Refeitório do Mosteiro de Saint Martin des Champs, em Paris -- Obra de Montereau, arquiteto do Rei São Luís IX

A PERFEIÇÃO EVANGÉLICA SE MANIFESTA COM ADMIRÁVEL RIQUEZA NA DIVERSIDADE DAS FAMÍLIAS RELIGIOSAS

Objeto de irrisão irreverente dos ímpios, materialistas, anticlericais, daqueles cujas vistas não alcançam além dos horizontes terrenos; cercados de carinho, admiração e culto por parte dos fiéis, são os Religiosos elemento saliente na vida da Igreja, como que um dos seus constitutivos, pois dificilmente se entenderia a Igreja sem os Religiosos. No entanto, paira um que de mistério sobre sua vida, e muitos católicos há que nada sabem acerca da origem e constituição das famílias religiosas que povoam a Igreja de Cristo.

O Estado Religioso

No Santo Evangelho encontramos preceitos e conselhos de Nosso Senhor. Ele nos manda praticar a pureza, respeitar o patrimônio alheio, guardar os dias santificados. Aconselha-nos a abandono das riquezas, a virgindade. Estes dois tipos de normas estão muito bem caracterizados no episódio do moço rico. Aproximou-se de Jesus um jovem e lhe disse: Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna? Nosso Senhor lhe respondeu que observasse os preceitos da Lei. Ao que o jovem afirmou ter assim procedido desde a sua mocidade, e quis saber o que lhe faltava ainda. Então, vendo Nosso Senhor a boa vontade do moço, deu-lhe o conselho reservado às almas de escol: "Se queres ser perfeito vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem e segue-me" (Mat. XIX, 21). É claro que a perfeição pode e deve ser alcançada por todos em qualquer estado de vida. A palavra de Jesus Cristo, "Sede perfeitos, como meu Pai celeste é perfeito", não foi dita a este ou aquele privilegiado, mas a todos os seus discípulos. E a não ser mediante esta perfeição não se consegue a suspirada entrada no Paraíso. Tanto assim que aqueles que morrem com resquícios de pecado, com apegos terrenos, embora em estado de graça, vão, no Purgatório, purificar no sofrimento suas almas para se tornarem dignos de Deus. A diferença, pois, entre Religiosos e seculares não consiste em que aqueles devam tender à perfeição, e estes estejam dispensados desta finalidade. Na própria perfeição poderíamos distinguir graus; assim, a todos foi dito "Bem-aventurados os pobres de espírito, que deles é o reino dos céus"; nem a todos, porém, "Vai, vende tudo o que tens, e segue-me". Em outras palavras, no espírito de pobreza está a perfeição que todos devem procurar, ainda os ricos; na renúncia efetiva aos bens da terra, ou seja, na pobreza de fato, está um modo de aplicar o espírito de pobreza, a que nem todos estão obrigados e constitui a perfeição própria do estado religioso. O raciocínio que fizemos com relação à pobreza e ao espírito de pobreza, poderíamos desenvolver com respeito à castidade perfeita e à castidade matrimonial. Assim, igualmente com relação à obediência dos Religiosos. Pobreza, castidade e obediência que são objeto dos votos religiosos.

Os votos

Todo aquele que faz profissão religiosa deve obrigar-se por voto à prática dos conselhos evangélicos. O voto, segundo o define o Código de Direito Canônico (can. 1307, § 1) é a promessa deliberada e livre, feita a Deus, de um bem possível e melhor. O voto se diz público se um Superior eclesiástico legítimo o aceita em nome da Igreja; em caso contrário, chama-se privado. É solene quando a Igreja o reconhece como tal; se não, é apenas simples. Note-se que o que faz solenes os votos não são os ritos ou as cerimônias com que são emitidos, mas a especial aprovação da Igreja, que implica em garantias e efeitos particulares. Desde vários séculos a Santa Sé não concede mais a solenidade aos votos pronunciados nos novos Institutos. Através dos três votos fundamentais, de pobreza, castidade e obediência, o Religioso renuncia a todos os bens do mundo: pelo voto de pobreza renuncia à propriedade, pelo de castidade, ao matrimônio, e pelo de obediência submete a vontade própria, colocando-se debaixo do governo do Superior.

Os Institutos Religiosos

Os Institutos Religiosos (denominados Religiões pelo Direito Canônico) são sociedades aprovadas pela legítima Autoridade Eclesiástica, e cujos membros, conforme as regras particulares de cada sociedade, emitem votos públicos, quer perpétuos, quer temporários (devendo estes ser renovados quando expirar o prazo para o qual foram feitos), e desse modo tendem à perfeição evangélica. Os Institutos em que se pronunciam votos solenes constituem as Ordens Religiosas, e os em que se formulam votos simples são ditos Congregações Religiosas. Os membros desses Institutos chamam-se Religiosos. Os que fazem profissão numa Congregação denominam-se Religiosos de votos simples e os que a fazem numa Ordem dizem-se Regulares. Além das Ordens e Congregações a Igreja aprova as Sociedades Religiosas, que são comunidades de varões ou de mulheres, nas quais os associados imitam a maneira de viver dos Religiosos, colocando-se sob as ordens de Superiores, segundo as constituições aprovadas, sem proferir, entretanto, votos públicos. Com a promulgação da Constituição Apostólica "Provida Mater Ecclesia", de 2 de fevereiro de 1947, o Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, reconheceu como estado canônico de perfeição o que se professa nos Institutos Seculares, constituídos de leigos que não emitem votos públicos, nem estão obrigados a viver em comum, mas, tendo feito os votos privados, praticam no século os conselhos evangélicos e exercem apostolado de acordo com as normas da citada Constituição.

As Ordens Religiosas

Sob o aspecto jurídico distinguem-se quatro classes de Ordens Religiosas: as Canonicais, as Monásticas, as Mendicantes e as de Clérigos Regulares. Ordens Canonicais. Seus membros se dedicam principalmente a manter o esplendor do culto divino, e têm unida à vida regular a dignidade de Cônegos. A origem dessas Ordens está ligada ao antigo uso de viverem os clérigos de uma igreja em comunidade sob a direção de seu Bispo. Quando alguém resolvia consagrar-se ao serviço eclesiástico tinha o seu nome registrado no cânon da igreja em que era admitido: daí o nome canonicus, que deu cônego, em nossa língua. A primeira Regra redigida para esses clérigos foi a Regula Canonicorum, de São Godregando, Bispo de Metz, por volta do ano 760. Impunha a clausura e ditava normas para a vida diária. Existem várias famílias de Cônegos Regulares, como os Lateranenses, os Premonstratenses e os Crucígeros.

(conclue na pág. 7)

UMA VIRTUDE IGNORADA:

A CÓLERA SANTA

Quem não se encoleriza quando o exige a razão, peca

S. João Crisóstomo

Só aquele que se enraivece sem motivo se torna culpado; quem se enraivecer por um motivo justo não tem culpa alguma. Pois, se faltassem a ira, a ciência de Deus não progrediria, os julgamentos não teriam consistência e os crimes não seriam reprimidos. Mais ainda: aquele que não se enraivecer quando a razão o exige, comete um pecado grave; pois a paciência não regulada pela razão, propaga os vícios, favorece as negligências e leva ao mal, não somente os maus, mas, sobretudo, os bons. (Hom. XL in nath.)

S. Tomás de Aquino

A cólera deve ser entendida de dois modos. De um, como simples movimento da vontade, pelo qual alguém impõe uma punição, não por paixão, mas em virtude de um julgamento de razão. E assim, sem dúvida a falta de cólera é um pecado. Quando um homem se zanga com razão, sua cólera já não provém da paixão e por isso se diz que ele julga, não se enraivece. Em outro sentido, a cólera é tirada de um movimento do apetite sensível, que acompanha uma paixão resultante de uma transmutação do corpo. Esse movimento é uma sequência necessária, no homem, do movimento de sua vontade, desde que o apetite mais baixo acompanha necessariamente o movimento do apetite mais alto, a menos que haja um obstáculo. Assim é que o movimento de cólera no apetite mais alto, no apetite sensível não pode faltar de todo, a menos que o movimento da vontade também falte ou seja fraco. Daí ser também um vício a falta de paixão da cólera, mesmo como falta de movimento na vontade dirigida à punição pelo julgamento da razão. (Sum. Theol. 11, IIae, q. 158, art. 8).


NOTA INTERNACIONAL

A paz com o Japão,

base para uma futura aliança

Adolpho Lindenberg

O tratado de paz com o Japão está para ser assinado, e, nas palavras do primeiro ministro Yoshida, "em comparação com outros textos semelhantes é justo e benevolente, não tendo paralelo na história". Isto vem mostrar que, se bem que o General Mac Arthur, o grande propugnador da amizade nipo-americana, tenha sido afastado, esta sua política continua sendo seguida. Para eliminar qualquer dúvida da opinião pública americana a esse respeito, o Sr. John Foster Dulles, elemento do Departamento de Estado encarregado de preparar o texto do acordo, se apressou em convidar o velho cabo de guerra para assistir à Conferência de São Francisco e ali pronunciar um discurso. O próprio Truman se interessou pelo comparecimento de seu rival político e isto muito provavelmente porque hoje se considera incontestável que o êxito da política de inclusão do Japão na órbita ocidental foi devido muito mais aos esforços pessoais de Mac Arthur do que à política vacilante e semiesquerdista do Departamento de Estado.

Por outro lado, todavia, não se pode deixar de estranhar que justamente o Japão, o país mais moderno e "evoluído" da Ásia, o grande e tradicional inimigo dos Estados Unidos, e cuja população deveria estar desejosa de tirar uma desforra, seja a nação asiática que, pouco a pouco, está se transformando no apoio e futuro aliado das nações ocidentais no Extremo Oriente.

Dir-se-ia que esse papel caberia naturalmente à China, tradicionalista e conservadora por excelência, que contou sempre com o auxílio militar e econômico dos EE.UU. E, no entanto, os chineses, com o auxílio dos norte-coreanos, já causaram, em ano de guerra, mais baixas americanas do que os japoneses em quatro.

Como se explica esta incoerência? Mera hipocrisia do Japão, regime de terror na China, impedindo que a população manifeste seu verdadeiro pendor político? A razão é mais profunda e explica também vários fatos semelhantes que ocorrem em outras regiões. A luta que se trava hoje em todo o mundo não é mais uma luta de imperialismos, de interesses econômicos ou de pendências políticas entre nações, mas é uma guerra muito mais transcendente e, em consequência, muito mais encarniçada e profunda: — é a luta de morte entre a atual civilização e a ideologia comunista. São duas ideologias que não dominam somente este ou aquele país, mas que, mais ou menos fortes, existem em todas as nações, e dentro dos próprios organismos sociais de todos os povos disputam a primazia e lutam pela destruição recíproca.

Aos olhos de um observador superficial a tensão internacional se resumiria na hostilidade existente entre a Rússia, que é comunista, e as nações ocidentais, que são democráticas. É suficiente, porém, acompanhar a política de qualquer país, inclusive dos Estados Unidos ou da União Soviética, para verificar que em todos eles existem pessoas e grupos que desejam levar o mundo para a esquerda e outros que são favoráveis aos mais variados regimes sociais mas têm como denominador comum uma aversão profunda pelos socialistas e pelos comunistas.

O que aconteceu na China entre 1946 e 1950 serve de ótimo exemplo para este estudo. Os antigos monarquistas, a classe média, e os milhões de soldados que durante mais de dez anos lutaram sob as ordens do Kuomintang contra os comunistas chineses e contra os japoneses, se reuniram em torno de Chiang Kai Chek para eliminar de uma vez por todas os exércitos vermelhos que ameaçavam o país. Os comunistas liderados por Mao Tse Tung não lutavam, entretanto, sozinhos e não era só com o auxílio de Moscou: — o governo trabalhista inglês e a corrente esquerdista do Departamento de Estado norte-americano, encarnada na pessoa do General Marshall, que foi o representante dos EE.UU. junto ao governo nacionalista chinês, tudo fizeram para impedir Chiang Kai Chek de eliminar o partido comunista de sua pátria. Como resultado temos essa imensa nação de 400 milhões de habitantes, cuja grande maioria é anticomunista e favorável aos americanos, atuando como agente número 1 de Moscou em todo o Extremo Oriente.

No Japão deu-se o inverso: apesar da população estar muito mais minada pelo socialismo que na China, e de estar revoltada contra os americanos pelos bombardeios de que foi alvo pela derrota humilhante que sofreu, gradativamente, graças ao apoio que Mac Arthur deu ao imperador e aos elementos conservadores, está se inclinando para o lado ocidental.

Realmente, não se pode deixar de reconhecer, por mais extravagante que possa parecer a quem costumasse acompanhar a política internacional do Extremo Oriente antes e durante a última guerra, que os maiores inimigos do imperador, da nobreza e de toda a estrutura hierárquica do povo japonês não são mais os nacionalistas chineses ou os americanos, mas sim os partidos comunistas e socialistas que, dentro do Japão e insuflados por Moscou e por Peiping, tentam proclamar a República. Mais ainda, podemos prever que, ameaçados pelo inimigo comum, que é o comunismo, os nacionalistas chineses, os japoneses e os americanos vão esquecer suas antigas rivalidades e combaterão ombro a ombro contra os soviéticos, os chineses de Mao-Tse-Tung, os partidos comunistas e socialistas existentes em todas as nações orientais, e até os movimentos de independência que os agentes do Cominform fazem pulular nas derradeiras colônias europeias da Ásia.

Vemos assim no Extremo Oriente que os rumos políticos de um país dependem mais da vitória de seus elementos esquerdistas ou conservadores, apoiados pelos congêneres de Moscou, dos EE.UU. e da Inglaterra, que dos seus interesses particulares e tradicionais.

Façamos votos de que o exemplo asiático leve os outros povos a abrir os olhos para a luta que está sendo travada em seu seio os elementos tradicionais e conservadores ainda sobreviventes e a onda de ideias e programas revolucionários e socialistas que varre o mundo.