"Nolite timere pusillus grex" (continuação)
atitude detestável mas clara, definida, inteligível, porém criar por toda a parte, com auxílio de miseráveis Sacerdotes apostatas, “igrejas nacionais” a serviço dos sovietes. O que esperam estes de tais “igrejas”? Evidentemente, a confusão. Com efeito, os ritos continuam intactos, os sacramentos os mesmos pelo menos na sua aparência, a doutrina quiçá a mesma em suas linhas gerais. Cria-se a ilusão de que não há conflito entre o comunismo e o Catolicismo, mas apenas entre alguns altos Prelados “vendidos aos capitalistas”, e as autoridades russas. E justifica-se esta falsidade com o “fato concreto” do apoio dado pelas autoridades comunistas às “igrejas nacionais”, idênticas em todas as suas formas exteriores ao próprio Catolicismo.
Passando do terreno religioso para o político, tomemos um assunto que é político e religioso ao mesmo tempo: o Marechal Tito.
Há poucos dias se noticiava uma relativa libertação de Mons. Stepinack. Com base neste fato, vários jornais têm insinuado a possibilidade de uma plena normalização das relações entre a Santa Sé e a Iugoslávia, e mais especialmente entre esta nação e as autoridades eclesiásticas locais. Em última análise, prepara-se veladamente o terreno para que a opinião católica aceite o regime comunista sob sua forma “titoísta”, embora continue a rejeitá-lo sob sua forma “stalinista”.
Que há em tudo isto senão confusão? Se por comunismo entendemos a doutrina de Marx, que vem a ser precisamente a tonalidade stalinista do marxismo? Evidentemente a aplicação concreta que Stalin pretende dar ou tem dado aos princípios de Marx. Mas, exceção feita de um ou outro ponto genérico, o que se sabe a este respeito? Nada, mesmo porque ninguém sabe ao certo o que ocorre na Rússia. De outro lado, falar em uma interpretação titoísta da doutrina marxista na Iugoslávia faz sorrir. O Marechal Tito, que começa por ser ele próprio um marechal de fancaria e confusão pois nunca fez um curso regular para tão alta patente, nem foi promovido ao marechalato por qualquer governo legal, não é um homem de pensamento, mas, segundo toda a evidência, um político ambicioso e desabrido como os há tantos hoje em dia. Faz ele entre os americanos e soviéticos um duplo jogo, de que logo mais trataremos. Em última análise, quais são suas doutrinas? Provavelmente não as tem. Se as tem, quando as externou, onde estão, de que modo as põe ele em prática? Ninguém sabe, pois os noticiários sobre a Iugoslávia são praticamente tão escassos como os que se referem à Rússia.
Mas a despeito disto há hoje tanta superficialidade que não faltam os comentadores de clube, de café ou de porta de livraria, que baseiam suas apreciações e seus cálculos políticos em sábias distinções entre comunismo titoísta e comunismo estalinista. Confusão...
Anexa e como que nascida desta confusão, há uma outra não menos grave.
Durante toda a guerra, os discursos dos chefes aliados inculcavam a ideia de que suas respectivas nações estavam em luta contra o nazismo, numa como que cruzada universal em favor da civilização cristã. Militei ativamente na imprensa durante todo aquele período, e, mesmo antes do ingresso do Brasil no conflito mundial, desejei sempre, e ardentemente, o esmagamento do nazismo. Esta circunstância me dá suficiente autoridade para levantar agora uma pergunta. É só contra o nazismo, que os EE.UU. e a Grã Bretanha sentem eriçar-se sua suscetibilidade espiritual de cristãos, ou também contra o comunismo? No primeiro caso, qual o sentido de sua luta contra a URSS? No segundo, porque admitem como aliado o Marechal Tito? Com a esperança de o iludir, de o utilizar no momento, e de destruir o chamado “comunismo titoísta” por ocasião da vitória? Se nesta aliança contra o “titoísmo” os EE.UU. e a Grã Bretanha estão com segundas intenções, será justo perguntar se também não as tem o Marechal Tito. Não será então prudente considerar a hipótese de uma Iugoslávia túmida de prosperidade material e força bélica em virtude dos auxílios norte-americanos e voltada inesperadamente, no auge da luta, para o lado dos comunistas de Moscou? Porque acreditam tanto em Tito os estadistas de Washington. Confusão...
Como se não bastasse, outra confusão ainda se pode notar neste campo. No mundo inteiro, os meios comunistas estão cindidos. De um lado há os estalinistas, de outro os anti-stalinistas, mais ou menos trotskistas, mais ou menos titoístas. Os primeiros se preparam para apoiar por toda a parte os russos em caso de guerra. Os segundos, para os combater. É evidente que muitos elementos anticomunistas estão tomando a sério esta divisão, e aceitando sofregamente a colaboração dos líderes vermelhos que abriram um cisma em relação a Moscou. Que valerá a sinceridade deste cisma? Que valerá a sinceridade desta nova colaboração? Aceitar no âmago da resistência anticomunista estes novos aliados o que é, senão abrir as muralhas a algo de muito parecido com o cavalo de Tróia e aumentar a confusão?
Não queremos adiantar demais. Contudo, parece-nos oportuno lembrar o estratagema de que se utilizam em certos lugares do interior determinadas famílias a fim de contar sempre com as boas graças do governo. A família se cinde. Parte fica na situação, parte na oposição. E, assim, qualquer que seja o êxito das eleições, o clã doméstico está sempre de cima. Se Stálin tivesse querido garantir a sobrevivência, mesmo no caso de derrota da URSS, de um Partido Comunista internacional forte e prestigioso, não teria agido de outro modo. Se a luta lhe correr favorável, o Marechal Tito trairá os anglo-americanos no momento oportuno, e apressará a vitória. Se lhe correr mal, ficará a Tito a tarefa de salvar o comunismo internacional, assegurando-lhe um lugar à luz do dia, e novas possibilidades de luta e de vitória no mundo de pós-guerra... E, com esta hipótese, levanta-se um pouco, supomos, o véu da confusão.
Jamais se falou tanto contra o comunismo, jamais o socialismo foi tão elogiado e progrediu tanto como em 1951. E isto pela ação da maior parte dos paladinos do anticomunismo. Que vem a ser o socialismo? Um processo lento e gradual de chegar até o comunismo. Socialistas e comunistas não divergem pois quanto ao fim último de sua ação política, mas apenas quanto a seus respectivos métodos de ação. Os comunistas, como, se sabe, são partidários da ação violenta e imediata.
Como se explica que um mundo que se arma até os dentes contra o comunismo caminhe insensivelmente para ele, socializando-se cada vez mais? Ainda uma vez, somos obrigados a reconhecer: confusão.
De um lado, concorre para isto a própria perpetuidade do risco de guerra em que Moscou mantém o mundo ocidental. A preparação para a guerra supõe uma adaptação completa e pois de certo modo um profundo falseamento das atividades industriais, comerciais e até agrícolas de qualquer povo. Esta adaptação - que o perigo torna rigorosamente imprescindível - só pode ser obtida por meio de uma intervenção constante do Estado na economia. De outro lado, o falseamento traz consigo crises que, por sua vez, só podem ser resolvidas na atual estrutura política do Ocidente, pelo Estado. De onde aos poucos, o Estado se vai assenhoreando de tudo.
De outro lado, o mundo Ocidental está intoxicado com os princípios da Revolução Francesa. Pode-se mesmo dizer que a essência do pensamento político e social do Ocidente é a própria ideologia da Revolução. Ora esta última, liberal em aparência, na realidade era visceralmente socialista. Gracchus Babeuf, que durante a Revolução Francesa tentou um golpe comunista, era o produto lógico e último da mentalidade revolucionária. Assim, pois, se alguma tradição cristã ainda opõe o Ocidente ao comunismo, outros fermentos ideológicos adversos ao Cristianismo, e que penetraram fundo na alma hodierna, conduzem de fato para a coletivização total da vida. Esta influência simultânea de duas doutrinas antagônicas está na raiz de nossa grande confusão.
Ainda aqui, não convém adiantar. Mas sabemos que o comunismo internacional conhece a fundo nossas fraquezas, e o serviço que as ideias revolucionárias lhe podem prestar. Perpetuando o risco de guerra, sabe ele que nos empurra longe pelas vias do socialismo. Ora, este rumo não pode deixar de lhe agradar. A perpetuidade do risco não será um estratagema para chegar a este fim? Quem quer que considere de frente o problema há de se sentir tentado a responder pela afirmativa...
Outra reflexão. O comunismo internacional sabe que a única barreira séria que encontra pelo caminho é a Igreja. O progresso do panteísmo místico e sensual não pode deixar de ser considerado altamente vantajoso para quem queira derrubar a Igreja. É mais vantajoso ainda o pulular de erros velados entre os católicos, que os lancem uns ao báratro da heresia, outros no desalento e na confusão. Quem lucra, insistimos, com o pulular destes erros, com os estragos, com a desordem que eles semeiam por toda a parte, com a inexprimível dificuldade de ação que eles trazem para os mais devotados servidores da ortodoxia? Evidentemente o comunismo internacional. Não é pois, bem certo que a pertinácia prolongada desta pululação só pode alegrar os que tentam derrubar a Civilização Cristã?
É, pois, verdade que nesse quadro há muita confusão. Mas é também certo que, se em lugar de procurarmos lógica onde ela não existe, tomarmos a confusão como fato indiscutível e nos resignarmos a raciocinar à margem dela para verificar a quem beneficia, e para onde conduz, a resposta é sempre uma só. Dir-se-ia que corre pelo mundo o sopro tépido e negro do espírito do mal, que, por misteriosa permissão de Deus, dispõe a seu talante dos homens e das coisas.
Entretanto, ainda aqui cabe uma reflexão. Porque apela o espírito do mal para a confusão? Porque esparsas por este mundo caótico e decadente, florescendo quiçá em lugares que os observadores superficiais não sabem ver, ainda existem muitas almas que detestam o mal. Pois se o demônio se oculta para avançar, é porque sabe que muitos ainda lhe barrariam o caminho se agisse descoberto. Nisto está a nota animadora do momento. Houve tempo em que os batalhões da impiedade desfraldaram à luz do sol o lema satânico “écrazez l'Infâme”. Hoje continuam a caminhar vitoriosamente... mas de bandeira enrolada! O que significa que há hoje em dia, em número maior, soldados de Deus, dispostos a lutar no momento das supremas provações.
E este facho de luz que corta um horizonte tão negro não é o único. Na confusão da terra, abriram-se os Céus, e a Virgem apareceu em Fátima para dizer aos homens a verdade. Verdade austera, de admoestação e penitência, mas verdade rica em promessas de salvação. O milagre de Fátima se repetiu quase ao findar-se este triste e vergonhoso ano de confusão, aos olhos do Vigário de Cristo, para atestar que as ameaças de Deus continuam a pairar sobre os homens, mas que a proteção da Virgem jamais abandonará a Igreja e seus verdadeiros filhos.
O ano de 1952 nos trará as terríveis punições previstas em Fátima? Se elas se realizarem, ninguém poderá ficar surpreso. Os pecados chegaram ao auge, a conspiração do mal domina a terra.
Mas os que confiam na Virgem Santíssima tem sobejos motivos para nada temer. Deixamos 1951 e passamos para 1952 com a impressão de que de Fátima e do Vaticano nos vem ao coração a voz da Virgem que diz: “Nolite timere, pusillus grex” (Lc. XII – 32 ); não temas, pequeno rebanho.
Jordão Emerenciano
RECIFE, dezembro, 1951 — Sob o título "A Lição do Brasil", publicou o sr. Costa Brochado, conhecido historiador português, uma monografia por muitos motivos interessante. (Portugália Editora — Lisboa, 1949).
A monografia fora originariamente escrita em forma de tese e com o título de "O Problema dos índios Brasileiros nos planos de D. João III", para ser debatida e estudada no Ultimo Congresso de História realizado no Rio de Janeiro sob os auspícios do Instituto Histórico e em comemoração ao quarto centenário da Fundação da Cidade de Salvador..
Servia de fundamento essencial à tese um documento inédito pelo Autor descoberto na Torre de Tombo. Documento esse de uma alta e reveladora significação e que merece a mais ampla divulgação. A importância do assunto e os estudos do Autor levaram-no a dar ao trabalho não já o caráter de uma tese, de unia comunicação, mas desenvolvimento maior, do que, aliás, lucraram os seus leitores e o próprio assunto.
O sr. Costa Brochado é um estudioso que conhece bem esse vivo e fecundo período que vai das Descobertas ao estabelecimento definitivo da civilização portuguesa nesses mundos novos que revelara ao mundo. E a atestar suas pesquisas e os seus seguros conhecimentos dessa larga fase histórica aí estão seus livros sabre o Infante D. Henrique, Afonso de Albuquerque e D. Sebastião.
Trata-se de um historiador minucioso, exato e sempre lembrado da importância do documento para os estudos históricos. Para ele, como para todo historiador honesto, no domínio dos fatos o argumento de autoridade é perigoso e imprudente. As afirmações por mais seguras que sejam nada valem se não tiverem documentos que comprovem a autenticidade do fato. A nenhum historiador é lícito deduzir, concluir, generalizar, interpretar se os fatos alegados não podem ser provados por fontes rigorosamente históricas. A própria tradição oral, mesmo criteriosamente analisada e verificada, precisa de fontes subsidiárias, de confirmações que atestam sua veracidade. -Se ao historiador não é lícito proceder doutro modo, muito menos lícitas são outras liberdades de invenção de interpretações imaginosas e fantasistas. Isso já não seria nem sequer História com esse ou aquele adjetivo. Mas simplesmente novela. Novela pura e simples. Nada mais. Não obstante tudo quanto se diz e se murmura contra os chamados "revisionistas" têm eles pelo menos a virtude de duvidar metodicamente dessas novelas com fumos de história verdadeira e de não tomar a atitude cômoda de aceitar tudo se lhe quiser impingir. Se o fato não merece fé ou não tem em que se apoiar, é inútil apelar para argumento de autoridade. Se o herói é de barro, rua com ele. Mas a recíproca também é aplicada: não havendo fato seguro, documento ou tradição oral idôneos para destruir o herói, nada feito. O máximo que pode acontecer é ele ficar em observação como se diz em linguagem médica, ou de quarentena como se usa em polícia sanitária. Nisso o "revisionista" se distingue essencialmente dos chamados historiadores "liberais" que vivem de vassoura em punho para derrubar tudo com juízos levianos: reis, instituições, costumes, etc. Esses não têm aquela preocupação. Com unia ligeireza de espantar vão logo dizendo: reis, príncipes, princesas — todos mentecaptos, doentes de secretos vícios, tarados e idiotas. Boas e veneráveis tradições ? Qual o que 1 tudo isso não passa de obscurantismo, ignorância, trevas. E por aí vão mim arrasamento tremendo. Toque-se-lhes porém nos seus heróis favoritos e o mundo desaba. Grita-se logo que ó ''revisionismo", "inquisição", "falta de patriotismo", "impiedade sacrílega", etc., etc. Aliás, não é novidade lembrar que ninguém é mais intransigente, intolerante e feroz do que o liberal. Paradoxalmente só admitem a sua verdade, o seu liberalismo — o resto é inquisição e "revisionismo"...
Voltemos porém ao sr. Costa Brochado, que nada tem com essas digressões nem tão pouco com essas divergências.
Há na sua introdução um conceito de que os povos, como os indivíduos, têm missões particulares que só os distinguem ao longo da história. Bem se lhe pode ajuntar que isso tem um pesado preço. Muitos se exauriram e se gastaram no cumprimento dessa missão. Em troca tinham direito ao reconhecimento dos outros povos, ou pelo menos daqueles por cuja revelação ao mundo, por cuja civilização se gastaram e se deram. Mas Os povos como os homens são muitas vezes injustos — estes mais do que aqueles... Portugal sacrificou-se pela sua missão histórica. Em compensação sofre não raro negras injustiças na apreciação de sua obra e de seu sacrifício: "Tudo se nos tem negado, desde a prioridade dos Descobrimentos ao longo do Atlântico até à beleza moral dos grandes princípios da nossa obra de Colonizadores modernos".
O pior de tudo é que muitos portugueses - como reconhece o Autor - têm concorrido para esse negativismo sistemático e ingrato.
No dia 7 de dezembro pp., na solenidade da entrega de diplomas às alunas do Colégio da Imaculada Conceição, em Jacarezinho, Est. Paraná, Sua Alteza Imperial o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orléans e Bragança pronunciou, na qualidade de Paraninfo, a bela e substanciosa oração que hoje publicamos.
Não preciso, creio eu, dizer-vos quanto me sensibilizou vosso gesto, escolhendo-me para vos dirigir, nesta solenidade, as palavras rituais que a tradição manda que o Paraninfo profira nas festas de formatura.
Alegrou-me, e me desvaneceu vosso convite, no que ele tem de estritamente pessoal, enquanto se dirige a um brasileiro, a um paranaense de adoção, a um católico cujo intuito é de servir nossa Mãe a Santa Igreja, e a sua Pátria com as poucas forças de que dispõe, beneficiando-se espiritualmente da irradiação desta grande alma de pastor e de sábio que é o nosso venerado e muito amado Bispo, Dom Geraldo de Proença Sigaud.
Contudo, principalmente, me alegrou vosso gesto no que ele tem, por assim dizer, de impessoal. Bem vejo que, escolhendo-me, quiseste afirmar, aliás num plano superior a qualquer outro pensamento, vosso apego às tradições do passado luso-brasileiro, tão intimamente ligadas ao nome e a lembrança dos Reis de Portugal, dos nossos Imperadores, ao nome, glorioso entre todos, de Dona Isabel a Redentora, a qual, estais disto certas, do alto do céu vos contempla com imenso carinho e muito amor, patrocinando vossa bela festa e pedindo a Deus e a Nossa Senhora que abençoe aquelas que, hoje, se formam sob a Sua proteção.
Portanto, não será em meu nome próprio que vos dirigirei algumas palavras de conselho e de estímulo, mas sim em nome deste nobre passado, destas belas tradições que constituem o nosso patrimônio e são a nossa gloria nacional.
Será em nome desta também que passarei a fazer um rápido comentário. Representais, num certo sentido, o que há de mais jovem em nossos dias. O Brasil é das Nações mais novas da terra. No Brasil o Norte do Paraná é uma das mais recentes e vigorosas realizações do nosso espírito de progresso. E no Paraná, é a vossa geração que no momento constitui e representa a mocidade.
Como não sentir profunda alegria ao constatar que tanta mocidade, autentica por tantos títulos, em lugar de se deixar arrebatar por tendências modernas e materialistas importadas do estrangeiro, se volta para o ideal do nosso passado nacional, buscando nele orientação, conselho, roteiro? Como não augurar grandes coisas de uma juventude que se afirma com tanto equilíbrio, com tanta força e tanta maturidade de vistas? Como não ver em vosso gesto motivos sólidos para esperar que o Brasil corresponda no futuro a tudo quanto dele esperaram os nossos maiores?
Atendo, pois, de todo coração a vosso pedido. E já que é em nome da tradição brasileira que vos falo, escolherei a mais essencial, a mais viva, a mais fecunda delas, para me inspirar nesta noite: refiro-me a nossa tradição de país essencialmente católico.
Uma singular predestinação cercou o Brasil desde seus primeiros instantes.
Nascemos de um impulso missionário, pois, como se sabe, o desejo de dilatar o Reino de Cristo, mais do que a sede de lucro, orientava a Nação lusa — Reis e povo — no esforço da Navegação.
Por isto mesmo, a Coroa Portuguesa cometeu de inicio a direção temporal do nosso país à Ordem de Cristo.
Nosso progresso também teve, nos seus primeiros passos, um sentido marcadamente missionário, enquanto dependíamos, de modo capital, da Companhia de Jesus, apoiada em muitas circunstâncias difíceis pelos Reis da Casa de Bragança, que nela reconheciam o grande elemento propulsor da nossa grandeza espiritual.
Dom João IV consagrou-nos á Imaculada Conceição, e, logo que o Brasil se tornou independente, Dom Pedro I renovou esta consagração, reafirmando os especiais poderes da Rainha do Céu, sobre a Nação.
Assim, quando o Episcopado Brasileiro, tendo a frente o ínclito Cardeal Arcoverde, coroou solenemente Nossa Senhora Aparecida Rainha do Brasil, situou-se no campo de nossas melhores e mais genuínas tradições.
Não se veja nestes atos mera expansão de sentimentos. Estas consagrações afirmam, de modo muito definido, conceitos que estão na própria raiz do que se poderia chamar a brasilidade.
Os mandamentos da lei de Deus contêm todos os preceitos que, segundo a própria ordem natural das coisas, os homens devem observar para viver reta e felizmente neste mundo. Tome-se um povo que pratica as leis de Deus: será necessariamente grande e feliz. Tome-se um povo em decadência na raiz do seu declínio se encontrará sempre à violação sistemática e habitual de algum mandamento.
Assim, pois, a própria ordem civil não tem interesse mais fundamental e mais vital, do que a observância constante dos preceitos do Decálogo. Se tomarmos a noção, hoje tão malbaratada, da Civilização Cristã e penetrarmos até o âmago dela, outra coisa não encontraremos senão os Mandamentos.
Cristã é a civilização em que as instituições, os usos, os costumes, a cultura são construídos na base dos Mandamentos. É a estes que o Ocidente deveu tantos séculos de gloria, de tranquilidade, e de hegemonia mundial.
A lei de Deus, contudo, não foi abandonada, quanto à sua interpretação por vezes árdua e difícil, ao capricho humano.
O próprio Jesus Cristo, nosso Salvador, instituiu um poder que com assistência divina jamais errará no ensino não só da Fé, como ainda da moral cristã: é a Igreja. E é por meio da Igreja que Deus dá aos homens as graças necessárias para praticarem os Mandamentos.
Assim, pois, pode-se dizer que, se os Mandamentos são a base da civilização, de outro lado a Igreja é a coluna sobre a qual se apoiam os Mandamentos.
Cumpre, contudo, ir ainda mais a fundo nesta ordem de ideias. A Igreja, Ela mesma, se apoia por sua vez sobre uma coluna que é a Cátedra de São Pedro. "Ubi Petrus, ibi Ecclesia", onde está o Sucessor de São Pedro; aí está a Igreja.
Assim, pois, é o Vigário de Jesus Cristo a base da civilização cristã. Chegamos assim à conclusão de que a grandeza, mesmo temporal, de um povo, decorre antes de tudo, e acima de tudo, de sua adesão filial, de sua fidelidade inabalável à Cátedra de São Pedro. Este o grande princípio sobre o qual, nas minhas mais ardentes aspirações, desejo ver construída a grandeza do nosso Brasil.
E é este princípio, prezadas afilhadas, que vos lembro neste momento de festa e de despedida. Em qualquer campo para o qual vos chame a Providencia Divina, tomai-o como Norte. Se no lar formardes segundo este princípio vossos filhos; se na cátedra modelardes conforme ele vossas almas; se na vida profissional o irradiardes em torno de vós sobre vossas colegas, tereis vivido uma vida fecunda, e tereis feito o vosso dever de cristãs e de brasileiras.
Do alto do Céu, estai disto certas, a proteção da Virgem Imaculada, Nossa Rainha, não vos há de faltar nem a gratidão e as bênçãos das gerações que vierem depois de vós.
Com estas palavras; vejo-vos partir cheio de simpatia e de esperanças.
E tenho a certeza de traduzir, exatamente, os sentimentos de nosso ínclito Bispo, de vossos pais, de vossos mestres, dizendo-vos de todo coração: ide, ide com Deus, e nesta senda sereis felizes.
Fernando Furquim de Almeida
A campanha contra os jesuítas, que o governo de Luís Felipe provocara com o fim de desarticular o Partido Católico, tivera pleno êxito. Além da vitória obtida com a dissolução da Companhia na França, o governo conseguira mostrar que as divergências entre os católicos eram mais graves do que se poderia imaginar. As duas tendências pró e contra os jesuítas revelavam, embora ainda não perfeitamente explicitada, uma diferença profunda de princípios e de mentalidade, que só poderia acentuar-se sempre mais. Essa divisão se tornou mais clara com a insurreição de 1848.
Sob Luís Felipe — isto é, durante a chamada "Monarquia de Julho" — o direito de voto era exercido exclusivamente pelos cidadãos que pagavam um certo mínimo de impostos. A pretexto de estender esse direito às "capacidades", ou seja, aos portadores de diplomas universitários, uma ala do partido situacionista iniciou uma oposição sui generis em prol de uma reforma eleitoral, realizando uma série de banquetes onde discursos inflamados a favor da liberdade e contra a tirania eram pronunciados pelos grandes oradores da época. Essa campanha demagógica era entusiasticamente apoiada por todos os revolucionários, que nela viam não um mero movimento "doutrinário", como imaginavam alguns orleanistas, mas sim uma agitação que contribuía poderosamente para o progresso da revolução.
De toda essa agitação nasceu o movimento de 1848. Vitorioso em poucos dias, em vez de acarretar uma simples reforma eleitoral, determinou a queda de Luís Felipe e a proclamação da república, com o domínio completo da situação pelos revolucionários.
A Segunda República foi uma surpresa até para os próprios republicanos. Recebida com pavor pelo povo, que previa a repetição das cenas de terror da Revolução Francesa, os seus líderes procuravam consolidar a situação com um regime de brandura, especialmente com referência à Igreja, tratada por eles com tal reverência e submissão, que o Núncio Apostólico, Monsenhor Fornari, respondeu à notificação do governo sobre a proclamação da república nos seguintes termos: "Não resisto à necessidade de vos exprimir a viva e profunda satisfação que me inspira o respeito à Religião, demonstrado pelo povo de Paris durante os últimos acontecimentos. Estou convencido de que o coração paterno de Pio IX ficará profundamente tocado, e que o Pai comum dos fiéis pedirá com todo o coração a bênção de Deus sobre a França".
A confusão foi enorme entre os católicos. Alguns, como Veuillot e Montalembert, procuravam salvar dos escombros do passado o que fosse possível. Outros, como Lacordaire e Ozanam, julgaram chegado o momento de ressuscitar as doutrinas de "L’Univers". Daí o início da cisão no Partido Católico, que se delineou claramente já no próprio dia da queda da monarquia.
Na tarde da proclamação da república, na redação de "L’Univers" Louis Veuillot comentava com seus colaboradores os últimos acontecimentos. De repente entrou Montalembert, dizendo: "Não existem mais Pares de França, eu não sou mais nada. Venho trabalhar convosco". Veuillot, como se nada tivesse havido entre eles, o recebeu efusivamente. A reconciliação estava feita, e logo os dois líderes católicos passavam a conversar sobre a causa comum e a fazer planos para o futuro.
A necessidade de reforçar a posição de "L’Univers" levou Veuillot a concordar com Montalembert sobre a admissão de Lacordaire como redator-chefe. Este, porém, mostrou-se intransigente, recebeu mal o antigo companheiro de "L’Avenir" e recusou a proposta, declarando a Montalembert: "Tua obra está terminada. Tua campanha da sonderbund, tua paixão pelos jesuítas, tuas combinações com os retrógrados te condenam a desaparecer; não podes mais ser uma força e serias um embaraço. Não quero tentar nada contigo". Desolado, Montalembert voltou a "L’Univers", onde Veuillot o reanimou.
Mas Veuillot e Montalembert não sabiam nesse momento que Lacordaire e seus amigos pretendiam fundar um novo jornal católico todo dedicado à república e às suas ideias. Por outro lado, Taconet, proprietário do "L’Univers", alarmado com os acontecimentos políticos, pretendia vendê-lo. Os interessados na compra eram exatamente o grupo católico que desejava uma maior aproximação com a república. Todavia Veuillot e Montalembert conseguiram evitar a venda e o "L’Univers" sofreu uma reforma salutar, tendo Veuillot ficado sozinho na chefia de sua redação.
A 14 de abril a situação se esclareceu. Apareceu o primeiro número do "Ère Nouvelle". Tinha por diretor o Padre Maret, por redator-chefe Frederico Ozonam, por protetor Mons. Affre, e como principal colaborador Lacordaire. A orientação do novo jornal ficou patente logo no primeiro número. Era o sucessor de "L’Avenir". Seus artigos tendiam a considerar a república como doutrina política e religiosa que se impunha a todo verdadeiro cristão e como o instrumento mais seguro para o progresso social, depois do triunfo da religião.
Mons. Affre aplaudiu o aparecimento do jornal com uma carta que terminava da seguinte forma: "Somos gratos a esse devotamento que a fé sustenta e esclarece, porque vê nas grandes revoluções que mudam a face do mundo a intervenção onipotente de Deus. Nunca, como vós mesmos observastes, foi ela mais evidente do que no novo estado político da França. Tenhamos portanto mais confiança em Deus do que em nós mesmos. Encontraremos nesse sentimento a verdadeira coragem, como encontro no meu coração o sincero e afetuoso devotamento com que sou todo vosso".
Com tal encorajamento, e dado o sucesso dos primeiros números, tudo fazia supor que "Ère Nouvelle" acabaria por obrigar o "L’Univers" a fechar. Todos os católicos da antiga escola de Lamennais viam nele a ressurreição do "L’Avenir", e na república que se inaugurava a forma ideal de governo.
Veuillot e Montalembert tinham também aderido à república, mas era uma adesão reticente. Dois dias depois da vitória da revolução, tendo o ministro provisório da Instrução Pública e dos Cultos enviado uma carta ao "L’Univers", garantindo-lhe o funcionamento, Veuillot protestou contra a linguagem desse documento, declarando que se a república mantivesse o monopólio universitário os católicos a combateriam. Foi a primeira palavra de oposição que soou aos ouvidos da Segunda República.
A cisão entre os católicos estava em marcha e aumentaria com o tempo, até o momento em que Mons. Dupanloup, refreando os excessos de "Ère Nouvelle", conseguirá a reunião dos católicos de tendência revolucionária, a separação definitiva entre Montalembert e Louis Veuillot e a criação do tipo clássico do "católico liberal", que tão nocivo vem sendo até hoje em dia.