz ele: — «Não se pode admitir que este reino (o da França) e esta nobreza se deixem manchar pelo contagio de novas seitas e de erros modernos». (Alocução do Padre Laynez no «Colóquio de Poissy» na presença de Catarina de Médicis).
Combatia o Padre Laynez os «erros modernos» de seu tempo e sabia muito bem que «a tolerância para com os espíritos inovadores se detém diante da salvação de todo o corpo social.
Laynez possuía o gênio da política e a ciência do governo dos homens. Ele sentia que é pelas concessões que os reis se perdem, e aconselhava (a Catarina de Médicis) a não conceder templos aos desviados da Igreja.» («Histoire de La Compagnie de Jesus» por J. Crétineau-Joly, vol. I pág. 435).
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Não se nega a diferença de mentalidade, mas o que também não se pode negar é que, além dessas diferenças de temperamento ou de atitude, podem existir divergências quanto a «importantíssimas questões de princípio».
Aliás, uma coisa não exclui a outra. E que esses princípios estão sendo minados por todos os lados atualmente, quem o diz é o Santo Padre Pio XII: — «Os dissentimentos e os erros dos homens em matéria religiosa e moral, que têm sido sempre para todas as pessoas honestas e sobretudo para os verdadeiros filhos da Igreja a causa de uma vivíssima dor, o são particularmente hoje, quando Nós vemos de todas as partes atacados os próprios princípios da cultura cristã.» (Encíclica «Humani Generis»).
Mais ainda: — «Entretanto, posto que Nós saibamos bem que os Doutores católicos se guardam geralmente desses erros, é certo, não obstante, que há hoje como nos tempos apostólicos, homens que, aderindo exageradamente às novidades, ou mesmo que, temendo passar por ignorar as descobertas feitas pela ciência nesta época de progresso, se esforçam por se subtrair à direção do Magistério e se acham, por causa disso, em perigo de se afastar insensivelmente das verdades reveladas e de arrastar no erro também aos outros.» (Enc. «Humani Generis»).
Há infiltração desses erros entre os católicos: — «Essas doutrinas, e outras do mesmo gênero, é manifesto que elas já se esgueiram entre vários de Nossos filhos, arrastados ao erro por um inconsiderado zelo pelas almas ou por uma falsa ciência». E tais erros, segundo diz o Santo Padre, se «difundem hoje abertamente ou em segredo, por mania de novidade ou por um propósito mal regrado de apostolado.» (Enc. «Humani Generis»). De modo que a Encíclica não aponta apenas os abismos onde se pode cair, mas também os abismos onde muitos já se precipitaram e a que querem arrastar os outros.
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Quanto à existência de divergências, no Brasil, no que diz respeito a princípios, basta citar a Carta da Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades ao Episcopado do Brasil, de 7 de março de 1950, na qual são enumerados vários erros não somente no domínio religioso, tais como o liturgicismo, mas também no domínio social e político, tais como o laicismo, o liberalismo, o espírito esquerdista, etc.
Chega, portanto, a ser desrespeitoso para com a Santa Sé teimar em reduzir tão graves questões a «um caso de atitude, de mentalidade, de temperamento», lançando uma cortina de fumaça sobre os ataques desferidos contra os próprios fundamentos da cultura católica. De modo que em vez de se entregar à ingrata tarefa de resolver o delicado e difícil problema da tirada de corpo diante de casos concretos de afastamento da sã doutrina e dos sãos princípios por que os discípulos do sr. Maritain e demais comparsas disfarçados em juízes imparciais da contenda, não comentam, um por um, os pontos do libelo que tão leal e objetivamente formulamos?