TECNOLOGIA, ESTANDARDIZAÇÃO E SOCIALISMO

Cunha Alvarenga

Não é nosso propósito fazer o jogo de extremos. Quando mostramos as conseqüências inelutáveis da tecnologia racionalista, que são a burocratização, a mecanização, a estandardização da sociedade humana, com etapa final na absorção do próprio Estado, pois que o tecnocrata faz socialismo mesmo que seja inconscientemente, como Mr. Jourdain fazia a prosa, quando procedemos a esta análise se acha bem longe de nosso espírito a rejeição pura e simples da tecnologia ou de emprego de métodos racionais na exploração dos frutos da ciência e da técnica modernas no sentido de proporcionar maior conforto e bem estar à humanidade. É justamente esta a preocupação do bem comum que nos leva a apontar aos tecnocratas as terríveis conseqüências de uma visão unilateral no desenvolvimento e prática de suas atividades.

Em sua insaciável sede de organização, o técnico visa também o Estado, que é, por excelência na esfera temporal, a organização humana, o status que determina e ordena todos os outros status, o todo que deve atribuir as tarefas a todas as partes. Com essa concepção totalitária do Estado, o técnico procura dominar o Estado. Ele deseja substituir os estadistas por diretores técnicos.

Não é, entretanto, somente a economia e o Estado que a tecnocracia deseja dominar. Também a organização jurídica deve entrar em sua órbita. O técnico procura mudar a natureza e a finalidade da lei. O tecnocrata não pode compreender o verdadeiro sentimento do justo, nem o direito consuetudinário, nascido dos costumes de um povo. Os direitos de um indivíduo são transformados nos direitos da pessoa organizada técnicamente. A propriedade, por exemplo, definida pelos juristas como o direito exclusivo perde seu sentido quando cai vítima da organização técnica. "Temos assim, diz Juenger, que a propriedade não é mais independente, não mais exclusivamente sujeita à vontade do proprietário. Torna-se uma propriedade tecnicamente organizada sobre a qual se pode dispor de fora, isto é, de uma esfera não definida pelo direito do dono. Para o técnico, a lei é aquilo que serve para um fim técnico. Onde quer que ele se meta na organização legal, seja no ramo legislativo, no judiciário ou no executivo, ou suplanta a lei por meio de portaria e regulamentos, ou a adapta à sua finalidade pelo recurso da interpretação". (pág. 81).

O direito de desapropriação, que os juristas reservaram para um uso moderado e severamente restrito, aos casos em que é verdadeiramente reclamado pelo bem comum, vem sendo estendido, pela insistência dos técnicos, até o ponto em que toda colisão entre o indivíduo e a organização técnica, ou a maior eficiência no uso das coisas, fornece um precedente para o confisco. A tecnolgia ataca tudo que se acha em repouso, tudo que possue permanencia e estabilidade, tudo que não se presta ao progresso técnico ou a ele se esquiva e lhe nega recursos. Ele envolve e amarra, mas também liberta. Emancipa o pensamento humano de toda transcedencia, mas ao mesmo tempo confina este pensamento a tudo o que é prático e mecânico. O pensamento tecnológico é obviamente coletivista. Mas o pensamento coletivista tecnologico pressupõe um indivíduo liberto de qualquer perplexidade, um individuo que se abandone sem reservas ao coletivo. E o segredo do sucesso do pensamento tecnologico é que ele não conhece hierarquia, pois se concentra no dominio das leis mecânicas que são gerais e em si mesmas sem qualidade. Os produtos tecnicos não se acham imbuídos de genuína qualidade, pois tais qualidades como as que lhe são atribuídas são meramente fatores acidentais e não determinantes. A característica dos produtos técnicos estandardizados não é sua qualidade, mas sua uniformidade mecânica. E essa uniformidade é levada ao campo político e social, — donde o coletivismo e o igualitarismo dos tecnocratas.

A massa tem uma admiração infantil pela técnica e por suas conquistas. Para compreender esse entusiasmo devemos reconhecer que a formação das massas e o progresso técnico vão de mãos dadas. A massa é o mais útil, o mais dúctil dos materiais nas mãos do técnico. Sem a massa o técnico não poderia levar avante seus planos. As massas chegam mais próximo do ideal técnico do material humano, e quanto mais mecanicamente movel elas se tornarem tanto mais facilmente podem ser organizadas e manipuladas. Em todos os tempos seu "habitat” são as grandes cidades, embora sua mentalidade possa atingir os campos. Característico da formação das massas é que elas procedem artificialmente, isto é, por um influxo externo a si próprias. Outra característica é que tanto a ascensão quanto a queda das massas são fomentadas por condições fora de seu controle.

"A susceptibilidade de largas porções da população às ideologias e a força que os demagogos derivam disso são sintomáticas na formação das massas. As ideologias são generalizações, vulgarizações de fé ou de conhecimento; conseqüentemente, elas são altamente transferíveis e infectáveis. É verdade que o técnico não tem necessidade de uma ideologia para atingir suas finalidades, pois tem a seu dispor forças que tornam supérflua uma ideologia. Mas exatamente porque o técnico não se preocupa com coisa alguma além de seu próprio campo, a ideologia se torna um instrumento muito util. Como o técnico aspira ao poder universal, mas se acha interessado apenas em sua especialidade, a ideologia preenche uma lacuna, ela alça uma ponte sobre um vácuo; daí a aliança entre a tecnologia e a ideologia. Nesta associação de uma determinada meta todos os vastos armazéns de energia que a organização e o mecanismo técnico acumularam." (pag. 129)

A aliança da ideologia com a técnica é terrivelmente engenhosa porque toda ideologia pressupõe mecanização, uma uniformidade no pensamento de seus seguidores. Nem sempre é fácil expressar em linguagem abstrata e simples a diferença entre povo e massa. Dá o autor, porém, um sinal infalível de identificação. Onde quer que estejamos tratando com um povo Verdadeiro, ali nunca encontraremos um traço de ideologia. E com a mesma certeza pode-se dizer que, onde quer que exista a massa, também encontraremos uma ideologia. Um povo consciente vive de acordo com as leis naturais e reveladas que Deus legou à humanidade e não tem, portanto, necessidade de uma ideologia. Vive intensamente sua vida em todos os seus variados aspectos. Mas na massa mecanizada e inconsciente, uma ideologia se torna indispensável porque o aparelhamento técnico e a organização não são suficientes, não satisfazem as necessidades humanas para apoio moral e para conforto espiritual, sem os quais o homem não pode viver. Não há duvida de que os esforços do técnico intensificaram o vacuo espiritual, o sentimento de vazio, ao mesmo tempo que restringiram a finalidade da vida humana às preocupações meramente técnicas. Vêm então as ideologias e lhe fornecem o sucedâneo mortífero.

Deixadas a si mesmas, a técnica e as ideologias, que servem aos mesmos senhores, devastariam a face da terra e levariam o gênero humano à mais tremenda degenerescência. Mas, felizmente, nem tudo se reduz à técnica, apesar da vontade dos tecnocratas, nem toda a humanidade se deixa levar pelas ideologias. E não nos deve desanimar a aparente desproporção da luta, pois na realidade os efetivos que se defrontam e que decidem a sorte da batalha são bem reduzidos de lado a lado. Mesmo porque o que realmente conta não é a quantidade das forças espirituais que se levantam contra tais forças telúricas, mas a intensidade de seu fervor e sobretudo o valor intrínseco dos elementos doutrinários e morais que se competem. Como nos tempos apostólicos, uma pequena grei pode renovar a face da terra.

(*)«The failure of Technology» (Perfection without Purpore) by Friedrich Georg Juenger-Henry Regnery Company, Hiusdale, III 1949.

______________________________

AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

O espirito cristão e o espirito pagão manifestados pela arquitetura

Plinio Corrêa de Oliveira

A O.N.U. é a chave de cúpula do mundo contemporâneo; os edifícios que estão sendo construídos para sua instalação deveriam, pois, exprimir pela majestade de suas linhas e proporções a alta função a que se destinam. Nosso clichê reproduz o prédio da sua Secretaria, já em fase final de construção. A despeito de suas enormes dimensões hesitamos em o chamar de palácio: é certamente imenso, caríssimo, esmagador, mas suas linhas são vulgares como as de uma caixa de fósforos, monótonas, uniformes e duras, como as de uma penitenciária, e sua catadura, sombria como a de uma Gestapo ou de uma G.P.U. Tudo, neste imenso engradado de concreto, ferro e vidro parece calculado para fazer sentir ao homem que não passa de uma formiga, um grão de areia, um átomo.

Middelburg é uma cidadezinha holandesa que no século XV construiu a sede de sua municipalidade. Como volume, o que é este edifício comparado com o da ONU? Entretanto não hesitamos em chamá-lo de palácio: é que a nobreza de suas linhas nem sequer permitiria que se lhe desse outra designação.

Mera diferença de estilos arquitetônicos? "O estilo é o homem", diz-se em literatura. O estilo é a época, poder-se-ia dizer em arquitetura. Cada estilo resulta de um conjunto de tendências, idéias, aspirações, e atitudes mentais.

Mais chocante do que o contraste entre os dois estilos é, nesse caso, o de duas mentalidades, duas épocas, duas culturas: uma, cristã e a outra, neopagã.