ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A CIDADE DO DEMÔNIO

Cunha Alvarenga

Nos ambientes paganizados de nossos dias, quando a crença em Deus ainda costuma ser encarada como um elemento indispensável da religião, outro tanto normalmente não se dá com a crença na existência do demônio, ou na ação pessoal do príncipe das trevas, que é tida como uma superstição medieval, já completamente ultrapassada. O dogma do inferno, ligado à manifestação dos espíritos maus, quando não é diretamente combatido, costuma simplesmente ser deixado em silencio.

Eis-nos diante de uma espiritualidade incompleta, deformada, que nos apresenta uma autêntica caricatura da realidade não somente sobrenatural, mas até mesmo natural. Com efeito, se fizermos abstração do demônio, não acharemos explicação nem para a Queda, nem para a Redenção, nem para a existência da Igreja, nem, portanto, para toda a História da humanidade.

Velha manha do pai da mentira

“Sim, hei de esconder-me e em lugar onde não me encontrem". Eis uma das revelações que o demônio, na noite de 7 para 8 de fevereiro de 1923, fez à Irmã Josefa Menendez, Religiosa da Sociedade do Sagrado Coração de Jesus, falecida em odor de santidade. Continua, portanto, de pé a observação de Baudelaire, tão explorada para efeitos literários, mas tão desprezada na realidade prática, segundo a qual "a pior manha do diabo é fazer acreditar que não mais existe". É muito de se louvar, por conseguinte, nesta hora do poder das trevas, mas em que o demônio toma as feições caricatas de um Mefistófeles de ópera bufa, o aparecimento de estudos sobre a ação diabólica no mundo, como estes que nos acaba de chegar às mãos:

"Satan dans la Cité", de autoria de Marcel de la Bigne de Villeneuve, Les Editions du Cèdre, 13, rue Mazarine, Paris.

Introduzindo o mal na Criação pelo seu orgulho e pela sua rebeldia, Lúcifer é o espírito fundamentalmente, enraizadamente negador, por oposição ao Bem, ao Existente, à Ordem impressa por Deus em todo o criado. Anjo das trevas, é o negador da luz que o Plano Divino encerra. De modo que não pode ter uma ideia clara e precisa dos caminhos de Deus, quem não leva em conta esse elemento perturbador, que é o que dá a característica de luta e de heroísmo à vida do homem sobre a terra.

A ação diabólica em nossos dias

Aí está porque nos interessa, no mais alto grau, conhecer o modo de agir do pai da mentira. E o aspeto capital deste pequeno livro é justamente o estudo da ação do príncipe deste mundo enquanto ela se dissimula sob a figura de pessoas morais, ou de instituições. Agindo sobre as inteligências e sobre as vontades, e assumindo as mais variadas formas em sua atividade infernal, porque o demônio haveria de desprezar esses tremendos instrumentos para a sua obra maléfica que são as instituições políticas, as sociedades secretas, os vários agrupamentos humanos que ditam as leis, o teor de vida e os costumes, que manipulam os processos modernos de propaganda, através dos quais pode inocular seu espírito perverso na sociedade humana em proporções nunca vistas? "É uma atitude que convém muito bem à sua alta inteligência, a utilização do gregarismo moderno para seus fins, e eis o diabolismo bem ao nível desse famoso progresso da ciência pelo qual se pretendia assegurar sua desaparição. Em lugar de proceder como um pequeno artesão, Lúcifer age presentemente como um grande industrial e prossegue em sua tarefa infernal em série, através dos mais aperfeiçoados instrumentos" (pag. 68).

Eis o que parece distinguir a época atual, que apresenta caracteres próprios de satanismo, que a diferenciam de outras quadras da historia da humanidade.

Com efeito, indaga o autor, que foi que mudou para provocar semelhante transbordamento do inferno sobre a terra? "O que mudou, é que em lugar de serem concebidas, como eram, apesar de suas imperfeições, ao tempo em que a filosofia do Evangelho governava os Estados, para refrear a malicia eterna dos homens, as instituições são atualmente concebidas para a excitar, para a exaltar; é que em lugar de remediar tanto quanto possam as faltas e os pecados das sociedades, elas os multiplicam e lhes agravam as consequências. E isto porque Satã nelas encontrou acesso, porque nelas se insinuou, incorporado em seu espírito ou mesmo em sua letra, porque ele colocou, sob as mais variadas formas, o Mal na raiz das instituições, apresentando-o como o Bem, fazendo acreditar ser ele o Bem, fantasiando a Desordem com as cores da Ordem e o Falso com os aspetos do Verdadeiro" (pag. 76).

A arma do igualitarismo

Ora, da Ordem existente na Criação, decorre uma hierarquia de valores também desejada por Deus, não somente no Céu, mas também na terra. De fato, os "homens e os anjos formam juntamente uma sociedade; de sorte que adequadamente se diga que as cidades, isto é, as companhias, não são quatro, a saber: duas de anjos e outras duas de homens, senão somente duas, fundadas uma nos bons e outra nos maus, não somente entre os anjos, mas também entre os homens" (Cidade de Deus, livro 12, cap. 1.o).

Pai do naturalismo e do liberalismo, por querer prescindir de Deus, em sua revolta contra a obra hierárquica da Criação, o demônio haveria de usar de modo predileto a terrível arma do igualitarismo, com que dentro da Cristandade alimentou gradativamente a restauração do paganismo religioso, do paganismo filosófico, do paganismo político. E, como coroamento de seu plano sinistro, se acha o mundo na véspera da última dessas restaurações, que é a restauração do paganismo socialista, que será o ponto de convergência de todas as conquistas revolucionarias destes últimos séculos.

Não será, assim, muito difícil entrever o aspecto unitário dessa trama daquele "que seduz todo o mundo" (Apoc. 12, 9) no sentido de colocar sob suas cadeias toda a sociedade humana, se conseguirmos vislumbrar o ciclópico funil em que se vão concentrar as variadas obras das diferentes instituições políticas e sociais que se espalham pelos quatro pontos cardeais. Isto se nota não somente pela evocação dos horrores dos campos de concentração da Alemanha nazista e da Rússia soviética, mas também nos demais processos não menos diabólicos porque o mundo caminha para o totalitarismo por vias "legais" e pacíficas. Eis um dos pontos em que não acompanhamos o autor, que deixa de perceber toda a malícia demoníaca do fascismo mesmo na fase em que o Duce ainda não se decidira a "se tornar um macaco de Hitler". O fascismo não passou de um dos disfarces do socialismo, de que também temos exemplo nos processos do trabalhismo fabiano, e no maquiavelismo que encobre a política social e econômica dos chamados países democráticos

A hora do príncipe das trevas

Estamos diante de um cerco sem precedentes na história do Ocidente cristão

"A luta entre os bons e os maus, diz o Santo Padre Pio XII, cujos costumes e ações em contínuos embates formam o entrechoque da história do gênero humano, raramente, e quem sabe se nunca, foi mais violenta do que em nossos dias" (Exortação aos Bispos de todo o mundo). Eis a tremenda realidade que os próprio católicos procuram afastar de suas cogitações e de que o autor de "Satan dans la Cité" nos dá o seguinte e impressionante quadro:

"Ah ! Se nós pudéssemos romper o invólucro das coisas! Se tivéssemos a clarividência sobrenatural da Serva de Deus Catarina Emmerich que, em suas visões da Paixão, discernia, sob formas palpáveis, os espíritos infernais que saiam dos corpos dos atores e das testemunhas do sombrio drama e que excitavam os verdugos em sua feroz tarefa! — Que pavor sentiríamos vendo enxames de demônios a saírem dos textos das Declarações dos Direitos do Homem e das Constituições heréticas ou ateias que nos regem e que nós de modo imbecil julgamos capazes de salvaguardar nossos direitos, de artigos de leis infames, de propósitos mentirosos de políticos, de cartazes e urnas eleitorais, a infestarem em massa as assembleias parlamentares, as Conferências Internacionais, a formigarem entre nossos próprios companheiros de armas, nossos supostos defensores e seus chefes, a perverterem, a aviltarem, a embrutecerem de mil modos os espíritos e as almas de nossos contemporâneos e os levarem, estimulando sua miserável vaidade, para os caminhos da perdição que terminam nas discórdias civis, nas dissensões, nas guerras e nos massacres! Que terror justificado nos avassalaria ao ouvirmos a legião infernal repetir sobre todos os pontos do globo e quase até a cada um de nós o "Si cadens adoraveris me...", e obter de fato a homenagem desta era de castigo e de furor de que a vidente de Dulmen colocava o início "cinquenta ou sessenta anos antes do ano dois mil", data na qual o selo do abismo deveria ser rompido e Satanás em pessoa haveria de quebrar as cadeias e se lançar sobre o universo! (pag. 180).

Diante deste quadro de uma hecatombe social de imprevisíveis consequências, que nos resta fazer? Confiar em Deus e combater, pois "não será coroado, senão aquele que tiver sabido combater heroicamente" (2 Tim 2,5).


CORRESPONDÊNCIA

De F. J. M., Niterói (Est. do Rio): — “Noto, em seu jornal, uma verdadeira insistência em elogiar pessoas, costumes, instituições da Inglaterra. Por que esta predileção? Tudo, em "CATOLICISMO", faria esperar o contrário; é verdadeiramente desconcertante a simpatia de um jornal tão cioso de sua ortodoxia, para com a nação que é o maior baluarte do maçonismo e do protestantismo no mundo".

R — A respeito da Inglaterra, devemos distinguir:

a — A religião, que é herética, e, pois, digna de formal rejeição, como o luteranismo, o calvinismo ou qualquer outra forma de heresia.

b — A linha do desenvolvimento histórico, que apresenta sem dúvida aspectos gloriosos, mas no qual domina o apoio dado nos séculos XVI e XVII à expansão protestante na Europa, e, nos séculos XIX e XX, a todos os movimentos revolucionários suscitados pela maçonaria. Evidentemente, o papel da Inglaterra foi, neste assunto, dos mais censuráveis e funestos.

c — A luta sistemática de seu imperialismo, contra as nações católicas, e particularmente Portugal e Espanha, cujo declínio durante o século XIX é em grande parte obra inglesa. Também merece decidida censura.

d — As instituições políticas, na aparência muito equilibradas, pois permitem uma feliz colaboração entre a Coroa, as classes altas e o povo; mas em verdade inteiramente entregues ao despotismo da massa, que reduziu o Rei e os Lordes a meros elementos decorativos, e que sob o impulso do Labour Party caminham para o comunismo. Evidentemente ninguém poderá supor que nosso jornal aprova esta tendência visceralmente contrária a tudo quanto pensamos, somos e queremos.

e — Um senso de tradição que ainda mantêm vivas certas cerimônias, certas fórmulas, certos costumes, certos hábitos mentais que datam ainda dos velhos tempos da Inglaterra católica. É o que se dá com o rito da coroação, e em geral com tudo quanto cerca a coroa e a corte. Para usar de uma imagem do B. Pio X, a Inglaterra é um vaso do qual há muito tempo foi retirada a rosa, mas que dela ainda retém vago perfume. Todo este conjunto de tradições conserva o aroma de velhos ambientes ainda não contaminados com a peçonha do espírito de Lutero, Rousseau e Marx. Sabemos que a Inglaterra de hoje já não é a Inglaterra anterior a Henrique VIII. Sabemos que na Inglaterra de hoje todos os princípios tradicionais estão quase expirantes. Mas, se queremos dar a nossos leitores um meio de conhecer e respirar o aroma da velha civilização cristã, é legítimo e didático tomar estas aparências enquanto tais, a título meramente instrutivo, e mostrar os princípios que elas contêm. Como alguém que quisesse fazer sentir o que é o perfume de uma rosa, poderia apresentar um vaso em que a rainha das flores tivesse deixado algo de sua presença.

A este título, e com todas estas reservas, é que elogiamos na "prestance" de alguns estadistas da velha escola, na majestade de algumas cerimônias, no esplendor de alguns símbolos, os reflexos áureos da cultura e da civilização cristã.


AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

Decoração espiritualista - Decoração materialista

Plinio Corrêa de Oliveira

Na sala de sessões do Palácio do Luxemburgo, em Paris, construído de 1615 a 1620 sob a direção de Salomon De Brosse para Maria de Médicis, acham-se em sessão 1.500 delegados das Nações Unidas. O ambiente é admiravelmente adequado à magnitude do acontecimento. A própria ordem natural das coisas pede que o bom gosto, a riqueza, a solenidade, a tradição deem realce e lustre aos lugares construídos para que neles se passem grandes coisas. E é o que aí se encontra. A boisérie, a colunata, as linhas singelas e nobres da tribuna e da mesa da presidência, o porte solene das grandes figuras de mármore que iluminam o ambiente com o brilho de séculos inteiros de cultura e de glória, a força, a majestade, a graça e a riqueza de todas as coisas enfim, concorrem para que se julgue este lugar plenamente digno de nele se congregarem os representantes de quase toda a terra, para discutirem os destinos do mundo.

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Massas brutas, acachapantes, linhas de uma frieza sinistra: tribunal para julgar criminosos? Ou mesa de interrogatório policial sobre a qual paira, implícita mas pesada, uma ameaça de campo de concentração?

Nada disto. É a tribuna da ONU, concebida segundo certo gosto moderno. De pé, o Sr. Gromiko, delegado da URSS, volta-se fortemente para o Presidente, Percy Spender, a quem declara que a Rússia não assinará a paz de São Francisco.

É este o nível a que certa "arte" reduz a vida moderna.

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No Palácio de Luxemburgo a composição do ambiente levou em consideração, não só as conveniências materiais e técnicas, mas principalmente as espirituais, satisfazendo a tudo quanto o espírito humano podia pedir relativamente aos atos a que a sala se destina. É uma decoração feita por homens que creem na alma imaterial. A tribuna em que fala Gromiko recusa tudo à alma, ignora-a completamente. Ela foi construída apenas em função de conveniências materiais. É em suma tipicamente materialista.