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(continuação)

é a reforma essencial e indispensável. Com ela, tudo estará feito. Sem ela, tudo quanto se fizer será nada.

Esta é a grande verdade que se deve meditar no Natal. Não basta que nos inclinemos ante Jesus Menino, ao som dos hinos litúrgicos, em uníssono com a alegria do povo fiel. É necessário que cuidemos cada qual de nossa própria reforma, e da reforma do próximo, para que a crise contemporânea tenha solução, para que a luz que brilha do presépio recobre campo livre para sua irradiação em todo o mundo.

Mas como conseguir isto? Onde estão nossos cinemas, nossos rádios, nossos diários, nossas organizações? Onde estão nossas bombas atômicas, nossos tanques , nossos exércitos? Onde estão nossos bancos, nossos tesouros, nossas riquezas? Como lutar contra o mundo inteiro?

A pergunta é ingênua. Nossa vitória decorre essencialmente e antes de tudo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Bancos, rádios, cinemas, organizações, tudo isto é excelente, e temos obrigação de o utilizar para a dilatação do Reino de Deus. Mas nada disto é indispensável. Ou, em outros termos, se a causa católica não contar com estes recursos, não por negligencia e falta de generosidade nossa, mas sem nossa culpa, o Divino Salvador fará o necessário para que vençamos sem isto. O exemplo, deram-no os primeiros séculos da Igreja: não venceu esta, a despeito de se terem coligado contra ela todas as forças da terra?

Confiança em Nosso Senhor Jesus Cristo, confiança no sobrenatural, eis outra lição preciosa que nos dá o Santo Natal.

E não terminemos sem colher mais um ensinamento, suave como um favo de mel. Sim, pecamos. Sim, imensas são as dificuldades que se nos deparam para voltar atrás, para subir. Sim, nossos crimes e nossas infidelidades atrairam merecidamente sobre nós a cólera de Deus. Mas, junto ao presépio, temos a Medianeira clementíssima, que não é juiz mas advogada, que tem em relação a nós toda a compaixão, toda a ternura, toda a indulgência da mais perfeita das mães.

Olhos postos em Maria, unidos a Ela, por meio dela, peçamos neste Natal a graça única, que realmente importa: o Reino de Deus em nós e em torno de nós.

Todo o resto nos será dado por acréscimo.


NOSSA PRIMEIRA PÁGINA

NATAL: Detalhe de um afresco de Giotto (1266-1337) na capela Scrovegni, de Pádua.

ET VOCABITUR PRINCEPS PACIS, CUJUS REGNI NON ERIT FINIS. - Ele será chamado o Príncipe da Paz e Seu reino não terá fim: Palavras de Isaías (9,6) no Introito da 2a Missa do Natal.


Correspondência

De uma Superiora de Colégio de meninas, temos consulta sobre varias dúvidas suscitadas pelo pregador de um Retiro que congregava especialmente as diretoras dos vários estabelecimentos de educação mantidos pela Família religiosa a que ela pertence. Segundo nossa consulente, o pregador: 1 — Reprovava a recitação do terço de Nossa Senhora durante a Missa, pois que nesta os fieis só devem usar o missal. 2 — A respeito da maneira como formar as alunas, dava as seguintes normas: a. Jamais se deve censurar as pessoas que se apresentam pintadas, decotadas ou sem meias para assistir à Santa Missa; nem muito menos se deve negar-lhes os Sacramentos. A razão apresentada era porque essas não têm malícia nenhuma, aliás não se apresentariam dessa maneira; e de nossa parte, nossa exigência implicaria em censura ao próprio Deus que fez todas essas coisas. b. Jamais se deve falar contra os namoros das meninas de Colégio, como não se deve vigiá-las, ou impedir de qualquer forma que namorem. Motivo: este é seu caminho natural.

Informa nossa consulente que o Retiro todo foi dominado por estes assuntos; os pontos acima, no entanto, resumem o que lhe causou perplexidade.

R. Respondamos com a brevidade que nos pede o espaço de que dispomos.

1. Reprovar a recitação do Terço durante a Missa, é uma injuria que se faz à memória do Santo Padre Leão XIII, que, para conseguir graça singular, prescreveu essa pratica piedosa para o mês de outubro — preceito que está ainda em vigor como se pode ver no "Ordo Divini Officii recitandi Sacrique peragendi". Ora, o Santo Padre não iria indicar uma maneira reprovável de assistir à Missa, ainda menos com o intuito de obter graças especiais. Antes, o só fato de haver esse preceito pontifício já é prova mais do que suficiente de que se trata de ótimo meio de participar do Santo Sacrifício.

Deve, pois, ser considerada exagero a imposição do uso do missal como meio exclusivo de assistir frutuosamente à Missa. E é assim que a considera a Encíclica "Mediator Dei", escrita pelo Pontífice gloriosamente reinante especialmente para dizer qual o pensamento da Santa Sé sobre o movimento e a piedade chamados litúrgicos. Nessa Encíclica, depois de recordar a utilidade do missal como meio de acompanhar o Celebrante e tomar parte no Santo Sacrifício, prossegue o Papa: "estão fora da verdade e do caminho da reta razão os que, arrastados por falsas opiniões, tanto valor atribuem a todas essas circunstancias que não duvidam asseverar que, omitindo-as, a ação sagrada não pode alcançar o fim prefixado", Segue enumerando as varias razões por que não devemos ser exclusivistas quanto ao uso do missal. Entre elas está a índole de cada um, o que quer dizer que, mesmo em se tratando de pessoas cultas, pode muito bem ser que não se lhes deva aconselhar o uso do missal que, para elas, seria nocivo. Outra razão apontadas: "as necessidades e disposições da alma" que variam de um para outro fiel, e que na mesma pessoa nem sempre são iguais. Novo motivo que independe da cultura e pode verificar-se sem embargo de muita instrução em matéria religiosa. Por todos esses motivos, o Santo Padre enumera outros meios de assistir igualmente bem ao Santo Sacrifício.

De maneira geral, deve-se dizer que, para cada alma, o melhor modo de assistência à Missa é aquele que a leva a mais perfeitamente se unir com Jesus Cristo feito vitima por nós, e melhor a conduz a excitar em si os sentimentos de que está possuído Jesus Cristo Sumo Sacerdote ao se oferecer em nossos altares. É o que ensina a “Mediator Dei”: "Na realidade, ainda que possam ser varias as circunstancias exteriores da participação do povo no Sacrifício Eucarístico... sempre se deve procurar, com todo o cuidado, que as almas dos assistentes se unam ao Divino Redentor com os mais estreitos laços possíveis..."

É profundamente lamentável que após cinco anos da publicação desta Encíclica ainda haja adeptos desse exclusivismo que ela condenou. É sobretudo doloroso que tais pessoas impugnem particularmente a reza do terço durante a Missa, quando é certo que ela conduz os fieis a uma solida devoção à Mãe do Eterno Sacerdote e Medianeira indispensável de todas as graças, e foi objeto de um preceito especial por parte da Santa Sé.

* * *

2. As meninas são matriculadas nos Colégios de Religiosas para aí receberem educação católica; Para aí se formarem no espírito de Jesus Cristo, que é espírito de pureza, desapego, renuncia e mortificação; para aí adquirirem o hábito de julgar e agir segundo as verdades da Fé, e não os caprichos das paixões. Para alcançar esse objetivo exige-se esforço da vontade para dominar as inclinações do apetite sensitivo, sempre mais vivo na adolescência e mocidade. Ora, sem um guia experimentado que vigie, corrija e oriente a vontade, nesse período, fatalmente fraqueja e cede aos reclamos mais imediatos e mais veementes dos sentidos.

Não poderia, portanto, haver coisa mais contra-indicada às Superioras de Colégios católicos do que as normas de procedimento que o pregador do Retiro lhes teria aconselhado: nada de ensinar a suas alunas a renuncia às manifestações precoces da vaidade e da sensualidade; mas liberdade para que cada qual dê largas à sua irrequieta natureza, ávida de sensações e de afetos no despertar da mocidade, quando é mais perigosa a superexcitação sensível, mais viva a fantasia, maior a tentação para uma vida, não de princípios, mas de sensações íntimas e profundas ainda que efêmeras. Nessa idade, precisamente, maior deve ser a vigilância, mais tacto se pede à educadora para afastar eficazmente os perigos e ir criando as convicções que formam a estrutura de uma pessoa de caráter. Cremos que as Superioras de Colégios se mostrarão verdadeiras educadoras se tomarem como norma de procedimento o contrario do que lhes teria proposto o pregador.

Considerando cada um dos pontos citados pela consulente:

a. Achamos grave atribuir a Deus a vaidade feminina e o desejo de mostrar-se até a falta de recato. Quem fez os primeiros vestidos foi o próprio Deus (Genesis 3,21), que teceu as túnicas de peles com que revestiu nossos primeiros pais após a queda; e o fez para corrigir-lhes o erro de se contentarem com faixas de folhas de figueira para cobrir sua nudez (Gen. 3,7). Com isso, deu-nos a lição de que a mácula original tornou nossa natureza fonte de pecados e, por isso exige vestes convenientes que evitem o escândalo do próximo e demonstrem o respeito pela presença de Deus. É no que se funda a prescrição da Igreja, que, através da Sagrada Congregação do Concilio, manda sejam afastadas dos Sacramentos as senhoras e moças que se apresentem com vestes menos modestas, e que sejam do mesmo modo excluídas das associações religiosas as que descurarem o recato no trajar.

Aconselhar normas contrarias a estas é opor-se às determinações da Santa Igreja. Pretender fundamentar semelhante atitude no argumento de que Deus fez todas estas coisas, é desconhecer o pecado original, tornar-se suspeito de Pelagianismo. Aliás, nesta ordem de ideias, a conseqüência lógica seria recomendar o nudismo...

b. Dar plena liberdade às meninas em matéria de atração dos sentidos; sob pretexto de que este é seu caminho natural é ignorar a parte importantíssima de correção e orientação que cabe ao educador na formação do individuo. Este não é mero animal que se guia pelos instintos, mas uma pessoa cuja existência específica pede que a vida sensual se submeta às normas da razão e da Fé; submissão impossível, após, a queda de nossos primeiros pais, sem a orientação de uma autoridade, por quem, deve o individuo ser guiado. Também aqui há uma negação implícita do pecado original.

* * *

Não deixa de ser curiosa e digna de registro a identidade de origem, das opiniões objeto desta consulta. Quem se mostrava tão rígido quanto à maneira de se assistir à Missa, aparece excessivamente liberal no que respeita à educação da vida sentimental! Não provirão estas duas atitudes, aparentemente contraditórias, de um fundo comum, ou melhor, não se entrosarão num mesmo sistema: a santificação se faria automaticamente pela participação, chamada litúrgica, no Santo Sacrifício, que, por sua vez, dispensaria, por inúteis e nocivas, as normas de um acanhado e anacrônico "Moralismo"?

Como quer que seja, não terminemos estas considerações, sem lembrar a terrível imprecação do Divino Mestre contra aqueles que se servem de uma posição privilegiada de guias e orientadores, para desvirtuar a geração ainda inexperiente que a eles se confia: "Àquele que escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que lhe atassem uma pedra de moinho ao pescoço e o atirassem ao fundo do mar".


Alocução Pontifícia ao "Katholikentag" de Viena

A Igreja combaterá com a mais extrema energia a socialização de todas as coisas, que tornaria realidade a imagem terrível do Leviathan

No dia 14 de setembro p.p. o Santo Padre dirigiu ao "Katholinkentag" reunido em Viena uma rádio-mensagem de alta importância e atualidade, da qual a seguir publicamos o texto integral, traduzido da edição francesa do Osservatore Romano (de 26 do mesmo mês), acrescentando subtítulos e algumas notas de autoria desta Redação. Em próxima edição estamparemos um comentário especial sobre o documento.

"Caros filhos e filhas da Áustria católica.

De todo o coração atendemos ao desejo de vossos Pastores, Nossos veneráveis Irmãos, enviando uma mensagem a vosso Katholinkentag, o primeiro depois de 1933, e dando-vos Nossa bênção.

Os anos que se seguiram ao último congresso foram densos de graves acontecimentos, cuja origem remonta à primeira guerra mundial. Eles transtornaram até suas estruturas vossa existência como povo e como Estado, prosseguiram em seu curso através de incríveis catástrofes e colocaram vosso país no presente estado de tensões políticas, econômicas e culturais, das mais perigosas. Crise terrível, cuja solução ainda não se vislumbra e para o momento não se pode esperar senão da misericordiosa providência de Deus.

Em tais condições haveis marcado um fim exato ao vosso congresso: fazer dele um ponto de partida do despertar e da renovação da vida religiosa do povo austríaco.

EXORTAÇÃO AO POVO AUSTRÍACO

Fostes bem inspirados nesta escolha. Se em outros domínios vossa liberdade de ação está consideravelmente entravada, contrariamente à dignidade e ao direito de vosso povo (1), no plano da renovação religiosa podeis aplicar sem interrupção vossas energias. E, operando esta renovação, conseguireis para o vosso país valores dos quais ele sempre terá necessidade, qualquer que seja o seu futuro.

Vossa bela pátria austríaca, amados filhos e filhas, está como que semeada de preciosos testemunhos: edifícios, quadros e esculturas, usos e costumes dos mais variados, todos inspirados na fé e na civilização cristãs. Testemunhos acumulados pela fé ao longo dos séculos e que ocupam um lugar de honra no templo da história e da arte. Uma coisa, entretanto, importa soberana e quase exclusivamente: velai por que estas formas conservem seu significado íntimo. Velai por que elas não se tornem um dia mascara mortuária, mas antes conservem sempre a face e a forma de um organismo vivo, cheio de calor e transbordante de força (2).

Daí a Nossa exortação, que é especialmente endereçada a vossa juventude: esforçai-vos por abraçar a vossa fé católica com um fulgor novo, com profundidade e com uma ardente convicção! Empregai todos os meios para praticar mais e mais esta fé na oração, na união com Cristo, fonte da graça, nos vossos pensamentos e na vossa vontade, na vossa atividade, na vossa vida de família, na vossa vida publica.

Notai bem: esta palavra de ordem não se dirige apenas aos que vivem nos grandes centros industriais. Ela toca igualmente aos habitantes dos campos e das montanhas.

Insisti, na defesa da vossa fé, por que a escola católica seja assegurada e conservada para vossos filhos. De que serve a educação cristã no lar doméstico, se a escola destrói o que se edifica cuidadosamente na família! Fortalecida por graves experiências, que renova incessantemente, a Igreja defende neste ponto, com intransigência, os direitos dos fieis, e vos exorta a fazer valer com intransigência, vós também, vossos direitos neste campo (3).

Na defesa da fé cristã velai pela santidade do casamento.

Que a conclusão do casamento vos seja coisa santa.

O verdadeiro casamento, para o católico, é o casamento religioso, jamais o casamento exclusivamente civil (4 ). Se a vontade do povo tem um sentido na vida nacional, exigi que neste campo do casamento se tenha em justa conta a vontade da grande maioria do vosso povo.

Santificai igualmente a vida do casamento. Segui nisto as instruções de Nosso Predecessor na sua Encíclica sobre o casamento e as diretivas que Nós vos demos no outono passado sobre as exigências morais da vida conjugal, tomando grandemente em conta as condições presentes. Vós os sabeis, caros filhos e filhas: o cuidado elementar do futuro e da conservação do vosso povo coincide aqui com as exigências da lei natural e da Igreja.

Santificai a vida de família. A vós, pais, a educação cristã dos filhos; a vós, filhos, a observância do quarto mandamento de Deus, no respeito e na obediência para com vossos pais. Para vós todos, a oração em família e a santificação do domingo. Que ele seja e que ele permaneça o dia do Senhor, o dia de repouso para o corpo e para a alma, o dia da família. Com boa vontade, a atmosfera serena de paz e de alegria do domingo cristão pode continuar a fornecer à família a coesão que infelizmente não mais lhe dá o trabalho quotidiano, o qual atua por demais freqüentemente como elemento de separação. Um frenesi inteiramente pagão na cultura física ( 5 ) e na procura do prazer (6 ) tendem a profanar o domingo e a desagregar a família; oponde-vos a estes excessos!

Como outras regiões, vosso país vê um grande movimento de construção de habitações. Fazei, tanto quanto estiver em vosso poder, que as realizações deste movimento correspondam à vontade de Deus, no que toca ao casamento e à família ( 7).

Não poderíamos nos dirigir aos católicos de Viena e de toda a Áustria sem tocar na questão social. Não tem sido sempre Viena um dos centros do movimento social-cristão? É com um sentimento de afetuosa gratidão que nesta hora solene evocamos todos aqueles dentre vós que contribuíram para a solução cristã da questão social, seja pelo estudo, seja pelas realizações praticas.

A QUESTÃO SOCIAL

Diante do olhar da Igreja se apresenta hoje em dia a primeira época das lutas sociais contemporâneas. Em seu âmago dominava a questão operária: a miséria do proletariado e o dever de elevar esta classe de homens, entregue sem defesa às incertezas da conjuntura econômica, até a dignidade das outras classes da cidade, dotadas de direitos precisos. Este problema pode ser hoje em dia considerado como resolvido, ao menos nas suas partes essenciais (8), e o mundo católico contribuiu para esta solução de modo leal e eficaz (9). Não foi senão tarde, à undécima hora, que em certos grupos de países se abriram os olhos e começaram as realizações práticas. Não é menos verdade que as diretivas sociais dadas pelos Papas desde há mais de sessenta anos, se tornaram de há muito, e por quase toda a parte, o bem comum do pensamento e da ação dos católicos.

Se os sinais dos tempos não enganam, outros problemas dominam a segunda época das lutas sociais, na qual parecemos já ter entrado. Enunciaremos dois destes problemas (10): a superação da luta de classes e a defesa da pessoa e da família.

A luta de classes deve ser superada pela instauração de uma ordem orgânica unindo patrões e operários. A luta de classes jamais poderá ser um objetivo da doutrina social católica. A Igreja se deve sempre a todas as classes da sociedade (11).

É preciso impedir a pessoa e a família de se deixar arrastar para o abismo onde tende a lançá-la a socialização de todas as coisas, ao fim da qual a terrível imagem do Leviatã tornar-se-ia uma horrível realidade. É com a maior energia que a Igreja travará esta batalha em que estão em jogo valores supremos: a dignidade, do homem e a salvação eterna das almas (12).

É assim que se explica a especial insistência da doutrina social católica, sobre o direito da propriedade privada (13 ). É a razão profunda pela qual os Papas das Encíclicas sociais e Nós mesmo Nos recusamos a deduzir, seja diretamente, seja indiretamente, da natureza do contrato de trabalho, o direito de co-propriedade do trabalhador ao capital, e, portanto, seu direito de co-direção (14 ). Importava negar este direito, pois atrás dele se apresenta este outro grande problema. O direito do indivíduo e da família à propriedade deriva imediatamente da natureza da pessoa, é um direito ligado à dignidade da pessoa humana, e que comporta por certo obrigações sociais; mas este direito não é só uma função social.

Nós timbramos em vos exortar, a vós e a todos os católicos, a seguir fielmente a linha nítida da doutrina social católica, desde o começo das novas lutas, sem desviar nem à direita nem à esquerda (15). Um desvio de apenas alguns graus poderia a princípio parecer sem importância. Mas, à medida que se prolongasse, este desvio provocaria um afastamento perigoso do caminho reto, e graves conseqüências. Pensamento sereno, domínio de si, firmeza em face das seduções dos extremos: eis as exigências da hora presente neste terreno.

PALAVRAS FINAIS

Tal é a mensagem que queríamos endereçar ao Katholinkentag deste ano.

Conhecemos, caros filhos e filhas, as graves preocupações e os temores que vos oprimem, como cidadãos de vosso país a constância inquebrantável durante os anos como filhos da Igreja. Conhecemos vossa sombrios de insegurança e de futuro incerto, bem como a firmeza de vossa esperança e de vossa vontade de construir. Vossas inquietações e vossas esperanças são também Nossas inquietações e Nossas esperanças, e não Nos cansamos de as apresentar à onipotência divina, no Santo Sacrifício da Missa e em Nossas orações.

Nada poderíamos fazer de melhor, nesta hora, que vos recomendar, com todo o fervor de Nosso coração paternal, à Alma Mater Austriae, que em Seu santuário de Maria Zell, se tem tantas vezes mostrado, no meio de perigosas situações, vosso auxilio e vossa proteção, a Mãe do bom conselho, a medianeira da força todo poderosa de Seu Divino Filho. Confiai a Maria o vosso destino, confiai-lhe antes de tudo a vossa vontade de uma renovação cristã. Então nada tereis a temer, e podereis vos abandonar à confiança (16 ).

Possa Maria entender sobre vós a Sua mão virginal e materna, e possam o amor e a graça de seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus, louvado em todos os séculos, espalhar-se abundantemente sobre vós. Em penhor destes favores damos-vos de todo o coração a benção apostólica, ao Nosso digníssimo Legado, a vossos Bispos e Padres, a vós caros filhos e filhas, assim como a todo o vosso povo.

Ca NOTAS DA REDAÇÃO

(1) — O Santo Padre alude aqui à iníqua ocupação da Áustria. Esta nação foi a primeira vitima da guerra; não participou dos crimes do nazismo; não foi adversária dos aliados pois sua independência fora brutalmente abolida por Hitler, com o anschluss. Entretanto, a má fé soviética impediu até agora o tratado de paz com a Áustria, e a situação do armistício tem servido de pretexto a que as tropas comunistas ocupem ainda parte de Viena, uma das cidades mais católicas e mais ilustres do mundo.

( 2) — Belíssima imagem, sapientíssimo conselho. As tradições do passado cristão só são vivas se conservam seu significado íntimo, que é religioso. Laicizadas, transformadas em mera rotina, desligadas da crença que lhes deu origem, não são senão restos funerários de um esplendido passado. Fala-se em conservar no Brasil os vestígios de nosso passado, os costumes domésticos e sociais que constituíram o encanto e a honra da vida de nossos avós. Nada mais necessário nem melhor. Mas tudo isto só será possível onde houver fé sincera e viva. Para meros efeitos civis e temporais, e sem seiva religiosa, nada disto pode viver.

(3) — E ainda se diga que a intransigência não é uma virtude cristã.

(4) — Verdade singularmente oportuna, em nosso Brasil, onde muitos católicos falam em "casamento civil" e até em "casamento no Uruguai" como se fossem verdadeiros casamentos.

(5 ) — O Santo Padre não condena a cultura física em si mesma. Também não fala aqui dos trajes imorais usados no esporte. Nem cogita do esporte imoral. Fala do entusiasmo delirante, frenético, desequilibrado, pelo esporte mesmo lícito. Quantos sintomas deste mal entre nós! As loucuras que se fazem para poder ir a um jogo, a excitação quase selvagem que a "torcida" provoca, a atenção com que se segue o noticiário impresso ou radiofônico dos fatos esportivos — maior do que se foram os fatos mais graves da vida da Igreja ou do mundo — a devoção pueril aos esportistas e aos locutores do radio ligados ao esporte; tudo isto constitui o detestável frenesi de que o Papa nos fala.

(6 ) — Quanto à procura do prazer, o que dizer? Os lares abandonados nos domingos, e nos instantes em que se fica no lar a invasão do radio e da televisão que levam ao lar o ambiente da rua, já falam por si.

(Continua)